familia mata machado 2

19-07-2015 12:03

importação de capitais dos grandes centros comerciais tornava-se uma necessidade10. Nesse ponto do texto, o Conselheiro criticou a prática rotineira dos capitalistas brasileiros aplicarem recursos vultosos em empresas que nenhuma vantagem acarretavam para o país. Em seguida, João da Mata Machado Júnior descreve o projeto da Fábrica de Santa Bárbara, os capitais necessários, a lucratividade esperada e as formas de gestão que seriam empregadas. Justifica a escolha do sítio e apresentação indicações sobre o mercado potencial para a referida indústria. Escreve, pois, uma espécie de plano de negócios avant la lettre. No entanto, o mais interessante neste texto do Conselheiro Mata Machado é a estratégia que ele considerava apropriada para promover o desenvolvimento do Norte de Minas. Para o ilustre diamantinense, “só a ação combinada da indústria e da cultura, aproveitando aquela os produtos desta, poderá salvar de total ruína esta extensa zona da Província”. A difusão de indústrias baseadas em matérias-primas minerais e agropecuárias seria o meio para dinamizar a economia da hinterlândia. E, para exportar esses produtos, bem como os gêneros da lavoura, escreveu o Conselheiro que seria necessário investir em estradas de ferro e, sobretudo, na navegação a vapor dos rios, “para avassalar as distâncias”. O edifício da fábrica foi construído pelo engenheiro civil Catão Gomes Jardim, baseado em planta do engenheiro Bonjean, presidente da Companhia Brasil Industrial O maquinismo e as peças sobressalentes, encomendados na Inglaterra, chegaram até Curimataí depois de custosa viagem. Do Rio de Janeiro a Sabará, vieram por via férrea; de Sabará até Manga, pequeno porto no Rio das Velhas, ajoujos serviram para realizar o transporte dos teares. De Manga a Santa Bárbara, carros de boi transportaram os maquinismos. Trabalhadores da própria região serviram na Fábrica, de início sob a supervisão de mestres de fiação e tecelagem ingleses, John Kirch e Thomas Moore. Os sócios fundadores da Companhia Santa Bárbara foram nove: o conselheiro João da Mata Machado, Augusto da Mata Machado, Álvaro da Mata Machado, Pedro da Mata Machado, Francisco Correa Ferreira Rabelo, João Antônio Lopes de Figueiredo, Pedro José Versiani, José da Silva Machado e Antônio Moreira da Costa (Barão de Paraúna). Como Francisco Rabelo, João Antônio de Figueiredo e Pedro Versiani eram maridos das irmãs Mata Machado, apenas o Barão de Paraúna era sócio estranho ao núcleo familiar. Convém fazer um parêntese para oferecer informações sobre este último sócio da Fábrica de Santa Bárbara. Antônio Moreira da Costa era filho natural de Ana Sabina de Lacerda, nascido e batizado em Diamantina. Angariou enorme fortuna nos negócios minerais, tornando-se um dos homens mais ricos de todo o Norte de Minas nas últimas décadas do século XIX. Além de sócio dos Mata Machado, ele também foi sócio de Leonel Tolentino Monteiro, na firma Moreira Costa & Tolentino, inaugurada em julho de 1888 para fabricar chapéus finos, empregando 25 operários e uma grande caldeira a vapor (Envelope 3, Caixa 7, Acervo José Teixeira Neves. BAT). O Barão de Paraúna foi sócio ainda da Fábrica de Tecidos de Itinga, município de Araçuaí, da Companhia Industrial Rio Pretana e da Fábrica da Conceição do Rio Manso. Possuía letras da Companhia Industrial do Biribiri (tecidos), Companhia Indústria e Comércio do Norte de Minas, de Oliveira Neves & Companhia (tecidos de casimira) e de Luiz de Rezende & Companhia (mineração e comércio de diamantes). No 10 - Ainda que, no momento da fundação da Companhia de Santa Bárbara, o apelo do Conselheiro não fosse ouvido, ele surtiu efeito depois. Na assembléia geral extraordinária de 4 de julho de 1892, fizeram-se presentes os sócios cariocas Franscisco Rodrigues do Nascimento, José Alves Ferreira Chaves, Luis Felipe Freire de Aguiar e Joaquim Pereira de Queiroz Cattoni. fim de sua carreira como homem de negócios, os rendimentos do Barão de Paraúna provinham de juros e dividendos sobre a aplicação de capital. Ele não possuía terras e era dono de apenas três imóveis em Diamantina. Seu inventário, concluído no ano de 1898, registrou riqueza avaliada em 328:652$000, 78% dela composta por ações e letras firmadas por empresas (Inventário do Barão de Paraúna, 1.º Of., Maço 12B, 1898. BAT). A 10 de setembro de 1888, a casa comercial diamantinense Antônio Coelho de Araújo & Irmão informou ao público que possuía fazendas da Fábrica de Santa Bárbara para vender. No mesmo ano, em 6 de novembro, José da Silva Machado, negociante estabelecido na Rua de Teófilo Otoni, centro de Diamantina, anunciou que recebera grande partida de tecidos de algodão produzidos em Santa Bárbara, afiançando tanto a modicidade dos preços quanto a qualidade dos panos. Em 27 de julho de 1985, a firma Mota & Companhia, proprietária em Diamantina do “Grande Empório do Norte”, anunciou aos fregueses e amigos que recebera, há pouco, um completo sortimento de fazendas da Fábrica de Santa Bárbara, que atenderiam a todos os gostos a preços vantajosos (O Município, 27 de julho de 1895. BAT). Dez anos depois, a casa de João Dias de Andrade, situada no Largo do Barão de Guaicuí, anunciava comercializar panos da Fábrica de Santa Bárbara (A Idéa Nova, 15 de abril de 1906. BAT). Esta pequena amostra de reclames impressos nos jornais de Diamantina dá provas de que os algodões lisos e infestados da Companhia de Santa Bárbara tinham boa aceitação no mercado regional. O que significa que o slogan da Companhia, elaborado pelo próprio Conselheiro Mata Machado e referido à busca da qualidade – “A perfeição dos produtos será a primeira garantia da Fábrica” –, havia vingado. Visando, de um lado, garantir o abastecimento da povoação da Fábrica de Santa Bárbara e, de outro lado, criar canais de escoamento da produção da indústria, a Companhia firmou contrato com casas comerciais da região, especialmente da cidade de Diamantina. Assim, por exemplo, em 16 de setembro de 1903, a Companhia assinou com Antônio Augusto Machado e Antônio Eulálio & Companhia contrato que previa o direito desses últimos estabelecerem casa de comércio de gêneros da terra, fazendas, ferragens, molhados e outros artigos dentro da Povoação de Santa Bárbara, utilizando o armazém e o rancho de tropas pertencentes à Fábrica, livre de aluguéis. Durante a vigência do contrato, cujo prazo era de três anos, nenhuma outra pessoa poderia estabelecer casa de comércio dentro das terras da Companhia Santa Bárbara e as vendas a retalho dos tecidos da Fábrica passavam a ser exclusividade da sociedade de Antônio Eulálio e Antônio Augusto Machado. Exclusividade que abrangia também o fornecimento de gêneros ao recolhimento das operárias da Fábrica, de polvilho, carne verde e outras miudezas necessárias à Companhia têxtil. O contrato ainda especificava que os fornecimentos e as despesas dos empregados seriam pagos pela Santa Bárbara em tecidos, pelos preços correntes. Pelo direito de acesso privilegiado aos tecidos fabricados pela Companhia de Santa Bárbara, Antônio Eulálio e Antônio Augusto Machado pagaram a importância de 2:869$822 réis (equivalentes ao balanço do armazém da Fábrica no momento da assinatura do contrato) e destinaram à indústria 20% dos lucros líquidos verificados nos balanços anuais da sociedade Antônio Eulálio e Antônio Augusto Machado (Livro de Notas n. 25. 1.º Of., Maço 496, p. 168-169v. BAT). Acordos semelhantes foram realizados com comerciantes de outras cidades nortemineiras, com o objetivo de ampliar a venda a varejo dos panos de algodão fabricados pela Companhia de Santa Bárbara. Na Fábrica de Santa Bárbara, os operários foram submetidos a um regime de produção disciplinado por regulamento específico e detalhado, que previa prêmios, gratificações, fundo de beneficência para inválidos e velhos e até mesmo a co-participação dos trabalhadores nos lucros da empresa. Havia preocupação com o controle da “moralidade” dos operários e nítida preferência por quadro estável de trabalhadores, cuja convivência no distante sertão deveria tornar mais afinados. Todas essas determinações relativas ao pessoal da Fábrica ficaram bastante nítidas em 1894, quando o Conselheiro João da Mata Machado Júnior promoveu a reforma dos estatutos da Companhia. A inspiração das diretrizes assinaladas vinha da Encíclica Rerum novarum, do Papa Leão XIII (Companhia Santa Bárbara. Relatório aos srs. Acionistas e Credores, p. 13, maio de 1904. Acervo Pedro da Mata Machado. BAT). A Fábrica de tecidos dos Mata Machado não teve vida fácil. Sua trajetória foi pontuada por diversos problemas: dificuldade financeira, deficiente suprimento de água e de algodão, má qualidade do tecido, falta de mão-de-obra especializada. Esses problemas são descritos no Relatório apresentado aos acionistas e credores da Fábrica de Tecidos Santa Bárbara pelo seu diretor, Dr. Pedro da Mata Machado, em maio de 1904. Segundo o Diretor, as dificuldades financeiras da Companhia começaram em 1891, no clima agitado do Encilhamento, e teriam sido agravadas pela perda de seus mestres John Kirch e Thomas Moore, os quais foram substituídos por práticos, sem as necessárias habilitações técnicas. Desde então, a Fábrica teria entrado em período de franco declínio. Chegou até a sofrer paradas mais ou menos prolongadas, que se sucederam até o ano de 1900 (Relatório aos srs. Acionistas e Credores, p. 6-7). Dessa forma, no ano de 1900, estavam em operação apenas 40 teares, o capital para movimentar os serviços era insignificante e pesava, sobre a Fábrica, uma dívida hipotecária avultada. Por isso, a Companhia entrou em moratória de três anos, após acordo com o Banco Hipotecário do Brasil11. Para tentar honrar o acordo, gerando recursos com o aumento da produção de tecidos, o Dr. Pedro da Mata Machado contratou o mestre inglês James Winders. Este, ao custo de muito trabalho, conseguiu elevar para 65 o número de teares em operação, no ano de 1903. Contudo, os problemas de produção da Companhia continuaram, como mostra o relatório citado: “A linha produzida era de qualidade inferior, insuficiente e inconstante, não mantinha uniformemente o mesmo peso. Ocorriam perdas consideráveis de matéria-prima. Por isso, os filatórios produziam pequena quantidade de linha e grande quantidade de estopa. Como conseqüência, apenas uma das duas urdideiras da fábrica trabalhava o dia todo e os filatórios não davam para mais de quarenta teares” (idem, p. 10). Esta situação fazia com que a produção da Fábrica fosse insuficiente para fazer frente a suas despesas financeiras. Segundo Pedro da Mata Machado, um conjunto de dificuldades impedia a indústria de render o necessário. Os fatores que o Diretor listou foram os seguintes: a) captação deficiente de água, o que determinava, nos meses de estiagem (julho a novembro), a paralisação dos serviços por um terço do dia; b) falta de habilitação profissional do mestre de fiação, o que provocava o abandono de muitos teares que a Fábrica possuía e; c) dificuldades com o suprimento constante de algodão12, o que 11 - Eram dez prestações de empréstimo vencidas e não pagas. O acordo baseava-se na condição da Fábrica pagar as parcelas que fossem vencendo naquele prazo, no valor de 33:484$620, e teria que amortizar outros 76:320$488 (Relatório aos srs. Acionistas e Credores, p. 11-12). 12 - A Fábrica de Santa Bárbara recebia boa parte do algodão dos sertões da Bahia. As grandes secas de 1898 e 1899 paralisaram os trabalhos por muitos meses. No ano de 1898, a empresa foi obrigada a comprar, no Rio de Janeiro, uma partida de algodão avaliada em 60 contos de réis. obrigava, em várias ocasiões, operações onerosas de importação de algodão do Rio de Janeiro, via Rio das Velhas (idem, p. 8-9). Enredada nesse novelo inextrincável de problemas, que carregavam os traços da conjuntura mineira de atraso econômico numa época de rápida expansão do capitalismo, a Companhia de Santa Bárbara não poderia durar muito nas mãos dos Mata Machado. A empresa têxtil não superou os problemas financeiros que a afligiam desde a crise do Governo Campos Sales. Havia dívidas avultadas com o Banco Hipotecário do Brasil sem meios para quitação, o que levou ao cumprimento de carta precatória, expedida à Justiça da Comarca de Diamantina a requerimento do referido banco, em 4 de dezembro de 1903. Os bens da Companhia foram penhorados. Em 7 de maio de 1904, estes bens foram à praça, na capital federal, para honrar os pagamentos devidos ao banco. Por este ato, a Fábrica saiu do controle da família Mata Machado. Acabou encampada pelo Banco Hipotecário do Brasil. No ano de 1908, a indústria possuía 1744 fusos, 72 teares, força motriz de 150 cavalos e empregava 120 operários, produzindo anualmente um milhão de metros de tecidos13. Enfim, como as demais fábricas de tecidos de Curvelo, Sete Lagoas e Diamantina, a Companhia Santa Bárbara usava matéria-prima originária do Norte de Minas – região de Minas Nova e Sertão do São Francisco. Sua produção de panos de algodão estava orientada para mercados locais da porção centro-norte do território mineiro. O tamanho da unidade fabril era relativamente pequeno. O financiamento do empreendimento dependeu dos aportes de economias realizados por reduzidos grupos de parentes e amigos que viviam na região. Na força de trabalho da fábrica, predominaram crianças e mulheres14. A Companhia de Santa Bárbara resultou de um processo de empresariamento no âmbito da família Mata Machado, algo que ocorreu também em algumas outras famílias diamantinenses. A marcha real deste processo foi marcada pela presença de diversas racionalidades15. A preservação do envolvimento com a mineração de diamantes, baseada em processos de lavra mais rotineiros e em relações de trabalho tradicionais – mineração que alimentou o capital mercantil e supriu as indústrias, ainda que parcialmente. O acúmulo e a manutenção de propriedades urbanas e de títulos da Dívida Pública, o que permitia o aval para a obtenção de crédito e a preservação da própria unidade familiar como centro de articulação dos interesses econômicos. O efetivo ingresso no setor produtivo industrial, destacando-se a opção pelo ramo têxtil e pela lapidação, que abriam possibilidades de aproveitamento de matérias-primas regionais. O emprego de recursos tecnológicos disponíveis no país na época, para a operação dos empreendimentos industriais. A utilização moderna do crédito – fornecido por bancos sediados no Rio de Janeiro e em Juiz de Fora – para fins industriais, fazendo as empresas “cavalgarem sobre suas dívidas”. E, como insistia o Conselheiro João da Mata Machado Júnior, o zelo com a “moralidade” sob a qual deveriam ser organizadas as firmas; responsabilidade moral que era vista como ativo fundamental para os negócios, cuja origem repousaria nas condutas ilibadas, competentes e voltadas para o progresso do país dos sócios e administradores, porque seria o instrumento para construir as redes de 13 - Conforme JACOB, Rodolpho. Minas Geraes no XX.º século. Rio de Janeiro: Gomes, Irmão & Cia., 1911. Vol. 1, p. 271-274. 14 - Ver a respeito OLIVEIRA, Maria Teresa Ribeiro de. Indústria têxtil mineira do século XIX. In: SILVA, Sérgio e SZMRECSÁNYI, Tamás (orgs.). História econômica da Primeira República. 2. ed. São Paulo: Hucitec/Edusp/Imprensa Oficial, 2002. 15 - Sobre as origens sociais e econômicas dos empresários pioneiros de Minas Gerais, ver BIRCHAL, Sérgio de Oliveira. O empresário brasileiro: um estudo comparativo. Revista de Economia Política, v. 18, n. 3 (71), jul.-set. 1998, p. 16-37. relações no Rio de Janeiro e em Minas Gerais necessárias ao bom desdobramento das atividades empresariais. O moderno e o tradicional, o impessoal e o familiar, o racional e o afetivo, o industrial e o mercantil mesclaram-se na conduta empresarial dos Mata Machado, numa época de transição para a economia e a sociedade brasileiras. Os reveses representados pela perda das empresas abertas pelos irmãos Mata Machado – aliás, algo que aconteceu de modo semelhante com os Felício dos Santos –, trouxeram mais do que o empobrecimento pessoal desses homens. É claro que o Conselheiro João da Mata Machado, o comerciante Augusto da Mata Machado, o Dr. Álvaro da Mata Machado e o Dr. Pedro da Mata Machado exauriram suas fortunas para pagar os compromissos das empresas mal-sucedidas. Ficaram endividados, vivendo o resto de suas vidas com os proventos obtidos no exercício de suas profissões liberais. Tomaram um empréstimo aqui e outro ali para manterem os nomes limpos na praça, como mostra esse registro de 10 de julho de 1897: “Escritura de dívida e hipoteca que faz o Doutor Álvaro da Mata Machado de uma casa de sobrado sita à rua de Tiradentes nesta cidade a Cosme Alves do Couto, para segurança e garantia da quantia de três contos de réis, a juros de 8% ao ano, e pelo prazo de um ano” Livro de Notas n. 46, 2.º Of., Maço 161, p. 1-1v. BAT). Mais importante, contudo, foi o efeito que esses reveses produziram sobre os homens de negócio da cidade de Diamantina e sua vasta área de influência. Efeito paralisador, na medida em que o insucesso desses pioneiros favoreceu a inércia da maioria dos homens de negócio locais, acostumados ao modo tradicional de fazer as coisas, reforçando o apego ao garimpo e ao comércio baseado numa rede pulverizada de pequenos estabelecimentos diversos. Para a maioria dos agentes econômicos da região, o fim inglório da Fábrica de Santa Bárbara e da Companhia Indústria e Comércio do Norte de Minas foi interpretado como argumento de que a “riqueza antiga” – acumulada na forma de terras de cultura e de pastagem, lotes diamantinos, casas de comércio e estoques de mercadorias, dinheiro sonante e dívidas de terceiros – era mais condizente com as “vocações” da região e, por isso mesmo, mais natural e segura16. Por conseguinte, os capitais do Norte, que já não eram tão abundantes, fugiram das aplicações novas, das combinações que rompem com o “fluxo circular” da economia, de modo que Diamantina experimentou apenas um breve surto industrial alimentado pela ousadia dos Mata Machado, dos Felício dos Santos, dos Neves, dos Alves e dos Mota, nomes de empreendedores exaltados num discurso pronunciado pelo Dr. Pedro da Mata Machado em 6 de março de 1938, nas comemorações dos cem anos da cidade (Voz de Diamantina, 6 de março de 1938, p. 3. BAT). A intensa atividade empresarial dos Mata Machado, ainda que infrutífera no longo prazo, é algo que aponta contra a tese, predominante nos anos 1950 a 1970 de que a burguesia brasileira sempre fora frágil e passiva, além de caracterizada pela estreiteza de seu universo ideológico17. Pedro da Mata Machado e o desenvolvimento regional A experiência adquirida pela família Mata Machado com empreendimentos agrícolas, de navegação fluvial, curtumes e produção de charque, indústria vinícola e 16 - Para discussão mais detalhada da questão, ver MARTINS, Marcos Lobato. Os negócios do diamante e os homens de fortuna na praça de Diamantina, MG: 1870-1930. São Paulo: FFLCH-USP, 2004. (Tese de doutorado) 17 - Conforme, por exemplo, CARDOSO, Fernando Henrique. Empresário industrial e desenvolvimento econômico. São Paulo: Difel, 1964, e DINIZ, Eli. Empresário, Estado e capitalismo no Brasil, 1930-1945. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. fábrica de tecidos possibilitou o delineamento de um projeto para o desenvolvimento regional. Com evidente inspiração nas idéias do Conselheiro João da Mata Machado, anteriormente mencionadas, o principal formulador desta proposta foi o Dr. Pedro da Mata Machado, o mais novo dos irmãos. As linhas mestras do projeto foram lançadas na carta distribuída aos eleitores do 6o Distrito de Minas Gerais, em outubro de 1894 (O Dr. Pedro da Mata Machado ao corpo eleitoral do 6o Distrito de Minas Gerais. Diamantina: Oficinas Tipográficas da Cidade Diamantina, 1894. BAT). Neste documento, cuja redação terminou no dia 15 de agosto de 1894, na Fazenda de São João da Mata, ao lado da Fábrica de Tecidos de Santa Bárbara, o então candidato ao Senado estadual elencou as prioridades que norteariam sua ação política: educação profissional, acesso facilitado ao crédito, imigração, transporte ferroviário e agilização da Justiça. No campo da educação escolar, Pedro da Mata Machado pleiteava o fortalecimento do ensino primário e a criação de uma rede de escolas profissionais, que difundiriam os “métodos científicos da agricultura e da criação”. Estes institutos profissionais e técnicos facilitariam o aproveitamento das imensas riquezas naturais do Norte de Minas. Conforme as palavras do senador estadual: “A nossa instrução pública exige (...) reforma completa, a começar pelas escolas primárias que reclamam pessoal escolhido, competente, severamente fiscalizado e mais bem remunerado. Completando os cursos elementares e para que correspondam seus intuitos sociais, é de absoluta necessidade que se estabeleçam escolas profissionais, onde façam aprendizagem os filhos do povo que se destinam à grande e nobre classe dos trabalhadores de artes e ofícios” (O Dr. Pedro da Mata Machado ao corpo eleitoral..., p. 5-7). Mas a educação dos filhos do povo sem o crédito para modernizar as pequenas propriedades rurais e oficinas de nada adiantaria. Para enfrentar o problema da falta de crédito, que impedia o crescimento dos agricultores e pecuaristas, Pedro da Mata Machado sugeria “a criação de pequenos bancos que facilitem o crédito e a aquisição de instrumentos indispensáveis à lavoura” (idem, p. 7-8). Propunha ainda, para acelerar a modernização da agropecuária regional, a “urgente e indispensável promoção da imigração facilitada pelo Estado” (idem, p. 8). Os meios de transporte também teriam que ser melhorados no Norte de Minas, porque a falta deles obrigava os produtores a conterem, praticamente no nível da simples subsistência, a produção de suas fazendas, fato que desestimulava o avanço industrial. Por isso, conforme Pedro da Mata Machado, era imperioso investir no desenvolvimento da viação férrea e fluvial. Por fim, a economia regional necessitava da agilização da Justiça, porque os negócios não poderiam prosperar num ambiente em que as pendências só são resolvidas a muito longo prazo. O futuro senador comprometia-se a lutar pela criação de novas Relações (tribunais de segunda instância) no Norte e no Sul do estado, ao escrever: “Constituindo a importantíssima e vasta região norte-mineira um verdadeiro Estado, ressente-se da falta de um tribunal de segunda instância, onde mais expeditamente se decidam seus pleitos judiciários (...). A própria enormidade do trabalho acumulado sobre os juízes de segunda instância, está mostrando a necessidade material da criação de novas Relações” (idem, p. 8). O programa do Dr. Pedro da Mata Machado, exposto nos jornais A Idea nova e Cidade de Diamantina, era francamente agrarista, voltado para a modernização dos setores primários da economia e para a agroindústria. Por outro lado, o programa criticava abertamente a industrialização brasileira. Os revezes sofridos pela família Mata Machado, em seguida ao chamado Encilhamento, levaram Pedro da Mata Machado a pensar que a República repetia o erro do Império, ao prosseguir “na cópia servil das brilhantes civilizações industriais”. Segundo o parlamentar diamantinense, a República agravava os problemas econômicos e sociais brasileiros ao procurar: “criar, por meio de tarifas proibitivas, a nação industrial. O protecionismo que copiamos, hipertrofiando-o, teve êxito relativo na América do Norte e em algumas nações da Europa porque esses países reuniam condições do estádio industrial – densidade de população, acúmulo de capitais, abundância de matéria-prima, facilidade de transporte, largo consumo – e possuíam já uma indústria própria. A esse organismo, naturalmente criado, foi que a tarifa procurou beneficiar. Esta não faz o milagre de transformar uma nação agrícola em industrial, mas tem o funestíssimo poder de obstar o surto natural da agricultura e de aniquilar as indústrias legítimas, coetâneas do período agrícola. Absorvendo grandes capitais e impondo enormes sacrifícios ao consumidor, as indústrias fictícias elevam artificialmente os salários e os capitais circulantes, e desviam os recursos destinados à lavoura, à pecuária, à fiação e tecelagem e indústrias congêneres que desabrocham com a agricultura” (Civilização artificial, obra dedicada ao Ex. Sr. Dr. Wenceslau Braz. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1914. p. 6-7. BAT). As idéias do Dr. Pedro da Mata Machado relativas à promoção do desenvolvimento regional eram afinadas com as diretrizes produzidas pelo Congresso Agrícola, Industrial e Comercial de 1904, comandado por João Pinheiro da Silva, de quem o político diamantinense era afilhado. Como sabemos, a ênfase na diversificação e modernização da agropecuária mineira foi o centro da ação governamental nas primeiras décadas do século XX (DULCI, 1999). É bom salientar que o Dr. Pedro da Mata Machado procurou, tanto na política local quanto na estadual, viabilizar as idéias agraristas e liberais que defendia. Assim, o senador apresentou projeto sobre o ensino gratuito da agricultura racional na sessão de 6 de setembro de 1910, no Senado Mineiro. Como Agente Executivo Municipal, Pedro da Mata Machado apresentou, em 11 de agosto de 1892, projeto para a instalação de serviços de água potável, esgoto, iluminação elétrica na cidade e de uma colônia de nacionais (“em que seriam “de preferência localizados e convenientemente aproveitados em serviços de lavoura crianças e mulheres aptas para o trabalho”), prevendo a garantia de juros de 7% sobre o capital de 200 contos de réis da empresa que se organizar para tal fim (Câmara Municipal de Diamantina. Artigos publicados na imprensa periódica desta cidade pelo presidente da Câmara e agente executivo resignatário Dr. Pedro da Mata Machado. Diamantina: Oficinas da Cidade de Diamantina, maio de 1893. BAT). Nas justificativas deste mesmo projeto, o Dr. Pedro da Mata Machado escreveu que a Câmara possuía “dois únicos serviços que ficam diretamente a seu cargo – a instrução pública, criando, primeiramente, uma escola de aprendizagem profissional, e a viação vicinal – dotando o município de uma rede completa de estradas” (idem, p. 8). Este projeto de lei municipal formulado pelo Dr. Pedro da Mata Machado dá ensejo para se dizer uma ou duas palavras sobre as crenças liberais do político e industrial diamantinenses. Ele escreveu que o Brasil era país no qual praticamente tudo girava em torno do governo. O Estado pairava acima da sociedade, subordinando-a, a ponto da política determinar inteiramente os rumos da economia e da vida particular dos brasileiros. Segundo Pedro da Mata Machado, o pior mal brasileiro era justamente este, o de ser um país de formação “comunitarista”. Conforme suas palavras: “Entre os povos de formação ‘comunitarista’ o governo é tudo, porque é absoluta a preponderância da vida pública sobre a vida particular. O governo é o regulador supremo desta; dele depende a economia íntima do cidadão. A mudança no governo é a reviravolta completa no destino; é a clientela que foge, são os amigos que debandam, é o vácuo, a solidão, o abandono (...). Bem diversa é a situação entre os povos de formação ‘particularista’ (...). A mudança de governo não é para eles uma questão de vida e morte. Fortes na sua iniciativa, aptos para vencerem as dificuldades da vida. Só contando com o esforço próprio para criar sua independência, a política lhes é meio para obterem bons governos e não fim que, uma vez atingido, dá posição, relativo sossego e bem estar ao feliz, sua prole, parentes, correligionários e amigos” (Ensino gratuito da agricultura racional. Discurso e projeto. Sessão do Senado Mineiro, 6 de setembro de 1910. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1910. p. 3-5. BAT). Eis o cerne do liberalismo de Pedro da Mata Machado, homem que lutou a vida inteira para promover a mudança da formação nacional, de “comunitarista” para “particularista”. É contra esse pano de fundo ideológico que se pode entender a contenda entre ele e o Dr. Alexandre da Silva Maya, Agente Executivo Municipal de Diamantina que, no ano de 1895, determinou normas para o funcionamento do Mercado Municipal. Entre estas normas, figurava a obrigação de que todos os tropeiros descarregassem exclusivamente no recinto do Mercado e que a venda dos gêneros por atacado ocorresse somente depois de findo o prazo de 24 horas de exposição das mercadorias para a venda a varejo (O Município, 6 de julho de 1895, p. 3-4. BAT). Pedro da Mata Machado, que era proprietário de uma intendência nas cercanias da cidade, taxou de ilegal e contrária à economia popular a decisão de Silva Maya. Seguiu-se acesa controvérsia pelos jornais, com acusações de parte a parte, que se arrastou por semanas. No fim, prevaleceu a decisão de Silva Maya. Desgostoso, Pedro da Mata Machado retirou-se da política municipal. Tanto a trajetória empresarial quanto a carreira política dos irmãos Mata Machado foram devotadas à construção de uma sociedade liberal, dotada de agricultura diversificada e “indústrias naturais”, bem servida por transportes, crédito agrícola e ensino profissional, definitivamente desvencilhada dos privilégios aristocráticos que marcaram o passado escravista. Eles ansiaram a inovação, cultuaram a figura do self made man e preconizaram a modernização de Diamantina e do Norte de Minas. Considerações finais A rica experiência no campo dos negócios, o pioneirismo industrial, a atuação política e a reflexão bem informada sobre a realidade mineira e nacional transformaram os irmãos Mata Machado em ícones diamantinenses. Líderes em torno dos quais alguns homens de negócio agruparam-se, desejosos de trabalhar pela modernização norte-mineira. Os Mata Machado foram politicamente comedidos, embora criticassem a “alienação” dos políticos brasileiros. Enfatizaram a modernização da agropecuária e o ensino agrícola profissional. Consideraram bem-vindo o influxo de imigrantes, que enxergavam como elementos necessários para, com o passar do tempo, construir no país uma sociedade livre de pequenos e médios produtores rurais, operosos, criativos e eficientes. Para Pedro da Mata Machado, no plano político o Brasil deveria adotar para valer as fórmulas liberais, competindo ao Estado principalmente estimular a iniciativa privada, sob a forma de garantia de juros a empresas particulares ou pelo levantamento de empréstimos que permitissem alavancar a ação dos homens de negócio. Ao fundarem negócios “modernos”, aproveitando a oportunidade de abertura de um novo mercado ou de introdução de um novo método de produção, os Mata Machado perceberam que os seus destinos estavam umbilicalmente ligados aos destinos do país. Suas empresas cresceriam dependendo das condições institucionais para o florescimento de seus negócios. Esta percepção tornou-os empresários com visão pública, que procuraram participar intensamente da montagem de um aparato institucional moderno em Minas Gerais e no Brasil. Para isso, os Mata Machado se lançaram na política e experimentaram as dificuldades das eleições e das contendas partidárias na virada do século XIX para o século XX. Nas tribunas, eles falaram sobre as dificuldades enfrentadas pelo Norte de Minas e defenderam a combinação da lavoura e da indústria, a melhoria do sistema viário (enfatizando a navegação a vapor e as estradas de ferro), a educação profissional agrícola da juventude e “interiorização” dos investimentos de capitais, que julgavam prejudicialmente concentrados nos grandes centros comerciais do país. Por meio das tribunas e do exercício de funções públicas, os Mata Machado também buscaram construir relacionamentos apropriados, capazes de favorecer seus negócios (seja na mobilização de capitais e crédito, seja na obtenção de licenças, concessões e benefícios governamentais) e de torná-los “mais acreditados”. Política e negócios foram, para os Mata Machado de Diamantina, na virada do século XIX para o século XX, terrenos para percorrer com paixão e ousadia. Anexo Traços biográficos dos irmãos Mata Machado A seguir, são apresentadas pequenas biografias dos Drs. João da Mata Machado Júnior, Álvaro e Pedro da Mata Machado, construídas com base nas seguintes fontes: a) COUTO, Soter Ramos. Vultos e fatos de Diamantina; b) MONTEIRO, Norma Góes. Dicionário biográfico de Minas Gerais: período republicano; c) MACHADO, Pedro da Mata. Traços biográficos do Dr. João da Mata Machado. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1928 (disponível na BAT). Conselheiro João da Mata Machado Jr. João da Mata Machado Júnior nasceu em Diamantina a 14 de novembro de 1850, filho do comerciante de diamantes João da Mata Machado e de Amélia Senhorinha Caldeira da Mata. Faleceu em 6 de fevereiro de 1901, na cidade de Belo Horizonte. Aos 14 anos foi para o Rio de Janeiro, onde estudou no Colégio Santo Antônio e, depois, na Faculdade de Medicina, formando-se em 1874. De sua geração acadêmica fizeram parte Joaquim Murtinho, Lopes Trovão, Ramiro Barcelos, Miranda Azevedo, José Costa Sena e Moreira Pinto. Casou-se com Luiza Bessa, filha do abastado capitalista Comendador Manoel José de Bessa. Em seguida, mudou-se para Diamantina, fundando sua clínica e tornando-se provedor do Hospital Santa Isabel. Foi presidente da Câmara Municipal, sucessivamente reeleito. Em 1878, elegeu-se deputado provincial. Em 1882, foi eleito deputado e tornou-se Primeiro Secretário da Assembléia Nacional. Aos 33 anos, tornou-se ministro do Gabinete Dantas. Reeleito deputado na eleição presidida pelo Visconde de Ouro Preto, não tomou posse por causa da proclamação da República. Abandonou temporariamente a política. Retornou como deputado constituinte, acabando como Secretário do Congresso. Colocou-se contra o Marechal Floriano Peixoto, que havia deposto os governadores e se recusava convocar eleição presidencial. Por isso, em 10 de abril de 1893 foi levado à presença do Chefe de Polícia do Rio e, em seguida, detido por quatro meses na Fortaleza de São João, sendo libertado pela anistia. Reelegeu-se para a Câmara Federal em 1894, mantendo-se na oposição, e, encerrada a Legislatura, retornou para Minas Gerais. A partir de 1898, dedicou-se a escrever um plano completo de viação do norte do estado, mostrando as riquezas da região e os meios para fazê-la progredir. No campo empresarial, foi um dos pioneiros da indústria de lapidação em Diamantina e o principal nome na criação da Fábrica de Tecidos de Santa Bárbara. Dr. Álvaro da Mata Machado Nasceu em Diamantina em 18 de agosto de 1853 e faleceu em 7 de agosto de 1925, na cidade de Belo Horizonte. Estudou no Seminário de Diamantina e depois foi para o Rio de Janeiro, onde se formou em medicina no ano de 1880. Voltou para Diamantina, abriu consultório médico e angariou fama como clínico. Foi eleito vereador e, logo depois, deputado provincial. A 25 de fevereiro de 1891, foi eleito senador à Constituinte Mineira. Foi senador federal em 1894 e deputado em 1909. Como jornalista, fundou os jornais Cidade de Diamantina e 17.º Distrito. Organizou a Companhia Indústria e Comércio do Norte de Minas. Retirou-se da política em 1910. Desiludido e pobre, aceitou a nomeação de Diretor dos Correios. Dr. Pedro da Mata Machado Nasceu em Diamantina a 29 de janeiro de 1865 e faleceu em 16 de junho de 1944, na cidade de Belo Horizonte. Formou-se em Direito na Faculdade de Direito de São Paulo em 1889. Foi Presidente da Intendência Municipal e Promotor de Justiça em Diamantina. Presidiu a primeira Câmara Municipal Republicana e, de 1889 a 1893, foi Agente Executivo Municipal. Foi deputado federal no período 1914 a 1920 (governos Bueno Brandão e Artur Bernardes) e senador estadual durante doze anos consecutivos, eleito pela primeira vez no governo João Pinheiro, de quem fora protegido político. Elegeu-se deputado à Assembléia Constituinte de 1933 e deputado federal em 1934-37. Foi membro do Conselho Consultivo do Estado de Minas Gerais no governo Olegário Maciel. Abandonou a política por causa do Golpe do Estado Novo, dedicando-se exclusivamente à Cátedra de Direito Romano na Faculdade de Direito de Belo Horizonte. No campo empresarial, foi diretor da Companhia de Santa de Bárbara no período entre 9 de julho de 1900 a 7 de maio de 1904.