mineração em diamantina 1

19-07-2015 11:41

SEMINÁRIO DE HISTÓRIA ECONÔMICA 20 DE MARÇO DE 2013 Estruturas e conjunturas da mineração de diamantes no século XIX em Minas Gerais Marcos Lobato Martins (UNIFAL-MG) Em 1798, tanto no Tijuco quanto na Vila do Príncipe, começou a ganhou força a consciência dos inconvenientes da Administração Diamantina e do regime de monopólio régio na extração de diamantes. Entre os habitantes da região, crescia o incômodo com a sujeição aos interesses de intendentes e fiscais do diamante. Disso resultou um “manifesto do povo”, endereçado a Lisboa, inspirado pelos irmãos Vieira Couto e pelo Pe. Belchior Pinheiro de Oliveira, cujo propósito era derrubar o alvará de 2 de agosto de 1771 e obter a liberação das lavras diamantinas.1 O manifesto, partindo do suposto de que o progresso da mineração é o motor das atividades complementares a ela (a agropecuária e o comércio), criticava as proibições decorrentes do regime de Real Extração e reivindicava, diretamente à Coroa, a mudança no estatuto legal. O documento mostra que, naquele momento, a opção das elites locais foi a de se submeter à ordem propondo uma nova ordem (SOUZA, 1993, p. 53), ao invés de optar pelos motins tão comuns nas Minas Gerais. A reação inicial de Lisboa foi dura: baixou novas repressões, promovendo o banimento de centenas de pessoas do Distrito Diamantino. José Joaquim Vieira Couto, o “procurador do povo” do Tijuco, foi preso em Lisboa. As elites locais, então, mudaram de estratégia. Formularam novos documentos em que denunciavam o intendente e o fiscal como inimigos do Rei, adeptos da 1 Os documentos relativos à chamada “Conjuração do Tijuco” estão na Revista do Arquivo Público Mineiro, ano II, p. 141-185. 2 Revolução Francesa e da República, além de homens avessos à religião. Sem tocar na questão do regime de monopólio régio, os novos documentos tentavam mostrar que os administradores eram contra o Rei. O Príncipe Regente Dom João mordeu a isca, enviou o governador da Capitania em pessoa ao Tijuco, e o intendente, que cumpria à risca o Regimento Diamantino, caiu (SANTOS, 1978, p. 196-197). Em seguida, a Coroa editou o alvará de 13 de maio de 1803, abolindo o sistema da Real Extração. 2 Um novo intendente é nomeado, Manoel Ferreira da Câmara Bittencourt, homem nascido na Colônia, iniciando relações diferentes com as elites locais: ao invés da obediência literal ao Regimento que caracterizou seu antecessor, a adoção de atitude paternalista, de negociação dos instrumentos legais de que dispunha com os senhores do Tijuco, de vistas grossas à ação de contrabandistas e garimpeiros. O que esses episódios revelam é a enorme rede de interesses mercantis e políticos que se constituiu ao redor das lavras, bem como a condição da extração de diamantes como núcleo dinâmico da economia regional. Direta e indiretamente, os habitantes da antiga Demarcação dependiam dos resultados dos serviços de mineração. Conforme as ideias do Intendente Câmara, o diamante deveria ser extraído e negociado em um ambiente regido pela ordem monárquica, pelo predomínio aristocrático e pelo desenvolvimento das artes úteis. Estas ideias, apresentadas em painéis na comemoração da coroação de Dom João VI, encontraram profunda acolhida pela maioria dos integrantes da elite do Tijuco no decorrer do século XIX (SANTOS, 1978, p. 235- 238). Essas ideias fornecem base segura para a reconstituição histórica da economia oitocentista do diamante, tema ao qual é dedicado este texto. Começa-se com a análise da típica unidade produtiva da economia regional: as lavras de diamante. Os serviços de mineração e as lavras oitocentistas Na região de Diamantina, as atividades de lavra abarcavam dois setores distintos, embora articulados e mesmo interdependentes: a grande mineração e o garimpo. Foi justamente a grande mineração que os viajantes estrangeiros conheceram, desde Eschwege (1979) e Saint-Hilaire (1974), nos anos 1810, até Richard Burton (1977), nos anos 1870, passando por George Gardner (1975) e Johann Jakob von Tschudi (2006), que percorreram a antiga Demarcação Diamantina nos anos 1840 e 1850, respectivamente. Os relatos deixados por esses viajantes constituem fontes importantes para a reconstituição da economia do diamante no século XIX. 2 Na verdade, o alvará de 13 de maio de 1803, embora publicado, nunca foi cumprido. 3 Todos os viajantes estrangeiros que visitaram a antiga Demarcação Diamantina no decorrer do Oitocentos indicaram incisivamente o fato de que a mineração constituía o centro dinâmico da economia regional. Foi isso que, no ano de 1841, George Gardner percebeu ao conhecer a localidade de Mendanha, situada bem próxima de Diamantina, ao norte, sobre a qual escreveu: O Arraial de Mendanha pareceu-me florescente lugarejo, com uma população de cerca de oitocentas pessoas e com quase todas as casas habitadas. O sítio da aldeia, conquanto romântico, está longe de fértil; fica no fundo rochoso e desnudo de alta montanha, que quase pende sobre ele, com pouco ou nenhum solo vizinho adequado a plantações de qualquer espécie. A maioria da população ganha a vida empregando escravos na mineração do diamante ou abrindo vendas para fornecer alimentos e roupas aos outros, principalmente em troca de diamantes e ouro em pó: e, com efeito, se não fossem as minas de diamantes existentes nas vizinhanças, nem uma só casa se teria erguido neste lugar (GARDNER, 1975, p. 206). Cerca de dez anos depois, o suíço Johann Jakob von Tschudi notou que a riqueza gerada pelo diamante, além de azeitar a economia regional e as transações mercantis em Diamantina, forjara hábitos entre as camadas abastadas da cidade, a exemplo das frequentes viagens para a Corte. Conforme Tschudi, “quase todos os grandes comerciantes [de Diamantina] visitam a capital do império pelo menos uma vez por ano para fazer compras. Retornam com quantias de 200, 300, até 700 contos de réis, fruto da venda de diamantes” (TSCHUDI, 2006, v. 2, p. 103). As frentes de lavra, dotadas de movimento aparentemente caótico, chamaram a atenção dos viajantes estrangeiros. Gardner, ao se deslocar de Formigas (Montes Claros) para Diamantina, fez questão de visitar as maiores explorações próximas ao seu itinerário. A poucos quilômetros do atual distrito de Senador Mourão, ele esteve na Lavrinha. Esta área estava em início de exploração e se tornaria, nas décadas seguintes, uma das principais concentrações de catas de toda região. Sobre a Lavrinha, Gardner escreveu: Chegamos a Lavrinha pelas cinco da tarde; e, conquanto o sol houvesse brilhado fortemente durante a melhor parte da jornada, era tarde demais para tentarmos enxugar qualquer das nossas coisas. Lavrinha, como já disse, é uma pequena lavra de ouro, só estabelecida recentemente. As únicas construções da vizinhança eram uma pequena choça, feita com umas poucas estacas e varas e coberta com palmas de buriti, onde dormia o feitor e alguns galpões do mesmo material, para abrigar os escravos. (...) Pequeno rio, que corre ali perto, mas só tem água na estação das chuvas, ofereceu alguns indícios de ouro, que levaram certos fazendeiros, entre os quais o Coronel Versiani e o guarda-mor, a constituir uma sociedade, seis meses antes da minha visita, com o fim de estabelecer uma 4 lavra. Para isto, mandaram cerca de quarenta escravos executar os trabalhos sob direção da pessoa que primeiro descobriu o ouro, e que, em troca de seu trabalho, obteve certo número de quotas da empresa (GARDNER, 1975, p. 200). No trecho do relato de Gardner há que se destacar, em primeiro lugar, a rusticidade das instalações do garimpo, que em tudo lembra um acampamento provisório, condição imposta tanto pela itinerância quanto pela incerteza que caracterizavam a atividade. Em segundo lugar, a prática de formar associações de mineradores para explorar jazidas promissoras, sociedades por quotas que envolviam os homens de cabedais da região, acostumados ou não à mineração. O citado Coronel Versiani, por exemplo, era grande fazendeiro instalado nas imediações da atual Bocaiúva que, pela primeira vez, metia-se em uma empreitada de garimpo. Na verdade, era fato comum na região os donos de grandes lavras exercerem simultaneamente outros afazeres, na agricultura e no comércio.3 O próprio Gardner conheceu outro desses homens, o Capitão José de Almeida e Silva, na lavra da Areia, situada na margem do Jequitinhonha, a jusante do arraial de Mendanha. A respeito dessa lavra, o viajante inglês escreveu: Alegrei-me depois por termos sido obrigados a demorar-nos aqui, porque isso me forneceu oportunidade de presenciar as operações em uma das maiores minas de diamantes, se não a maior, então em funcionamento neste distrito. A principal casa deste lugar pertencia ao Capitão José de Almeida e Silva, que era também o proprietário da mina. (...) Cerca de uma hora depois de nossa chegada veio de uma das suas fazendas uma tropa de mulas com provisões para os escravos (...). A mina do Capitão Almeida era perto do Rio Jequitinhonha, num cotovelo de terra que outrora deve ter formado o leito do rio. Uma mina da vizinhança tinha sido trabalhada pelo governo havia cerca de quarenta anos e produzira, no decurso de três anos, nada menos de 27 lbs. e seis drs. de diamantes. Tendo-se exaurido no fim deste tempo a formação, como lhe chamam, abandonou-se a mina. Na expectativa de igual boa sorte, iniciou o Capitão Almeida as operações perto do mesmo lugar, cerca de seis meses antes da minha visita, com mais de cento e cinquenta escravos, todos alugados de seus vizinhos. Com dispêndio de cerca de mil libras esterlinas, trouxe de uma distância de légua e meia uma pequena corrente de água, fez grande escavação e levantou bombas movidas por uma roda d’água para extrair a água da mina. Praticou-se escavação até a profundidade de trinta pés sem encontrar nenhuma formação de diamante propriamente dita, embora ao ser lavado produzisse pequeno número de pedras de não grande valor (GARDNER, 1975, p.203-204). Observe-se que na Lavrinha e na Areia, os serviços de mineração empregavam mão de obra escrava em grande quantidade. No caso da lavra da Areia, o relato de Gardner explicita 3 O estudo de Flávia Maria da Mata Reis (2008), referente às unidades mineradoras setecentistas da região de Mariana e Ouro Preto, indica como característica mais marcante delas a produção diversificada, a mineração realizada paralelamente a outras atividades, especialmente a agropecuária. 5 outra prática comum na área de Diamantina, em meados do século XIX, uma permanência dos tempos do Contrato e da Real Extração: o aluguel de escravos para os trabalhos de mineração. Observe-se também que as grandes lavras representavam empreendimentos custosos, que implicavam gastos em construção de canais, desvios de rios, aquisição de ferramentas e equipamentos. Gastos fora do alcance da maioria dos garimpeiros da região. No garimpo de diamantes, verificou-se o mesmo que os estudiosos da extração aurífera notaram, a saber: Ocorre que o maquinário hidráulico vai selecionar os mineradores, pois nem todos os proprietários de minas podem ser mineiros de ‘roda’. Neste sentido, para o pequeno minerador, até possuir escravos passa a ser dispendioso, capital imobilizado do qual foi mais oportuno desvencilhar-se (MARTINS, 1984, p. 192). O que suíço Tschudi conheceu da mineração de diamantes deve-se a sua visita à lavra de São João do Barro, em 1858. Trata-se de uma lavra típica do que, na região, se chamava de “diamante de massa”, isto é, jazida situada em terreno de serra que se explorava por meio do desmanche de barrancos. Ele esteve lá na companhia de Serafim José de Menezes (futuro Barão de Araçuaí, o homem mais rico de Diamantina), Francisco José de Almeida e Silva (grande “diamantário” e proprietário de lavras no Ribeirão do Inferno) e Rodrigo de Sousa Reis, também “diamantário” e dono da Lavra do Barro.4 O viajante encontrou uma sociedade organizada para explorar 21.770 braças quadradas de terra, que tocava uma lavra que fornecia pedras muito boas, da mais pura água, e com muito pouco refugo (TSCHUDI, 2006, v. 2, p. 131). Esta lavra era um buraco enorme, com 60 pés de profundidade (cerca de 18m). Nela estavam ocupados 120 negros. Os donos da lavra pagavam, por semana, 4 mil-réis por escravo alugado. Além disso, eram obrigados a fornecer-lhes alimentação e, em caso de doença, assistência médica aos cativos, ao passo que os donos dos escravos davam apenas as roupas (TSCHUDI, 2006, v. 2, p. 132). Durante as poucas horas em que esteve na Lavra do Barro, o viajante presenciou a extração de cerca de 30 quilates de diamante. Segundo relato de seus acompanhantes, na época da lavagem, durante os meses da chuva, eram achados diariamente entre 35 e 70 quilates, que perfaziam, em média, 100, 200, até 220 diamantes; desse modo, durante toda a estação, a lavra fornecia, no máximo, quatro mil quilates de diamantes (TSCHUDI, 2006, v. 2, p. 128-131). 4 “Diamantário” é o nome regional para os comerciantes de diamantes, que compram diretamente dos mineradores as partidas de gemas e as revendem para as praças do Rio de Janeiro e da Europa. 6 Tschudi foi informado que, nas grandes lavras da região, o ouro era subproduto. Subproduto bem-vindo porque pagava pelo menos a alimentação dos escravos empregados (TSCHUDI, 2006, v. 2, p. 155). Ainda conforme o viajante, os custos de produção das grandes lavras estavam subindo. No início dos anos 1850, a produção de uma oitava5 de diamante custava em média 200 mil-réis. Mas, em 1858, o custo estaria, comparativamente, cerca de 10% mais alto (TSCHUDI, 2006, v. 2, p. 134). Dois fatores concorreram para a elevação do custo de produção das grandes lavras: o encarecimento da mão de obra escrava em razão da Lei Eusébio de Queiróz que aboliu o tráfico negreiro, e a maior dificuldade de exploração do diamante de “massa”, que, então, era o tipo mais comum das novas descobertas no distrito de São João da Chapada. 6 Por isso, o viajante deu crédito à queixa – sem dúvida, exagerada – dos grandes mineradores a propósito da rentabilidade baixa dos grandes serviços de lavra. Nas palavras de Tschudi (2006, v. 2, p. 132): Os donos da lavra de São João, assim como a maioria dos proprietários de lavras, não consideram que o negócio de diamantes seja muito lucrativo. O custo da operação é muito alto. (...) Os produtores têm que se contentar com um lucro pequeno enquanto veem os comerciantes, que são os intermediários do produto, se enriquecerem. A documentação cartorária de Diamantina corrobora as descrições das maiores lavras deixadas pelos viajantes estrangeiros. Apresentam-se aqui somente alguns exemplos, começando pelos registros existentes nos Livros de Notas. Em 2 de dezembro de 1864, Bernardino Fernandes da Silva vendeu o serviço de mineração que tinha na Lavra do Barro, no lote concedido a Dona Maria Antônia de Amorim, ao minerador João Fernandes da Costa Pereira Carreira pela quantia de dois contos de réis.7 A lavra, situada no descoberto de São João, possuía uma casa coberta de telha, pequeno curral, moinho, pasto, roças de mandioca, cana e milho, um canal de água da serra e cava com profundidade de oito metros. Dez anos depois, João da Mata Machado comprou, em 26 de fevereiro de 1874, a Lavra do Baú que pertencia a Cassiano Feliz Ferreira. Essa lavra, no subúrbio de Diamantina, tinha dois lotes de terrenos diamantinos localizados no Córrego do Baú, um medindo seis mil braças quadradas, e o outro, mil braças quadradas. Havia ainda uma casa coberta de capim, com 5 A oitava representa 17,5 quilates de diamante; o quilate, por sua vez, é equivalente a 200mg de pedras preciosas. 6 Na página 134 de seu relato, Tschudi informa que o negro escravo custava, em média, 1:200$000 rs na região de Diamantina. Já a expressão diamante de “massa” indica os depósitos de gemas encontrados longe dos cursos d’água, em morros que precisavam ser desmontados com água para se alcançar o cascalho diamantífero. 7 BAT. Escritura de venda de lavra, Livro de Notas n. 14, Cartório do 1º Ofício, 1864, maço 41, fls. 11-12v. 7 chácara e água.8 No ano de 1924, em 20 de novembro o Major Jucundino Pio Fernandes e seus familiares passaram escritura de venda de uma lavra no Guinda à empresa Duarte & Irmão, pela quantia de 60 contos de réis.9 A referida lavra compreendia doze lotes de terrenos diamantinos situados nos córregos do Guinda e do Brumadinho, bem como três casas de morada cobertas de telhas, pátio, quintal e terras adjacentes, seis ranchos cobertos de capim, moinho, aguadas, terras de cultura e pasto. Os terrenos diamantinos foram transferidos por 57 contos, enquanto as casas, moinho e terras agrícolas por 3 contos, tudo pago em moeda corrente. TABELA 1 – Bens na Lavra da Perpétua (Diamantina, 1872) Tipo de bens Discriminação dos bens Imóveis e terras 1 casa coberta de telhas com rancharia 1 casa de capim 1 moinho de capim 1 moinho muito bom 1 pasto fechado por valas 3 áreas de mato Animais 13 porcos com 2 capados 4 bestas 7 bestas de cargas 1 cavalo 1 burro de sela 5 burros de carga 10 cabeças de gado Instrumentos de mineração 1 ferro de sondar 2 marrões 2 peneirões de ferro 1 bomba para cisterna 30 alavancas 12 marretas 8 brocas 2 cargas de carumbés 1 serra braçal grande 1 torno de ferro Equipamentos de mineração 2 rodas de mineração 3 balanças para pesar diamantes 2 balanças grandes para arrobas 2 macacos 2 macacos para tombar pedras 1 máquina de cauda a vapor e seus pertences Fonte: BAT. Inventário de Rodrigo de Souza Reis, Cartório do 2º Ofício, 1872, maço 286. 8 BAT. Escritura de venda de lotes diamantinos, Livro de Notas n. 6, Cartório do 3º Ofício, 1874, maço 162, fls. 6-8. 9 BAT. Escritura de venda e cessão de casas e lotes diamantinos, Livro de Notas n. 41, Cartório do 1º Ofício, 1924, maço 498, fls. 56-69. 8 Os inventários também permitem ter ideia das maiores lavras da região de Diamantina. O minerador Martinho Alves Chaves, cujo inventário é de 1808, possuía 24 escravos, dois sobrados no arraial do Tijuco, a lavra de ouro dos Cristais – com casa de vivenda, senzala e rego d’água –, a lavra de Sentinela com rancho de capim e um capão de matos sem qualquer cultivo.10 A lavra da Perpétua, com 20 mil braças quadradas, de propriedade do citado Rodrigo de Souza Reis, ficava dentro de pequena fazenda a poucos quilômetros da cidade. Nela havia, conforme o inventário do minerador, datado de 1872, os seguintes bens: Os dados existentes no inventário de Rodrigo de Souza Reis não deixam dúvida de que, na Lavra da Perpétua, a mineração aparecia combinada com a produção agropecuária, certamente voltada para garantir parte do abastecimento dos trabalhadores cativos da lavra. Também havia uma pequena tropa de muares, presumivelmente utilizada para trazer da cidade mantimentos e suprimentos de mineração (ferro, pregos, parafusos, vergas de aço, tábuas para bicame, etc.). De dimensões mais modestas, a Lavra das Almas pertencente ao Tenente Coronel Alexandre Gomes da Silva Chaves, produziu mais ouro do que diamante. Ficava situada em São Miguel e Almas, no município do Serro, e contava, em 1878, com terras de cultura, campos de criar, casa de capim e casa de moinho.11 Nela não havia roda de minerar nem instalações como bicame, tenda de ferreiro ou rancharia. Já a Lavra dos Caldeirões, de propriedade do Comendador Serafim Moreira da Silva, possuía, em 1897, tenda de ferreiro, casa de serrar, uma roda de mineração, bicame, dois macacos de tombar pedras, uma casa coberta de telhas e uma antiga senzala.12 A lista dos instrumentos de mineração do inventário enumera: 35 quilos de aço em brocas, 3 dúzias de tábuas de 8 a 16 palmos, 1 ferro de sondar com 30 palmos de comprimento, 10 alavancas, 8 marretas, 2 cunhas, 2 picaretas, 3 foices, 2 machados, 2 almocafres, 4 peneiras, 9 bateias, 14 bateias de baco e 20 carumbés. Nessa lavra não existia atividade agropecuária. Na virada do século XIX para o XX, Jerônimo Baracho tinha na mineração no Ribeirão do Inferno a base de sua fortuna. Conforme as memórias de uma de suas filhas (RAMOS, 1997), ele mantinha várias lavras em suas próprias terras: Dumbá, Pombeiro, Mutuca, ricas em ouro e diamante. Nelas, os mineradores usavam geralmente bateias, em um tipo de mineração mais simples, sem o auxílio mecânico de aparelhagem mais poderosa, descrito pela memorialista como segue: 10 BAT. Inventário de Martinho Alves Chaves, Cartório do 1º Ofício, 1808, maço 53. 11 BAT. Inventário de Alexandre Gomes da Silva Chaves, Cartório do 1º Ofício, 1878, maço 8, fl. 164v. 12 BAT. Inventário do Comendador Serafim Moreira da Silva, Cartório do 2º Ofício, 1897, maço 231. 9 Apenas enxadas para ir afastando a “piruruca” até encontrar terreno firme e próprio. Afastavam o rio por meio de tapumes com vigas, escoras e enchimento de folhas e capim, até fazer o rio ir recuando para um leito provisório. O leito a descoberto é secado com carumbés, bateias e barris; fazem então a cata que pode ser boa ou má e até nem compensando o trabalho dos faiscadores (RAMOS, 1997, p. 78). Na fazenda de Jerônimo Baracho, havia pomar, culturas de milho, cana de açúcar e mandioca, criação de gado e rancho para descanso das tropas e viajantes (RAMOS, 1997, p. 20- 21). Havia também quatro lotes de bestas escolhidas – que formavam uma tropa de 48 muares ricamente ajaezados –, cavalos de sela, muitas cabeças de gado curraleiro e meio-sangue, zebus, nelores, bois de carro e criação de porcos. “Os trabalhos, na roça e nos currais, eram executados por seis a oito peões. (...) O leite era levado à cidade [Diamantina], em latões, um de cada lado dos burros, que transportavam também frutas, ovos, verduras e capoeiras de galinhas” (RAMOS, 1997, p. 25). Em Diamantina, Jerônimo Baracho possuía comércio de atacado. O ramo era farinha de trigo, querosene e sal, trazidos por sua tropa da cidade do Rio de Janeiro. Ele atuou também na compra e venda de sementes de mamona para a capital do país, cujo óleo, naquela época, começava a ser empregado na incipiente aviação (RAMOS, 1997, p. 33-35). Sobre os garimpeiros, Tschudi limitou-se a dizer que eles eram pessoas pobres que procuravam diamantes por meios simples e, em geral, apenas com a ajuda de seus familiares e amigos (TSCHUDI, 2006, v. 2, p. 127). Sua descrição do garimpeiro é carregada de indisfarçável preconceito: Em geral, os garimpeiros levam uma vida muito pobre e trabalham bastante para obter uma produção bem pequena. Às vezes, um ou outro tem sorte e encontra uma pedra grande, que compensa plenamente os esforços de muitos anos. Esses casos, porém, são raros. Durante o tempo de paralisação do garimpo, vivem de forma miserável junto com os seus. Na verdade, as turmas de garimpeiros atuaram em toda região da antiga Demarcação Diamantina, mobilizando milhares de homens em trabalhos manuais pesados e penosos. Por um lado, os garimpeiros foram historicamente responsáveis pelos maiores achados de diamante. Por outro lado, a produção dos garimpeiros, embora dispersa e fragmentada, sempre respondeu por expressiva parcela do volume total dos diamantes extraídos na região (MARTINS, 1997). 10 Os pequenos mineradores, divididos entre garimpeiros e faiscadores, podem ser razoavelmente conhecidos por meio das informações das listas nominativas. Conforme a lista nominativa de 20 de julho de 1832, para o distrito de Santo Antônio do Tijuco, do termo da Vila do Príncipe, entre os garimpeiros havia homens brancos, pardos, crioulos e africanos. Os faiscadores eram predominantemente homens de cor, muitos dos quais pardos forros. Uma família típica de garimpeiros era a de Antônio e Manoel da Silva. Na casa de Antônio, 70 anos de idade, africano, casado e forro, moravam mais três mineradores – dois escravos africanos e um africano forro. Na casa vizinha de Manoel da Silva (provável filho de Antônio), 37 anos de idade, crioulo, moravam outros três mineradores – Francisco, 14 anos de idade, crioulo, forro, e dois escravos.13 Família mais curiosa de garimpeiros foi formada por Jacinto e Luiz de Pinho. Na casa de Jacinto, africano, 50 anos de idade, casado, forro, moravam três escravos africanos mineradores; na residência vizinha, Luiz de Pinho, africano, 40 anos de idade, forro, vivia com sua mulher e três escravos, dois deles mineradores.14 O quadro seguinte apresenta informações sobre alguns homens que viviam de pequenos serviços de lavras, isto é, garimpeiros: 15 Em meados do século XIX, para enfrentar as obrigações impostas pela legislação minerária e contornar as dificuldades de acesso a lotes de terras minerais, os garimpeiros frequentemente constituíram sociedades. Associações marcadamente informais, que operaram ancoradas nos valores, técnicas e práticas tradicionais da mineração regional, resultantes de acordos verbais entre amigos e familiares, poucas vezes registradas nos órgãos oficiais. Exemplo de rara associação de garimpeiros formalizada diante do Estado aparece no documento abaixo, datado de 1o de março de 1869, referente à exploração do Córrego do Bernardino, no Serro: Sociedade que entre si fazem Paulo Fernandes Leão, Pedro Barreto Lima, Torquato Pinheiro das Neves, Antônio Raimundo da Costa e Marcelino José de Azevedo. Neste ato concordaram (...) de formarem entre si uma sociedade pela maneira seguinte. Que tendo os três primeiros seis mil braças de terreno diamantino no Córrego do Bernardino, e os dois últimos outro lote no mesmo córrego (...), cuja sociedade é fundada nos seguintes quesitos: 1o ) Que os três primeiros sócios não poderão empregar na lavra mais do que o número de 6 trabalhadores para cada um dos 3 sócios excetuando suas pessoas, e os 2 segundos sócios Antônio Raimundo e Marcelino poderão empregar nove trabalhadores cada um além de suas pessoas; 2o ) Que observarão restritivamente a cláusula de que nenhum deles sócios poderão facultar a lavra a agregado algum; 3o ) Que respeitarão os 13 Lista nominativa de 20 de julho de 1832, distrito de Santo Antônio do Tijuco, Termo da Vila do Príncipe. Disponível no site do NPHED/CEDEPLAR/UFMG. Acesso em 15 de fevereiro de 2013. 14 Lista nominativa de 20 de julho de 1832, distrito de Santo Antônio do Tijuco. 15 Conforme a tradição garimpeira regional, as menores turmas de garimpeiros eram constituídas por 4 a 6 mineradores. 11 serviços uns dos outros, não estorvando-os de forma alguma; 4o ) Que qualquer um dos sócios que não observar este contrato religiosamente pagará de multa a quantia de 100$000 que será repartida entre os outros sócios, cuja multa será verificada todas as vezes que houver infração do presente contrato, o que tudo foi aceito pelos sócios; 5o ) Que qualquer um dos sócios que quiser vender o direito que tem na lavra, o poderá fazer, dando preferência aos outros sócios, e no caso de que estes não queiram comprar, poderá vender a qualquer estranho de combinação com os outros sócios. E de como assim se concordaram, e se sujeitaram mandar o Delegado lavrar o presente termo.16 QUADRO 1 – Garimpeiros do distrito de Santo Antônio do Tijuco (1832) Nome do chefe do fogo Idade Cor Condição Outros moradores Miguel Antônio da Silva 36 branco casado 16 escravos (10 mineiros) Nuno Daniel Smith 66 branco casado 4 escravos Manoel Machado da Silva 40 branco casado 5 escravos Pedro Antônio Meireles 35 branco casado 4 escravos José Gomes 40 branco viúvo 3 escravos Amandio Ferreira de Aguiar 27 branco solteiro 6 escravos Boaventura Palmeira 30 branco solteiro Bento, livre, 16 anos 2 escravos Joaquim José Trindade 70 preto viúvo e forro 3 escravos Joaquim da Mata 60 preto casado e forro 3 escravos José Nunes 60 preto casado e forro 4 escravos africanos Bento de Araújo 40 cabra casado e forro 4 escravos Antônio Maria Versiane 68 preto viúvo e forro 5 escravos Caetano dos Santos 40 preto casado e forro 3 escravos africanos José Nunes de Santana 60 pardo casado e forro 6 escravos africanos José Fernandes 60 pardo forro 3 escravos Manoel José de Araújo 36 pardo solteiro e forro 5 escravos Manoel dos Reis 65 pardo solteiro e forro 3 escravos Jacinto Luiz 57 pardo casado e forro 3 pardos forros 4 escravos José Guedes da Silva 48 pardo casado e forro 4 pardos forros 2 escravos Fonte: Lista Nominativa de 20/07/1832 do distrito de Santo Antônio do Tijuco. Outro exemplo de sociedade de garimpeiros, embora não formalizada na Administração Geral dos Terrenos Diamantinos, é fornecido por Venâncio Ribeiro Mourão e Denis Moreira dos Santos. Em 31 de outubro de 1874, Venâncio Mourão, possuidor de um lote de terrenos diamantinos contando seis mil braças quadradas no Ribeirão do Inferno, vendeu um lance de serviço a Denis Santos, pela quantia de dois contos de réis.17 A transação foi paga à vista em moeda corrente. Ao vendedor e a seus filhos ficou o direito de explorar a lavra vendida com vinte 16 APM. TD-08, fls. 125v-126v. 17 BAT. Escritura de venda de um lance de mineração, Livro de Notas n. 7, Cartório do 3° Ofício, 1874, maço 162, fls. 50v-52. 12 praças vivas, não sujeitas à condição alguma, lado a lado com Denis Moreira dos Santos, de modo que passaram a formar uma sociedade de mineração. Arranjos desse tipo, no limiar da completa informalidade, existiram no decorrer dos séculos XIX e XX entre os garimpeiros de Diamantina. Também não eram incomuns os acordos firmados entre grandes mineradores e garimpeiros, visando maximizar a exploração de jazidas que passavam ao controle dos primeiros com a colaboração temporária dos últimos. Disso têm-se exemplo no contrato celebrado entre o Comendador Serafim Moreira da Silva e o garimpeiro Antônio Nonato de Campos, em 2 de maio de 1893.18 Diz o documento: Eu abaixo assinado, arrendatário de um lote de terreno diamantino, sito no Rio Pinheiros, contendo nove mil e tantas braças, no lugar denominado Curral, cujo lote vendi a meu pai Raymundo Nonato de Campos, e ainda não lhe fiz transferência, mas tendo o referido meu pai contratado com o Senhor Comendador Serafim Moreira da Silva para este senhor explorar o mesmo lote, com a condição de dar a meu pai em seu mapa três serviços diários, depois de extraídas as despesas do trabalho e alimentação do pessoal que for necessário empregar-se, e dos lucros verificados dividir-se pelo número de serviços existentes, só cabendo a meu pai a parte relativa aos três serviços diários, e se por acaso o serviço der prejuízo não ficará o dito meu pai sujeito a despesa alguma, correndo toda exclusivamente por conta do Senhor Comendador, e nestes termos e para garantir mandei passar o presente. O que mostra o acordo entre o Comendador e o garimpeiro a propósito da lavra conhecida como Poção do Moreira? Pequenos mineradores, quando enfrentavam falta de recursos, costumavam usar o expediente de associar-se a um grande minerador, na condição de sócio menor, para assim explorar os lotes diamantinos. Para o grande minerador, o negócio valia a pena porque, de um lado, aumentava os lucros potenciais de seus serviços de mineração e, de outro lado, evitava os demorados trâmites na Administração Geral dos Terrenos Diamantinos necessários para a obtenção formal dos direitos minerários. Os numerosos faiscadores, indivíduos que trabalhavam isolados na cata de diamantes, exploravam locais anteriormente minerados ou terras distantes e de difícil acesso. Muitas vezes, “capangueiros”, comerciantes e donos de lavras ajudavam os faiscadores em suas despesas, em troca de participação na produção obtida e da preferência na compra dos diamantes. Dessa forma, como no caso das turmas de garimpeiros, também havia relações de complementaridade entre os 18 BAT. Registro de contrato, Livro de Notas n. 22, Cartório do 1º Ofício, 1893, maço 43, fls. 3v-4. 13 faiscadores e os maiores agentes dos negócios de diamantes.19 O quadro seguinte fornece exemplos de faiscadores registrados na lista nominativa de 1832 do distrito de Santo Antônio do Tijuco: QUADRO 2 – Faiscadores do distrito de Santo Antônio do Tijuco (1832) Nome do chefe do fogo Idade Cor Condição Outros moradores Antônio de Oliveira 43 branco casado - Bento de Oliveira Coimbra 27 branco casado 2 escravos Manoel Pereira Andrade 23 branco solteiro - Teodósio José Barbosa 50 crioulo casado e forro - Manoel Pereira 60 cabra casado e forro - Claudiano Francisco Nunes 30 crioulo solteiro forro 2 escravos Agostinho José da Silva 40 pardo casado e forro 2 escravos Manoel Cardoso 48 pardo forro Joaquim e Pedro, africanos forros Antônio Machado 50 pardo casado e forro 1 escravo africano José dos Santos 50 preto casado e forro Marcelino, filho, crioulo, 20 anos Jacinto Pereira 50 cabra solteiro e forro - Fonte: Lista Nominativa de 20/07/1832 do distrito de Santo Antônio do Tijuco. Os trabalhadores das lavras e as técnicas da mineração oitocentista Até a abolição da escravatura, os maiores serviços de mineração no município de Diamantina empregaram numerosa escravaria. Nas grandes lavras, além dos feitores, era comum encontrar outros homens livres empregados, uma vez que alguns lances de serviço de mineração costumavam ser entregues a turmas de garimpeiros. Assim, por exemplo, em 1832 Bernardo Inocêncio Álvares tocava serviço de mineração com 13 trabalhadores escravos, 7 trabalhadores forros e dois feitores: João Pinto, branco, 32 anos de idade, solteiro, e Miguel Fernandes, 24 anos, pardo, forro.20 Francisco Gomes de Oliveira, outro minerador branco, casado, de 57 anos de idade, vivia de suas lavras que explorava com 14 escravos e mais 4 homens brancos.21 Nas catas dos garimpos, o mais comum era a presença de trabalhadores livres; todavia, não se pode esquecer que alguns garimpeiros possuíam pequena escravaria. A prática da faiscagem, no decorrer do século XIX, envolvia tanto homens livres pobres como escravos que arriscavam a sorte nos aluviões com a aquiescência dos seus proprietários. Nesse aspecto, o do trabalho nas 19 Para discussão mais detalhada das interações entre grandes mineradores e faiscadores, ver José Martins Catharino (1986), Cláudio Scliar (1996) e Marcos Lobato Martins (1997). 20 Lista nominativa de 20/07/1832 do distrito de Santo Antônio do Tijuco. 21 Lista nominativa de 20/07/1832 do distrito de Santo Antônio do Tijuco. 14 lavras diamantinas, há mais continuidade do que ruptura em relação à situação vigente no século XVIII. O Tenente Coronel Alexandre Gomes da Silva Chaves, grande minerador anteriormente citado, residente na Diamantina, paróquia de Santo Antônio, apresentou, em 14 de setembro de 1872, a relação dos escravos que possuía. Sua escravaria somava 21 cativos, dos quais 12 eram homens e 9 mulheres. Dos doze escravos, 5 eram africanos – todos com mais de 40 anos de idade; os brasileiros eram 7, com idades que variavam de 18 a 48 anos, sendo apenas 2 naturais de Diamantina. Nessa escravaria, 10 cativos eram mineradores, 1 sapateiro e 1 ferreiro.22 Muito maior era a escravaria de Rodrigo de Souza Reis, talvez o principal minerador diamantinense dessa época. Seu inventário, de 1872, registrou um total de 72 escravos: 67 homens (93,1%) e 5 mulheres (6,9%). Entre os 67 escravos de Rodrigo de Souza Reis, 3 estavam velhos demais para trabalhar, os mineiros somavam 58 (86,6%), os ferreiros eram 2 (3,0%), os cozinheiros eram 2 (3,0%), e havia apenas 1 carpinteiro (1,5%) e 1 roceiro (1,5%).23 As origens e idades desses escravos são indicadas na tabela abaixo: TABELA 2 – Origens e idades dos escravos de Rodrigo de Souza Reis Origem Idade (anos) Menos de 20 20 a 50 Mais de 50 Africano - 8 7 Crioulo/ Cabra 6 46 - Fonte: Inventário de Rodrigo de Souza Reis. BAT, Cartório do 2º Ofício, maço 286. De passagem, vale assinalar que, como mostra o inventário de Rodrigo de Souza Reis, esse senhor também alugava escravos em lavras do Tenente Coronel José Ferreira de Andrade Brant, do Comendador Serafim Moreira da Silva e do Capitão Manoel César Pereira da Silva no Ribeirão do Inferno, Curralinho e Faisqueira. Entre as médias escravarias, o minerador Cassemiro Hermenegildo da Silva, residente em Diamantina, possuía 17 escravos, dos quais 11 (64,7%) eram mineiros.24 Por sua vez, o minerador Alexandre de Almeida e Silva trabalhava em suas catas com quatro escravos de sua 22 Relação n. 1152 e n. 1227 dos escravos pertencentes ao Ten. Cel. Alexandre Gomes da Silva Chaves, de 14 de setembro de 1872. Cartório do 2º Ofício, Documentos diversos, maço 298. 23 BAT. Inventário de Rodrigo de Souza Reis, Cartório do 2º Ofício, 1872, maço 286. 24 BAT. Relação dos escravos de Cassemiro Hermenegildo da Silva, matriculados em 31 de setembro de 1872. Cartório do 2º Ofício, Documentos diversos, maço 298. 15 propriedade, no ano de 1872.25 O minerador e fazendeiro residente no arraial do Milho Verde, Luís Beltrão da Silva, era senhor de 13 escravos em 1872, dos quais 6 trabalhavam como mineiros. Os demais faziam serviços domésticos ou nas roças de Luís Beltrão.26 Muitas pessoas da região alugavam escravos para os mineradores, estratégia que lhes possibilitava engrossar suas rendas. Veja-se o caso de Antônio da Costa Vale, que alugava um escravo de nome Joaquim, mineiro, para o Tenente Coronel Felisberto Ferreira Brant. No ano de 1864, Antônio Vale pediu a Ferreira Brant um empréstimo de um conto de réis, com prazo de seis meses e a prêmio de 2% ao mês. Para garantia da transação, Antônio Vale hipotecou o escravo de aluguel Joaquim a Ferreira Brant. 27 No ano de 1872, Sebastião Alves Pereira era senhor de 10 escravos, sendo três “sofríveis mineiros” que ele alugava para concessionários de lotes diamantinos.28 O mesmo fazia, em 1886, Dona Josefina Augusta Pimenta, residente em Diamantina, que era proprietária de cinco escravos. Dois deles, Luís (preto, 21 anos, solteiro) e Agostinho (pardo, 44 anos, solteiro) estavam alugados em uma lavra próxima da cidade.29 Esta prática de alugar escravos para mineradores nada mais era do que uma permanência dos tempos coloniais, quando muitas famílias radicadas no antigo Tijuco viveram da locação de cativos para os contratadores e para a Real Extração (FURTADO, 1996). Havia também pessoas que penhoravam seus escravos para mineradores no âmbito de transações de crédito. Em 10 de outubro de 1845, Sérgio Urbano Vieira Couto passou escritura de hipoteca de quatro escravos para Rodrigo de Souza Reis, garantindo empréstimo no valor de um conto de réis. Os cativos colocados na transação foram: Angélica, africana; Jacinta, crioula, filha de Angélica; José Mina e Camilo Cabinda, ambos bons mineiros, que foram mandados para a Lavra da Perpétua.30 Em 10 de junho de 1857, a Dona Maria Leopoldina Baracho hipotecou dois escravos, de nomes Moisés africano e Adão africano, ao mesmo Rodrigo de Souza Reis, para segurança da quantia de 800$000 rs a prêmio de 1,5% ao mês.31 Em 9 de novembro de 1874, 25 BAT. Relação dos escravos de Alexandre de Almeida e Silva, matriculados em 15 de setembro de 1872. Cartório do 2º Ofício, Documentos diversos, maço 298. 26 BAT. Relação de escravos de Luís Beltrão da Silva, de 13 de agosto de 1872. Cartório do 2º Ofício, Documentos diversos, maço 298. 27 BAT. Escritura de hipoteca, Livro de Notas n. 22-B, Cartório do 2º Ofício, 1864, maço 159, fls. 68v-69v. 28 BAT. Relação de escravos de Sebastião Alves Pereira, de 9 de abril de 1872. Cartório do 2º Ofício, Documentos diversos, maço 298. 29 BAT. Relação n. 183 dos escravos de Dona Josefina Augusta Pimenta, de 30 de outubro de 1886. Cartório do 2º Ofício, Documentos diversos, maço 298. 30 BAT. Escritura de hipoteca, Livro de Notas n. 2, Cartório do 1º Ofício, 1845, maço 44, fls. 78-78v. 31 BAT. Escritura de hipoteca, Livro de Notas n. 8, Cartório do 1º Ofício, 1857, maço 44, fls. 76v-77v. 16 Dona Margarida Flora Pereira, moradora do arraial do Inhaí, alugou seu escravo Raimundo – crioulo, 26 anos de idade, solteiro, mineiro – para Jacinto Eustáquio d’Araújo Meireles, como garantia da quantia de 500$000 rs a prêmio de 1% ao mês e pelo prazo de um ano. Pela escritura de penhor, o escravo ficaria em poder do credor recebendo jornal de 8$000 rs mensais, e não poderia ser vendido nem alienado por forma alguma até que o credor estivesse pago e satisfeito.32 É bom observar que nas catas de diamante oitocentistas muitos homens livres trabalharam engajados, isto é, debaixo de contratos de locação de serviços decorrentes de dívidas contraídas com mineradores. Alguns exemplos, referentes aos anos 1840 e 1850, serão suficientes para esclarecer a natureza dessa situação. Em 15 de abril de 1846, Manoel Garcia dos Santos engajou sua pessoa a Jovenato da Costa Rodrigues, para segurança de 60$000 rs, com termo assinado na casa do Delegado de Polícia Antônio da Cunha Vale. Manoel dos Santos se obrigava a prestar serviços de mineração, ganhando 500 réis por dia útil, até pagar com esses jornais ao locatário.33 No mesmo ano, em 2 de dezembro, Luciano Ribeiro Silva engajou-se a serviço de Joaquim Elias Elizeu Filho, nos termos transcritos abaixo: Luciano Ribeiro declara que era devedor de 102$000 rs a Joaquim Elias Elizeu Filho e portanto se contratavam e se obrigavam na conformidade da Lei de 13 de setembro de 1830 a fazer o seguinte: o locador fica obrigado a prestar todos os serviços sem reserva de nenhum pertencentes à mineração, viagens e outros que o dito locador saiba e possa fazer e ficará vencendo 3$000 rs por semana, isto é, naquelas em que trabalhar 6 dias, que sairá por cada dia que trabalhar a 500 réis até que, com estes jornais, possa o locador pagar o locatário a predita quantia de 102$000 rs e então se findará este contrato, exceto se o locador pagar em dinheiro a referida quantia de 102$000 rs e qualquer quantia que o locatário tomar em mão, digo, que o locador tomar em mão do locatário ficará o mesmo sujeito a este ajuste, e com os seus serviços ou dinheiro remir sua dívida.34 Em 2 de abril de 1847, João da Mata Borges passou escritura de engajamento a João Batista Vieira Mourão, para segurança da quantia de 18$560 rs que este lhe havia emprestado. O devedor se comprometia a prestar serviços de mineração, sem escolha alguma e durante os dias úteis, até que a dívida fosse integralmente quitada.35 Em 5 de fevereiro de 1857, Justino Pereira alugou-se para serviços de mineração a João Batista Leite, de quem pegara emprestada a quantia de 50$000 rs para pagar outras dívidas. Os jornais de Justino Pereira foram ajustados em 1$600 32 BAT. Escritura de penhor anticrético, Livro de Notas n. 7, Cartório do 3º Ofício, 1874, maço 162, fls. 60-63. 33 BAT. Escritura de engajamento, Livro de Notas n. 2, Cartório do 1º Ofício, 1846, maço 44, fls. 104v-105. 34 BAT. Escritura de engajamento, Livro de Notas n. 2, Cartório do 1º Ofício, 1846, maço 44, fls. 94-95. 35 BAT. Escritura de engajamento, Livro de Notas n. 4, Cartório do 2º Ofício, 1847, maço 44, fls. 23-23v