Cavaleiros do Diabo - sociedade secreta (Diamantina)

11-09-2012 18:25

No decênio de 1855 a 1865, existia em Diamantina uma original sociedade secreta, constituída por moços das principais famílias e alguns elementos das classes baixas da cidade, intitulada “Os Cavaleiros do Diabo”, cujo fim era se divertirem á custa do povo, com troças excêntricas e inéditas.

            Essa sociedade, regida por um draconiano código maçonico, fazia suas reuniões clandestinas e abosulatemente secretas, entre meia noite e duas horas da madrugada, numa caverna da Gupiara a que chamavam “Gruta de Plutão”; mas quando o tempo estava chuvoso e havia necessidade urgente de uma sessão, os Cavaleiros do Diabo reuniam-se na loja de um associados, no Beco do Motta.

            Os principais membros eram: Juca Americano (o chefe da malha), rapaz prestimoso, insinuante e alegre, filho de um abastado negociante de diamantes, três primos seus – os irmãos Serafim, Mauricio e Juscelino Moura, Juca Dias, exímio tocador de violão; Venâncio Mourão, Americo Trindade, Estevão Polamiesky, moço polaco que fora para Diamantina, supondo aquela cidade um El-Dourado, onde se catavam diamantes nas ruas, e por ali ficara exercendo o ofício de seleiro.

            Rara era a semana em que os Cavaleiros do Diabo (cuja existência só era sabida pelos sócios), não faziam um troça, ás vezes perversa e de mau gosto: besuntar de tabatinga as portas das lojas, destelhar as casas; colocar secretamente nos quartos de dormir das vítimas cobras, a que previamente arrancavam os dentes; lançar poaia em pó nos potes e moringas dágua; roubar galinhas nos quintais e substituí-las por corujas e urubus; nas reuniões, nas igrejas e nas procissões, prender as saias das mulheres, umas ás outras , com alfinetes.

            Numa vasta casa, á rua Jogo da Bola, residia, então solitariamente, na mais abjecta avareza, um sexagenário e solteirão, de nome Alonço Lage, de avultados haveres em prédios, apólices e objetos de ouro e prata, velho intratável e muito insolente. Os Cavaleiros dos Diabo resolveram pregar um peça aos parentes deste Rapagão (irmãos, primos e sobrinhos), os quais residiam em fazendas e povoados distantes, de onde costumavam remeter presentes de gêneros, queijos, aves e leitões ao velho avarento, afim de não ficarem esquecidos no testamento.

            Certa noite, os incorrigíveis trocistas despacharam secretamente emissários em diversos pontos a esses herdeiros, levando-lhes a falsa notícia de Ter o Rapagão morrido repentinamente, de uma apoplexia. Dias após chegavam a cavalo, á porta do Alonço, vinte e tantos parentes de ambos os sexos (com o intuito de começarem ocupando a casa...), alguns trajados de luto e com o semblante compungido. Imagine-se o despontamento dos herdeiros, ao verem chegar á porta, cheio de vida e saúde, o velho malandro, e a fúria deste, ao saber da perversa notícia de sua morte. O opulento celibatário não quis hospedar, em sua vasta casa, nem mesmo três irmãos e duas velhas irmãs indo todos os parentes arranchar na Intendência de Cima (mercado de tropas), em promisscuidade com brutos tropeiros.

            Na rua do Amparo, havia um grande e bem sortido armazém de gêneros alimentícios, o melhor da cidade, cujo proprietário, Lourenço Vidinha, era um sujeito violento e muito malcriado. Os Cavaleiros do Diabopregaram-lhe uma partida, que quase arruinou o comerciante. Por prévia combinação pegou cada um deles diversos ratos, reunindo conjuntamente cerca de quinhentos desses roedores, os quais, após um jejum de vinte e quatro horas, eles soltaram á noite no referido armazém, cujas portas tinham aberto com chaves falsas. Os ratos fizeram horrível devastação nas mercadorias do negociante, que sofreu enorme prejuízo.

            Mas, a troça mais estupenda desses rapazes, foi a seguinte. Em frente á igreja de Santo Antônio (Catedral), havia nessa época um kiosque pertencente á um francês, Luiz Galet, que ali vendia em pequena escala, bebidas, comestíveis (sardinhas, biscoitos, brôas, pastéis, caragés,etc) e cigarros, Tendo um dos Cavaleiros do Diabo, tindo um atrito com esse negociante, propôs aos companheiros tirar dele uma vingança . E assim combinaram e levaram a efeito uma troça, que causou sensação em Diamantina.

            Ás duas horas de uma madrugada escura, estando aquele local absolutamente deserto. Juca Americano, seus primos Juscelino, Maurício e Serafim e alguns outros companheiros, com a cumplicidade do sacristão da igreja de Santo Antônio, que era membro da Associação, amarraram o kiosque com grossas cordas e, sem fazerem barulho, vencendo dificuldades inaudítas, com perigosas operações acrobáticass, o içaram até o alto da torre, em cujo cume o prenderam fortemente com correias de couro.

            No dia seguinte, ás sete horas da manhã chegando Luiz Galet ao local, como de costume, para abrir o negócio, ficou assombrado por não encontrar o kiosque. Ás exclamações do pobre homem; foi juntando gente, em frente á igreja. Começaram a fervilhar os comentários sobre aquele caso misterioso. Como teria desaparecido o Kiosque? Um homem só não poderia tê-lo removido dali, por causa do peso. Deveria haver vários cúmplices. Mas, em Diamantina, não havia ladrões tão audácios. Era um mistério que parecia “sombração”. Chamassem o delegado para providenciar...  Enquanto os grupos assim palestravam, chegou o Juca Americano:

  • Então, que houve?

O Kiosque do Gallet que desapareceu, disse um circunstante.

  • Ora essa!... É verdade! – exclamou o Juca, fingindo, só então Ter notado a falta do kiosque – Que fim levou ele?
  • Incêndio não foi, comentou um velho – sinão ficariam cinzas e carvão.
  • A que atribue você esse sumiço? Perguntou Juca Americano ao francês.
  • Não sei, respondeu o infeliz.
  • É um perfeito mistério! Ainda ontem de noite ele estava aqui.
  • Até aí morreu o Neves! – replicou, rindo, o Maurício Moura – Que até ontem o kiosque esstava aqui, sabemos todos. O que precisamos descobrir é onde ele está agora!                    Nesse momento, veio correndo da rua Direita um menino a gritar:  - O kiosque está em cima da torre da igreja!

O numeroso grupo correu até a frente do edíficio, onde está hoje o Familiar Club, que depois pertenceu ao comendador  José Ferreira de Andrade Brant, o qual ali faleceu, repentinamente em 20 de abril de 1910, há quarenta anos por conseguinte. Todos olharam para cima e verificaram atônitos e petrificados, que o o menino dissera a verdade! O kiosque estava no alto da torre!

Seu proprietário, Luiz Gallet, aliviado e assombrado, parecia uma estátua de mármore. Em torno dele começaram os comentários sobre aquele caso sensacional:

  • Não há forças humanas que sejam capazes de um esforço como este, numa cidade pequena, e sem ninguém perceber!
  • Então o kiosque voou por si?
  • Parece arte do demônio!
  • Cruz! Credo! Vá para as areias gordas! ( Vá para as areias gordas! Frase commque se esconjura o diabo, em Diamantina).
  • É incrível como conseguiram levá-lo aquela altura!
  • Qual! Ele voou sozinho! É um milagre!
  • Esses comentários não adiantam! Exclamou o Juca Americano, - vamos tentar descer o kiosque intacto. É um serviço que prestamos ao nosso amigo Gallet!

Mandou –se chamar o sacristão que abriu a igreja. Subiram então á torre o Juca Americano, seus primos e outros sócios dos Cavaleiros do Diabo. Ao chegar lá em cima, o Juca abriu discretamente o canivete, e começou a gritar para o povo aculado em frente á igreja:

            - Atenção! Atenção! Afastem-se daíque a corda está arrebentando  e o kiosque vai cair! Saiam depressa!!

O grupo afastou-se correndo; ele então cortou as correias que prendiam o kiosque, despencando-se este, que estraçalhou no adro da igreja, fazendo saltar cacos de garrafas, biscoitos, doces, latas de sardinhas e gêneros diversos. Numerosos meninos, entre gritos e assuados, correram para junto dos despojos, que foram rapidamente saqueados, entre os protestos e lamentações do pobre francês.

Desde esse caso sensacional, o infeliz proprietário do kiosque, começou a definhar, a emagrecer, afastando-se do convívio social, manifestando sintomas de alienação mental, até que certa madrugada, foi encontrado mortono adro da igreja de Santo Antônio (antiga Catedral), de costas, com os olhos abertos , como olhando para cima, á procura do kiosque...

Esta original sociedade extinguiu  em 1865, por terem seus principais chefes, seguido como voluntários para a Guerra do Paraguai. Esses rapazes se portaram valentemente na memorável campanha. O Juca Dias, morreu heróicamente , ao retomar a bandeira brasileira, de um grupo e paraguaios.

ARNO, Ciro. Voz de Diamantina, A Metrópole do Norte, XVIII...