Estrada de ferro - Diamantina-MG

25-07-2015 21:53

EFVM surge para a integração de um país agrícola e ajuda a definir o que é o Quadrilátero Ferrífero e o vale do Rio Doce

Inauguração Stockon-Darlington, John Dobbin, 1825

Inauguração da Ferrovia Stockon-Darlington, na Inglaterra. (Pintura de John Dobbin, 1825)

A implantação no Brasil de um sistema ferroviário foi fruto da insistência e da persistência de diversos políticos e empresários. Ainda no ano de 1835, uma década depois de inaugurada a primeira ferrovia no mundo – a inglesa Stockton-Darlington –, o regente do Brasil, Padre Feijó, assinou uma lei concedendo privilégios a quem quisesse construir uma linha férrea ligando o Rio de Janeiro a outras capitais de província. Os críticos do religioso-político viam aquilo como uma loucura. Quando se poderia imaginar um empreendimento daqueles em um país ainda inexplorado, recém independente e atrasado tecnologicamente?

Visconde de Mauá. Litografia de Sisson, 1858.

Barão de Mauá, um dos pioneiros na construção de ferrovias no Brasil. (Litografia de Sisson, 1858)

Somente em 1854 os trilhos da malha viária brasileira começaram a ser colocados. Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, inaugurou uma linha férrea de 14 km que ligava a Baía da Guanabara ao pé da Serra de Petrópolis, no Rio de Janeiro. As estradas de ferro iam surgindo – timidamente – no território brasileiro. A maior parte delas servia para escoar café para os portos e retornar, para o interior das províncias, com mercadorias importadas.

A fixação dos bandeirantes no território em volta das minas de ouro do Ribeirão do Carmo e de Vila Rica, no século 18, fez nascer ali um povo ensimesmado. As montanhas que circundavam as jazidas cercavam a população que ali chegava. A província criada – a das Minas Gerais – não tinha saída para o mar. A decadência do ouro jogou a economia do estado montanhês no ostracismo. Parecia eterna a vocação de olhar para o próprio território. E lamentar.

Mas a novidade que as ferrovias traziam aos mineiros era a da possibilidade de ligação com os portos. Em meados dos anos 1860, surgiram os primeiros estudos para ligar Minas Gerais ao litoral por estradas de ferro. Vislumbrava-se que os trens poderiam enfim escoar a produção agrícola do território, alcançar os mares, ver de novo bons tempos.

Vitória a Diamantina
Com a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, o governo provisório passou a adotar medidas para o incentivo à criação de ferrovias. A Leopoldina Railway já ligava a Zona da Mata mineira ao Rio de Janeiro. Outra frente – a Central do Brasil – pretendia conectar a capital fluminense a Ouro Preto. Restava um projeto que fizesse com que os produtos agrícolas alcançassem outro importante porto: o de Vitória.

Em 1901, empresários mineiros e capixabas registraram um audacioso projeto: a Companhia Estrada de Ferro Vitória a Minas. Uma ferrovia que ligaria Vitória a Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, e outra que seguiria de Diamantina a Araxá, no Alto Paranaíba. Seriam mais de mil quilômetros de trilhos de ferro. O objetivo era escoar a produção agrícola das regiões e promover a colonização e integração do território.

Foto do Eng. Dr. Pedro Nolasco Pereira da Cunha

Pedro Nolasco Pereira da Cunha (Foto disponível em: https://goo.gl/MDvuJ)

Em 1903, a primeira parte dessa ferrovia começou a ser construída. O engenheiro Pedro Nolasco era o responsável pela obra que tinha o seguinte trajeto: Vitória a Colatina, no Espírito Santo; Colatina a Figueira (atual Governador Valadares), pela margem esquerda do Rio Doce; Figueira a Diamantina, pelas margens do Rio Santo Antônio.

As obras se iniciaram e os primeiros percalços também. A região era pantanosa, pouco habitada e oferecia muitos riscos à saúde dos trabalhadores, como a malária e outras doenças endêmicas. O engenheiro Ceciliano Abel de Almeida, responsável por um trecho da obra, sugere no livro O Desbravamento Das Selvas Do Rio Doce: “Contai, meus senhores, os dormentes deste trecho de estrada que se inaugura hoje e ficai certos de que o número que encontrardes será superado pelo dos trabalhadores enterrados no limiar de suas barrancas miseráveis”.

a primeira locomotiva

A primeira locomotiva da EFVM, 1910 (Foto disponível em: https://goo.gl/lwv1B)

As viagens se iniciaram em 1904 e à medida que as novas estações eram abertas, mais a ferrovia penetrava no território capixaba. Além de passageiros, a ferrovia levava produtos agrícolas e madeira do norte do estado ao litoral. Segundo o administrador Ubiratan Correa Ribeiro, em sua dissertação de mestrado, a EFVM cumpria “sua finalidade inicial, que a caracterizou neste período – estrada de penetração – escoando a produção agro-pastoril e madeireira da região norte do ES para um porto de mar, tornando-se o motivo vital do progresso desta zona, graças ao qual conseguiu manter-se.”

Em 1909, mesmo com tantos percalços, as obras da Estrada de Ferro Vitória a Minas já entram em território mineiro. Porém, a descoberta de ricas jazidas de minério de ferro no Pico do Cauê, na cidade de Itabira, faria com que o rumo dos trilhos fosse mudado. E com eles, o destino de toda uma região.

Uma montanha no meio do caminho
Quando a estação de Figueira foi inaugurada, em 15 de agosto de 1910, os engenheiros já sabiam que o traçado da Vitória a Minas continuaria a seguir as margens do Rio Doce. Empresários ingleses, organizados na Itabira Iron Ore, que haviam comprado grandes extensões de terra em Itabira tinham agora também o controle acionário da EFVM. A ferrovia serviria de ligação entre as minas e o porto de Vitória.
A transação livrou os empresários brasileiros de um investimento caro e ainda sem retorno. Como as dificuldades para a construção eram muitas, os custos ficaram mais altos do que se previa.

Os trilhos do novo trajeto da ferrovia, porém, custariam a sair do papel. À disputa entre o governo de Minas e Itabira Iron Ore pelo modelo de mineração a ser adotado, somou-se o início da Primeira Guerra Mundial, que estagnou os investimentos em todo o globo.

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Mapa da Estrada de Ferro Vitória a Minas e projetos de conexões. Relatório da Itabira Iron Ore, 1920. (Arquivo Nacional)

Desbravando o vale
Em 1912, as obras pararam na estação de Cachoeira Escura, distrito de Belo Oriente. Somente seriam retomadas com o fim da Guerra, em 1918. Como as jazidas de minério ainda não eram exploradas, restava a ferrovia escoar produção agrícola e madeireira do vale do Rio Doce ao porto de Vitória.

Terminada a Guerra, a Itabira Iron Ore foi vendida ao empresário norte-americano Percival Farquhar – em consequência ele levou também a EFVM. A empresa continuava sem o marco regulatório para operar em minério de ferro, mas o capitalista voltou a investir na ferrovia.

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Estação da EFVM em Ipatinga, 1930 (Foto disponível em: https://goo.gl/e2s5p)

Em 1922, as operações da Vitória a Minas chegaram em Ipaba e Ipatinga. Dois anos depois, em Coronel Fabriciano. Em 1927, chegou ao município de Antônio Dias. A ferrovia ajudou na fixação populacional daquela região, de densa mata atlântica. No entorno da estrada de ferro, surgiam os povoados carvoeiros.

Se por um lado a ferrovia ia avançando, por outro os planos de Percival Farquhar estavam estagnados. Não se chegava a um acordo entre os governos federal e estadual para a operação da Itabira Iron Ore. Quando parecia tudo acertado, o mercado financeiro mundial entrou em colapso com a crise de 1929 e a empresa não conseguiu se capitalizar.

Passos lentos
Em meio à crise internacional, Getúlio Vargas ascende ao poder em 1930. Com uma política de forte caráter nacionalista, o presidente empreendeu o que pode para impedir que as jazidas de minério de ferro de Itabira continuassem nas mãos de empresários estrangeiros.

Mesmo com poucos recursos, as obras da Vitória a Minas agora seguiam timidamente. Em 1932, a estação de Desembargador Drummond – a mais próxima das jazidas de Itabira – foi inaugurada. Quatro anos mais tarde foi a vez da de Nova Era.

Durante toda a década de 1930 Percival Farquhar tentou iniciar a exploração das minas de ferro. Em 1939, associou-se a empresários brasileiros para formar a Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia. A nova mineradora atendia às exigências legais determinadas no Código de Mineração de 1934, no qual somente poderiam ser proprietários de jazidas minerais brasileiros e empresas constituídas no país.

O término
O primeiro carregamento de minério da Companhia Brasileira de Mineração chegou ao Porto de Vitória em 1940. As pedras foram carregadas de caminhão de Itabira até a estação de Desembargador Drummond e dali seguiram na EFVM. Enfim, a ferrovia transportava o minério em nome da qual foi construída.

A empresa, porém, não tem vida longa. Em meio à Segunda Guerra Mundial, o governo brasileiro assina acordos com os Estados Unidos e a Inglaterra e estatiza as jazidas de minério de ferro e cria aCompanhia Vale do Rio Doce. A EFVM é incorporada à mineradora e tem a estação de Itabira inaugurada, em 1943. Quarenta anos depois das primeiras obras, a ferrovia chega ao seu ponto final.

Nos primeiros anos, a CVRD investiu na modernização e na ampliação da malha ferroviária. Muitos trechos tiveram que ser readequados. No comando dessas reformas estava o engenheiro ferroviário Eliezer Batista, que mais tarde se tornaria presidente da Vale.

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Na década de 1960, quando a CVRD já havia se tornado uma das maiores mineradoras do mundo, novos ramais passam a ser integrados à ferrovia, como o que ligava as minas da região de Mariana e Ouro Preto e da região do Rio Piracicaba. A EFVM crescia junto com a Vale. Na década de 1980, ela chegou à marca de um bilhão de toneladas transportadas. Em 1994, já eram dois bilhões. Em 1992, o ramal ferroviário chegou a Belo Horizonte e a ferrovia tomou a dimensão que tem hoje.

Por meio daqueles trilhos, o minério de ferro seguia para todo o planeta. Sobre eles, Carlos Drummond de Andrade, poeta de Itabira, escreveu:

O maior trem do mundo
Leva minha terra
Para a Alemanha
Leva minha terra
Para o Canadá
Leva minha terra
Para o Japão

A ferrovia hoje
Em 1997, a Companhia Vale do Rio Doce foi privatizada e os novos donos receberam a concessão do governo federal para exploração da Vitória a Minas por 30 anos.

Cerca de 30% de todo o transporte ferroviário nacional é feito pela EFVM. Quase 90% da carga que ela transporta é minério de ferro. Mas outros produtos também são transportados pela ferrovia.