Descoberta dos diamantes

06-04-2017 08:03
2-  A DESCOBERTA DOS DIAMANTES 
 O Ouvidor Caetano Costa Matoso reuniu em seus apontamentos três documentos referentes à região diamantina da Capitania de Minas, que circundava o antigo arraial do 
                                                          
 1 PEREIRA, Vera Lúcia Felício. O artesão da memória no Vale do Jequitinhonha. Belo Horizonte, UFMG/PUC - MINAS, 1996. 1 v. 2PEREIRA, Vera Lúcia, op. cit., nota 1, p. 25. 3Ibid., p. 26. 4FURTADO, Júnia Ferreira. O livro da capa verde; vida no distrito diamantino no período da real extração. São Paulo: Anna Blume, 1996.  
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Tejuco. O primeiro, de sua própria lavra, era uma compilação dos principais acontecimentos desde as descobertas do ouro e dos diamantes na região, na forma de uma corografia da Vila do Príncipe e do próprio arraial, até por volta do ano de 1750. Os dois últimos eram transcrições de documentos de época, referentes aos segundo e terceiro contratos dos diamantes. Todos os documentos apontam interessantes caminhos de pesquisa para o historiador, apesar do primeiro ser, aparentemente, o mais instigante pela amplitude e originalidade dos temas abordados.  
 Nessa pequena história da região, entre o início de sua ocupação até aproximadamente 1752, Caetano abordou diferentes questões como: a fundação da vila, o descobrimento dos diamantes, as oscilações na administração e nas formas de concessão das lavras e as técnicas de mineração dos diamantes. A fundação da Vila do Príncipe foi atribuída pelo Ouvidor, de forma inédita, aos caprichos de uma negra. Segundo sua descrição, o pelourinho foi erguido por ordem do Ouvidor de Sabará, Luís Botelho de Queirós, em um local distante apenas duas léguas do arraial do Tejuco. Mas, passado pouco tempo, o juiz Antônio Quaresma mudou a povoação para um novo sítio, onde está até hoje, distante do arraial nove léguas, tudo “a instâncias de uma sua amiga negra, por nome Jacinta, existente ainda hoje, que vivia naquele sítio com lavras suas.”5 
 Como Jacinta, nas Minas no século XVIII, eram muitas as negras e mulatas que estabeleciam relacionamentos ilícitos com o sexo oposto. Essa prática era resultante, entre outros motivos, da conformação do povoamento, onde os homens compunham a maioria absoluta da população, fruto das características inerentes à atividade mineratória: seu caráter urbano, efêmero, itinerante e de aventura. No caso da região diamantina, de povoamento recente, esta desproporção era acentuada. Ao se examinar o censo de 1738, relativo à Comarca do Serro do Frio como um todo, da qual o Distrito Diamantino fazia parte, depreende-se que do total de 9.681 habitantes 83,5% eram homens e 16,5% eram mulheres. 
                                                          
 5HISTÓRIA da Vila do Príncipe e do modo de lavar os diamantes e de extrair o cascalho. Doc. 120 
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Entre os escravos, este último segmento representava apenas 3,1%, pois eram obtidos, prioritariamente, para o trabalho da mineração, mais afeito aos homens.6  
 Já entre os forros, as proporções se invertiam, e as mulheres passavam a ser majoritárias. No mesmo censo, do total de 387 forros, elas constituíam 63%, contra 37% de homens, indicativo de que eram as que mais se beneficiavam da alforria, inclusive acumulando bens, como as lavras de Jacinta. Uma vez livres, essas mulheres oscilavam entre a desclassificação social e a inserção, ainda que desajeitada, no universo antes restrito aos brancos livres da Capitania. Esta última possibilidade, cada vez mais comum, escandalizava o Governador das Minas, o Conde das Galvêas que, em 1733, procurou reprimir  
“os pecados públicos que com tanta soltura correm desenfreadamente no arraial do T[e]juco, pelo grande número de mulheres desonestas que habitam no mesmo arraial com vida tão dissoluta e escandalosa que, não se contentando de andarem com cadeiras e serpentinas acompanhadas de escravos, se atrevem irreverentes a entrar na casa de Deus com vestidos ricos e pomposos e totalmente alheios e impróprios de suas condições.”7 
 
 A descoberta dos diamantes foi o principal tema que emergiu de sua descrição da região e é, ainda hoje, um tema nebuloso para os historiadores, entre outros fatores, porque os próprios partícipes do acontecimento trataram de cercá-lo de mistérios e mal entendidos. Distantes as datas entre a descoberta das preciosas gemas e a sua oficialização, circularam várias versões de como a primeira se deu de fato, já que os documentos oficiais preservados nos arquivos datam do segundo momento – 1729.8 Nesse ano, Dom Lourenço de Almeida enviou o comunicado oficial da descoberta, aparentemente pressionado pela notoriedade da mineração clandestina das pedras, do qual ele próprio era um dos suspeitos de tirar vantagem até então. Irmão do patriarca de Lisboa e cunhado do secretário de Estado, governador das 
                                                          
 6POPULAÇÃO de Minas Gerais. R. do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v. 3, p. 465-498, 1898.  7BANDO do governador de 2 de dezembro de 1933, apud VEIGA, Xavier da. Efemérides mineiras. Belo Horizonte, Fundação Joã Pinheiro, 1998. p. 1026.  8CARTA de Dom Lourenço sobre a descoberta dos diamantes, 22 de julho de 1729. R. do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v. 7, p. 263-264, s. d.  
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Minas entre 1721 e 1731, Dom Lourenço retornou à Corte com cerca de 18 milhões de cruzados, riquezas auferidas em diversos negócios que se envolveu, entre eles os diamantes.9  
 Notícias de descobertas de diamantes no Brasil remontaram à segunda metade do século XVI. Por essa época, partiram de Porto Seguro e Espírito Santo as expedições de Fernandes Tourinho (1572), Antônio Dias (1574) e Marcos de Azeredo (1596) que penetraram na região pelo Rio Doce e deste para os rios Jequitinhonha, Araçuaí, Caravelas e Mucuri, atingindo o pico do Itambé. Ambrósio Brandão, no Diálogos das Grandezas do Brasil, escrito em 1618, já enumerava os diamantes como uma de suas riquezas10 e certamente, esses se encontravam entre as pedras que Marcos de Azeredo depositou aos pés de Felipe II em Madrid, ao voltar de sua expedição. Em 1702, Frei Antônio do Rosário anotou que os diamantes do Brasil eram mandados “não em bizalhos, mas em caixas, que todo ano vem a este reino”, de sorte que tinham convertido estas terras na verdadeira Índia de Portugal, “pois a Índia já não é Índia.”11Mas apesar dessas notícias esparsas, somente com os achados de diamantes na comarca do Serro do Frio, no segundo quartel do século XVIII, a América Portuguesa se tornou grande produtora de diamantes. 
 Por isso, os significativos movimentos populacionais para a região decorrentes da circulação da notícia do achado das preciosas pedras dataram dessa época e deram-se, não a partir das costas do Espírito Santo, mas do sul da Capitania das Minas, oriundos da região aurífera. Na correspondência do homem de negócios português, Francisco Pinheiro, existe um dos primeiros relatos contemporâneos à descoberta. Em setembro de 1727, seu agente comercial em Sabará, Francisco da Cruz, escreveu-lhe contando  
“das minas novas do Serro do Frio, [...] cujas minas são umas que haverá dez meses se descobriram com tanta grandeza, [...] e de todas estas partes se tem retirado a maior parte da gente que nela habitavam e desta a maior parte, pois todos vão a buscar maiores conveniências que me afirmaram [...] os grandes lucros e jornais que dão os negros e louvam muito a Deus, a lembrar-se de todo o gênero humano.”12. 
                                                          
 9GODINHO, Vitorino de Magalhães. Portugal, as frotas do açúcar e do ouro. R. de História/USP, São Paulo, n. 15, p.6988, jul./set. 1953. 10BRANDÃO, Ambrósio F. Diálogos das grandezas do Brasil. 1618. Rio de Janeiro: Dois Mundos, s. d.p. 40-41. 11ROSÁRIO, Frei Antônio do. Frutas do Brasil numa nova e ascética monarquia. Lisboa: 1702, p. III. 12HOSPITAL SÃO JOSÉ. Testamentaria de Francisco Pinheiro. Carta 166, maço 29, f. 257. In: LISANTI,  
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 Este relato contemporâneo aos acontecimentos recua a descoberta dos diamantes para a mesma época dos apontamentos do Ouvidor Caetano Costa Matoso, qual seja -  o ano de 1726, e não quando da comunicação oficial pelas autoridades, em 1729.  
 O mesmo Francisco da Cruz contou ainda sobre o número significativo de pessoas que abandonavam, desde 1726, a região aurífera das Minas e passavam para a região diamantina, confirmando já serem os descobertos públicos e notórios. Calculava, pelo “que me afirmaram várias pessoas casadas nesta terra que voltaram a buscar suas famílias” que para lá já tinham passado mais “de mil homens brancos e negros”13. Previa que daí “a ano e meio ficará essa comarca [Rio das Velhas] sem gente, pois uma coisa é ver, e outra é contar as muitas tropas que todos os dias partem para elas.”14. 
No início do descobrimento dos diamantes, a região continuava cercada de lendas e mistérios. Como Francisco da Cruz, a maioria das pessoas sabia o que se passava pelo ouvir dizer e vários rumores circulavam. Nessa época, nem sua localização exata era possível precisar. Uns diziam que sua “distância das minas passa de ter ... mais de oitenta léguas”15; outros, “que estão distantes a estas, vinte e um dias de viagem, as quais querem dizer ficam no distrito da Bahia e a ela dizem tocar.”16  “O rush do diamante trazia, segundo eles, a desorganização da vida e gerava mais pobreza do que riqueza. A especulação aumentava e muitos viam que a riqueza investida em imóveis e os objetos perdiam seu valor de um dia para o outro. Cruz contou que os valores estavam todos invertidos e, ‘com a retirada da gente desta vila, [fez-se] dar-se as casas de graça’. Outros trocavam seus imóveis com ‘um taverneiro por uns calções encarnados e outros por um freio de cavalo’; pois ‘não há quem os queira, que ... muitos se têm ido [para as minas novas] ..., deixam os seus engenhos e fazendas que valem mais de meia arroba de ouro, ... e tornam a empregar o seu ouro em negros.”17  
 
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 Parte da historiografia referiu-se apenas à descoberta oficial. Joaquim Felício dos Santos, o primeiro historiador da região dos diamantes, afirmou que “não é menos difícil dizer quem fora o primeiro descobridor”, tal o número de versões presentes na tradição oral.18 Para ele, era apenas certo que já tinham sido encontrados em 1729, quando começou a exploração pela Coroa.   Outros procuraram indícios de como os fatos teriam verdadeiramente se dado. Augusto de Lima Júnior apresentou uma versão pormenorizada, mesclando documentos a narrações antigas e atribuiu o descoberto “em 1714, a um certo faiscador de nome Francisco Machado Silva.”19 Sua fonte principal foi o relato que Martinho de Mendonça Pina e Proença, enviado para avaliar a potencialidade da produção de diamantes na região em 1734, fez um ao Conde de Sabugosa.20 Sua história, repleta de incidentes e intrigas, desenrolou-se até 1729 em uma trama que envolvia autoridades e particulares,  na busca de tirar o máximo proveito da extração clandestina, ocultando da Coroa as riquezas que vertiam dos ribeiros tejucanos. Em 1721, os diamantes passaram a ser encontrados em profusão nas lavras do Rio Morrinhos de propriedade de Bernardo da Fonseca Lobo. Este teria avisado imediatamente o Governador Dom Lourenço de Almeida que, juntamente com o Ouvidor do Serro do Frio, Antônio Rodrigues Banha, trataram não de avisar o Reino, mas de se reunir numa sociedade para extrair ilegalmente as pedras. Nessa trama associaram-se, ainda, o Frei Elói Torres, que já residira na Índia e Felipe de Santiago, vendedor ambulante. Lima Júnior, a exemplo de Martinho de Mendonça, atribuiu a Bernardo da Fonseca Lobo o papel de inocente útil, explorado pela camarilha capitaneada pelo Governador. Até que, em 1729, impedido pela notoriedade da descoberta de continuar a negociação clandestina, o governador foi obrigado a fazer a comunicação oficial, onde atribuiu a demora da notícia pela incerteza da qualidade das pedras e declarou terem aparecido pela primeira vez, já há algum tempo, nas lavras de Fonseca Lobo. Na mesma época, Bernardo se dirigia ao Reino com um lote das pedras e ali conseguiu o título de descobridor e várias mercês. 
                                                          
 18 SANTOS, Joaquim Felício dos. Memórias do distrito Diamantino. Belo Horizonte: Itatiaia, 1976. p. 49. 19 LIMA JR., Auguste de. Histórias dos diamantes nas Minas Gerais. Rio de Janeiro: Dois Mundos, s. d. p. 18. 20 Sobre o descobrimento dos diamantes na Comarca do Serro. Primeiras administrações. R. do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v. 7, p. 251 - 263, 1902.  
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 A ausência de documentos e relatos da época tornou imprecisa a ordem dos acontecimentos. Jacob de Castro Sarmento, médico, cristão-novo, residente na Inglaterra, redigiu, em 1735, o primeiro relato publicado conhecido da descoberta dos diamantes.  
 Inserido em seu livro de medicina Matéria Médica, Físico-Histórica, Mecânica, Reino Mineral,21 no verbete sobre diamantes, indicou o ano de 1726 e a Felipe de Santiago o reconhecimento de que as pedras brancas, que os mineiros tiravam dos rios do Tejuco eram realmente diamantes. Relatou os artifícios do Ouvidor Banha para ocultar e extrair ilegalmente as pedras, mas afirmou que, já em 1727, se divulgou “essa notícia de maneira que, no ano de 1728 principiaram-se a tirar em abundância no mesmo Ribeiro do Caeté-mirim.”22 
 Coube, efetivamente, a Bernardo da Fonseca Lobo o atributo de descobridor. Afirmou em seu testamento que possuía “um serviço que fez à Sua Magestade por lhe descobrir os diamantes”, em troca do que recebera “o manto de cavaleiro”, com o qual pretendia ser amortalhado e “uma propriedade de um ofício de tabelião de judicial e notas nesta Vila do Príncipe”, que se encontrava em 1743, época em que redigiu o testamento, “arrendado por seis anos a Luis Lopes Falcão Pereira.”23 Era ainda proprietário da lavra dos Morrinhos, entre outras, ao contrário do que afirmou Lima Júnior que, enganado pelo Governador da preciosidade das pedras, a vendera, por preço irrisório, ao novo Ouvidor Antônio Ferreira do Vale e Melo.24  
 Fonseca Lobo tornou-se um pequeno potentado local, graças aos privilégios recebidos. Sua suntuosa casa, construída no arraial, dispunha de um oratório particular. Desfrutou da amizade do primeiro Intendente dos Diamantes Rafael Pires Sardinha, a quem pedia inúmeros favores, inclusive o de ser seu testamenteiro em Portugal.25 O próprio Governador José Antônio Freire de Andrade foi padrinho de sua filha Firminiana, em uma de 
                                                          
 21 SARMENTO, Jacob de Castro. Matéria médica, físico - histórica, mecânica, reino mineral; Londres, 1735. p. 147-157. Esta indicação e cópia do trecho foram-me gentilmente cedidas pelo Prof. Friedrich E. Renger. 22 Ibid., p. 150. 23 DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico. Óbitos no tejuco. 1752 - 1766. Caixa 350, f. 89v - 92v. 24 LIMA JR., Auguste de, op. cit., nota 20, p. 23-24. 25 DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 24, f. 89v - 92. 
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suas viagens ao Tejuco.26 Seu filho Roberto Mascarenhas continuou desfrutando de cargos e poder no Distrito Diamantino, muitas vezes aproveitando-se deles para encobrir atividades ilegais.27 
 Na parte final de sua pequena história, Caetano se debruçou sobre os diferentes métodos de extração dos diamantes. Primeiramente, explorava-se o aluvião dos rios, onde se encontravam diamantes em maior quantidade e com mais facilidade, utilizando principalmente a bateia. As técnicas empregadas eram as mais simples possíveis e dava-se preferência ao período das secas. Quando estes se esgotavam passava-se à exploração das margens, ou grupiaras. Os custos de produção elevavam-se, pois eram exigidas técnicas mais sofisticadas, além de ser necessário remover os entulhos retirados do fundo dos rios e acumulados nas margens. Ao fim, fazia-se uma segunda lavagem dos cascalhos buscando pedras desprezadas na primeira lavagem. 
 
Julia Ferreira Furtado