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11-09-2012 18:20

            O Parentinho. – Augusto Teixeira Gente, por alcunha O Parentinho, por tratar todo mundo de parente, era nessa época um velho branco, quase completamente calvo, de grande nariz, sempre vestido de preto, de pernas esguias e um pouco tortas.

            Gastronômo e apreciador de bebidas, apesar de não ser ebrio, era figura infalível em todos os banquetes e festas. Contava inúmeras anedotas dos velhos tempos em Diamantina. Sabia de cór uma infinidade de sonetos e poesias, que recitava nas reuniões familiares, muito compenetrado.

            Nunca se dedicara á profissão alguma, e apesar de pobre, andava regularmente vestido, não parecendo sofrer necessidades. Situação misteriosa que só vi em Diamantina, nessa época  e em mais nenhuma das outras cidades onde tenho residido. Certos indivíduos e chefes de famílias, pobres, sem recursos, sem profissão conhecida, honestos, entretanto, e tranquilos, alimentados, vestidos e calçados e, ... sem dívidas.

            O Parentinho residia celibatario em companhia de uma velha irmãm solteirona tambe´m numa humilde casinha , á rua Direita. Desde longos anos, na data natalícia do Parentinho, a velha irmã lhe dava de presente uma antiga moeda de ouro portuguesa, a qual voltava ás mãos da mana, no aniversário desta, como presente do irmão. E assim, alternadamente, a moeda, ora pertencia a um ora a outro.

            O Parentinho faleceu em 1908 em Diamantina.

            Domingos D’Ascenzo  - em 1893, apareceu em Diamantina esse italiano, que contava então vinte e tantos anos de idade, e ali montou uma barbearia com relativo conforto, máquina de cortar cabelo, loções, perfumaria e pós de arroz , a primeira barbearia que se abriu naquela cidade, onde até então só havia quatro ou cinco cabelereiro e barbeiros ambulantes (o Ubaldo Soares, o Bambães e outros), dispondo apenas de navalhas , amoliador, tesouras, pincel, sabão e da baciinha.

            Em breve, porém, se descobriu em Diamantina que o italiano recém-chegado era um detraqué perigoso, que, em Ouro Preto, já navalhara o pescoço de um frequês, descoberta que nada diminuiu sua frequesia, pois era habilíssimo barbeiro, o único decente daquela cidade, apesar de tão calmo e demorado que, muitas vezes, interrompia, por dez minutos, o corte do cabelo de um frequês, para beber tranquilamente seu café com leite, na própria barbearia.

            Certa ocasião, um negociante estava sendo barbeado pelo Domingos, quando viu pelo espelhoo italiano fazer horríveis caretas. Apavorado (el pour cause...) o freguês levantou-se da cadeira e saiu correndo pela rua, tapando com um lenço a metade barbeada no rosto.

            Em outra ocasião, pela manhã, ao passar em frente a sua porta, uma jovem, de uniforme azul, em direção á Escola Normal, o Domingos correu para ela, abraçou-a e beijou-a, caindo ambos ao chão, entre gritos estridentes da moça.

            Ao trilhar dos apitos, (no primeiro momento pensou-se que o italiano apunhalara a jovem), o Domingos saiu correndo e fechou-se em sua loja de barbeiro, a cuja porta se reuniram populares indignados em atitude ameaçadora.

            Chegando o delegado de polícia, intimou-o a abrir a porta, aparecendo então o criminoso, vestido de sobre-casaca preta. A receber a voz de prisão, disse á autoridade:

  • Estou pronto a casar com a moça!

Este escândalo fora provocado pela perfidia de alguns rapazes. Andando o Domingos desorientado para casar-se com qualquer moça e sendo justamente repelido por todas, alguns rapazes perfidamente lhe insinuaram que, se ele beijasse uma jovem, seria logo obrigado pela polícia a casar-se com ela.

Apesar desse e de outros atos de manifesto desequilibrio mental, o barbeiro continuou com sua numerosa frequesia.

            Últimamente andava o Domingos a tentar empréstimos no comércio local, para introduzir em Diamantina duas futurosas indústrias, dizia ele:  a criação de camarões e a captura de onças para vendê-las vivas ou extrair-lhes as peles. E assim explicava os seus projetos .

- Farei construir um grande tanque com água salgada e mandarei buscar no Rio, em latas de querozene, camarões vivos, para reprodução e venda em Diamantina. Quanto ás onças, a caçada é fácil. Dirijo-me á serra de Itaipaba, onde há muitas . Ponho, como isca um pedaço de carne, debaixo de uma árvore ou de um rochedo e trepo lá em cima, á espera. Quando chegar a onça para comer a carne, eu dou um grito; ela olha para cima lanço-lhe nos olhos um punhado de pó da Pérsia; a fera fica tonta, eu monto em cima dela e venho assim até Diamantina.

Deste modo eu tenho certeza de pegar muitas onças vivas , venderei algumas para os circos de cavalnhos ou jardins zoológicos, e de outras tirarei as peles, que no Rio se vendem a bons preços.

            O Domingos d’Ascenzo fabricava vinhos e cervejas (que encontravam consumidores!), um remédio sobernao para dor de cabeça, unhas encravadas e espinhas (!); fazia retratos com cabelos e metia-se a concertar relógios, que ás vezes, entregava aos fregueses mais zangados do que os recebera.

Tentou aprender a tocar clarineta, incomodando os vizinhos com as notas estridentes e desafinadas do instrumento; mas teve de abandonar a pretenção, por causa das vaias da garotada. Apesar de italiano não tinha veia para a música.

Bambães – Era um mulato escuro, muito alegre, excelente músico e barbeiro ambulante, o Bernardino Vieira Couto, vulgo Bambães. Tratava a todos de “meu belo” e repetia a cada moento a sua expressão predileta: “Bate as caixinhas de baombalão!”.

            Pauperrimo, com grande família a sustentar, o seu ideal era a construção de uma capela em frente ao cruzeiro do bairro do Rio Grande, onde residia. Para angariar donativos, percorria as ruas, com um sino sobre um andor, carregado por meninos, acompanhado pela garotada, a cantar uns versos de sua composição.

                                                 

                                                                                                   

                                                                        Acervo Zé da Sé.  Capela dos Bambães - Diamantina-MG

Lutando com inúmeras dificuldades, conseguiu apenas levantar as paredes e construir o telhado da futura igrejinha, que nunca foi concluída, sendo afinal. Derrubado o edíficio, vinte e sete anos após sua morte.

Bernardino Veira Couto faleceu em 1905. Pobre Bambães! Já velho baixou ao túmulo, sem ver realizado o ardente ideal de sua mocidade!

O Laport – José da Cunha Vale Laport foi o meu professor de desenho e caligrafia, na Escola Normal de Diamantina, em 1894.

            Era um sujeito baixo, moreno, de cabelos negros e aneliados, quase sempre trajado de sobre-casaca escura. Tinha o pescoço cheio de manchas avermelhadas.

Admirável era  sua caligrafia, letra lindíssima que parecia talhada de aço; habilíssimo no desenho e na pintura, deixou vários bons retratos de pessoas da época . Estou convencido que se vivesse em centro mais adiantado e tivesse tido educação artística, tornar-se um dos grandes pintores brasileiros.

O bom Laport era de uma paciência infinita para com seus alunos, que muito o estimavam.

Mundinho Botija – Raimundo Nonato da Silva, não se melindrava com este apelido, como aliás o seu pai, João Nepomuceno da Silva, por alcunha João Botija.

O Mundinho era moreno, magro de pequena estatura. Muitíssimo inteligente era também dotado de memória prodigiosa, principalmente para datas.

Na redação da “Idéa Nova” , semanário que que ele foi gerente por algum tempo.

            Em um dia do mês de agosto de 1885, ás nove horas da noite, noite fria e escura, rapidamente toda a atmosfera se iluminou, ficando quase tão clara como o dia; ouvia-se ao alto um ruído como de cachoeira: chuáááááá. Pelo céu passava um enorme aerolito luminoso, em chamas, o qual pouco depois desapareceu no horizonte, com um estrondo que fez tremer a terra. A noite escureceu de novo e o povo aterrado pensava que era o fim do mundo.

A passagem do colossal meteórito causou com efeito grande sensação em Diamantina, conforme várias vezes ouvi do meu pai.

Quando a companhia Boldrini se retirou de Diamantina em 1888, levava de lucro líquido trinta e tantos contos de réis... Nesse mesmo ano de 1888, faleceu de febre tipóide, na chácara dos Coqueiros , á rua da Romana, o jovem e esperançoso médico baiano, o Dr. Carlos Leite...

O Dr. Berenguer ( Bento Bittencont, Berenguer César), Juiz Muncipal de Diamantina, suicidou-se, com um tiro na cabeça, em sua residência, á rua da Glória , em tal , de tal mês do ano de 1891.

Mundinho Botija era uma uma crônica viva dos fatos sucedidos em Diamantina desde sua infância, relembrando-os com todas as minudências.

Zeca Bento – o cantor popular de muletas, pois tinha uma perna amputada, publicava nos jornais modinhas, lundús e paródias, que depois reuniu um livro.

Lulu Vidinha – o exímio tocador de violão.

O Cláudio – ( Caludio Augusto Ribeiro de Almeida), paralítico das pernas, agente do correio. Gerente do semanário “Cidade de Diamantina”, saía á rua, ora a cavalo, ora carregado como uma criança pelo Juca Cláudio, inteligente, operoso, alegre, amável, serviçal, dedicava-se á música sacra, cantando nas igrejas; era primo ou sobrinho do célebre diamantinense Domingos José de Almeida, que tão brilhante missão desempenhou no Rio Grande do Sul. O Cláudio faleceu em fevereiro de 1896.

Detalonde – (Agostinho Detalonde Lopes). Alto, espigado, inquieto, movimentando sempre. Inteligente, muito dado á leitura de livros históricos e socialistas, gostava de escrever nos jornais. Fazia como ourives, trabalhos de côco e ouro, indústria que em que fora exímio o seu pai, o Ezequias Lopes, e, posteriormente, um discípulo deste, o Antônio de Pádua Oliveira.

ARNO Ciro. Voz de Diamantina, A Metrópole do Norte, XXXVI.