Crônicas de Diamantina

19-07-2015 15:06

DIAMANTINA

 

Além da herança do fino gosto difundido pelos senhores do diamante e funcionários aristocráticos, bem como do espírito aventureiro do garimpo, talvez toda essa descontracção da cidade, sua elegância e simpatia tenham sido também a sábia compensação de uma história duríssima.

 

Diamantina foi um lugar em que eram "os menores gestos submetidos a normas"; O antigo Arraial do Tijuco foi "um Estado dentro do Estado, pondo em risco a unidade da Capitania". Este foi o significado da demarcação rígida do Distrito Diamantino, onde, para a coroa portuguesa monopolizar a extracção dos diamantes, tudo e todos foram minuciosamente controlados.

 

Por causa do Distrito, o Tijuco teve vida à parte e única dentro de Minas: seu comércio foi intenso, rico e sortido. Tudo que precisava vinha de fora. E também porque seus potentados eram exigentes e cheios de ostentação. Suas fortunas ficaram em poucas mãos, criando uma elite de hábitos e sensibilidade afins com os da Europa. Sua arquitectura, pintura e música religiosas, além de desenvolvidas, foram bastante peculiares.

 

Somente antes da demarcação e criação da Intendência dos Diamantes em 1734, a vida correu mais livre no lugar. Até aproximadamente 1720, quando foram achados os primeiros diamantes, o ouro movimentou o Arraial. O povoamento primitivo foi fundado num local chamado Burgalhau. Em 1713, o bandeirante Jerónimo Gouvea descobriu ali boas jazidas auríferas, depois de ter saído do Serro. No começo do século XVIII, no Serro, Manuel Correa Arzão e António Soares descobriram o ouro, seguindo os caminhos abertos, mais ou menos em 1678, por Fernão Dias Pais.

 

Portugal só tomou conhecimento oficial da existência dos diamantes em 1729, através de carta do Governador de Minas, D. Lourenço de Almeida. Antes houve silêncio e aparente descaso das autoridades locais pelo que se passava no Tijuco, pois estavam interessados que a extracção e o comércio do diamante ficassem clandestinos.

 

No Arraial do Tijuco, o comércio crescia a ponto de ainda em 1817, já decadente a extracção do diamante, causar espanto ao pesquisador francês Auguste de Saint-Hilaire, segundo esta transcrição feita por Aires da Mata Machado Filho:

 

    As lojas dessa aldeia (o Tijuco) são providas de toda sorte de panos; nelas se encontram também chapéus, (...) e mesmo grande quantidade de artigos de luxo, que causam admiração sejam procurados a uma tão grande distância do litoral (...). Essas mercadorias são quase todas de fabricação inglesa.

 

Na Inconfidência Mineira participou com importância o diamantinense, Padre José da Silva de Oliveira Rolim, o padre Rolim, filho do sargento José da Silva de Oliveira, caixa da Real Extracção do Diamante.

 

Os diamantes do Tijuco eram lapidados em Amesterdão sob o controle inglês; essas preciosas gemas fizeram toda a história do Arraial do Tijuco, elevado a Vila em 1831 e cidade em 1838. Durante a época dos contratos, em apenas 31 anos, foram extraídos oficialmente quase um milhão e setecentos mil quilates de diamantes e durante os setenta e quatro anos da fase da Real Extracção mais um milhão e trezentos e cinquenta e quatro mil quilates.

 

Junto com os Intendentes, os contratadores foram verdadeiros reis coloniais. No Distrito Diamantino "eram senhores quase absolutos", segundo Aires da Mata Machado Filho, historiando as épocas dos contratadores Felisberto Caldeira Brant e o desembargador João Fernandes de Oliveira como áureas para o crescimento do Tijuco e "o bem-estar dos tijuquenses".  Sob Caldeira Brant, "dominava o espírito frívolo do século XVIII, na elegância dos trajes, no requinte das maneiras e nas regras do bom-tom". Sob o desembargador, "houve certo progresso graças à moderação do contratador em face do garimpo e do contrabando".

  Kubischek de Oliveira  e Chica da Silva - dois diamantinenses que ficaram na História

Nesta última fase imperou a amante de João Fernandes de Oliveira, a Chica da Silva, espécie de rainha, rodeada de mucamas-cortesãs e vivendo numa corte em que, além da ostentação, não faltavam o teatro e a boa música. A personalidade de Chica da Silva foi o retrato exuberante do comportamento, bem liberado para a época, das mulheres do Tijuco, amantes de bailes, saraus e festas. Chica era anunciada em público como rainha e como tal se vestia, sempre precedida de um séquito de criados e criadas ornamentados  de jóias. "Chica quem manda" virou quase seu  sinonimo,  tamanho seu poder e pompa.  

 

Além da vida mundana, a pompa e refinamento sociais do Arraial ficaram gravados também no teatro, nas festas religiosas, na arte da pintura e da arquitectura das igrejas, no grande número de estudantes que enviou para a Universidade de Coimbra e sobretudo na música.

 

Francisco Curt Lange levou um grande susto ao descobrir que o maior compositor mineiro do século XVIII, José Joaquim Emérico Lobo de Mesquita, não só provavelmente nasceu na região de Diamantina, mas ali já tocava, em 1782, o órgão da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Descobriu ainda que no Arraial do Tijuco houve, no período de apenas 30 anos, sete regentes musicais, o que, calculava ele, implicou na existência de mais ou menos cem músicos. Esta verdadeira escola musical diamantinense foi seguramente fundamental na herança da seresta, até hoje cultuada. Dentro do principal grupo de seresteiros da cidade, o flautista Boanerges Meira tem o virtuosismo comparável ao de um Altamiro Carrilho e José Raimundo dos Reis, com seu cavaquinho, é esplêndido. São óptimos o clarinetista Expedito Silva e os violonistas António "Sete Cabeças" e Paulo Messias de Oliveira. Na alma e na boca do povo diamantinense continuam vivos "coretos" e modinhas, algumas ainda do século XVIII. A inspiração boémia não falta, de preferência sob o luar que torna prateada a serrania em volta da cidade, a música que a alimenta, junto com a boa cachaça encontrada em dezenas de botequins, virou música de todo o Brasil. Afinal, quem não ouviu alguma vez "Elvira, escuta", "A ti flor do céu", "Quem fez a lua", "Tim, tim...tim...tim, olalá", ou "Zum, zum, zum...lá no meio do mar", ou o "Peixe vivo", a música que ficou ligada a Juscelino Kubitschek, outro diamantinense eterno?   

 

Diamantina, no seu núcleo histórico não se descaracterizou. Preserva a identidade configurada no século XVIII. ...A cidade se adaptou progressivamente aos ciclos económicos de sua história, após a decadência da extracção do diamante. A maior parte do casario e das igrejas coloniais está sempre bem cuidada: o povo tem orgulho de sua cidade tal foi herdada do passado. Por isso, mais que em outras cidades históricas de Minas, é o que mais se identifica com a cidade como realidade urbana, física. Por essa razão talvez é que todo diamantinense sabe contar coisas do passado da cidade, como se contasse algo muito presente.

 

Aires da Mata Machado Filho fala do amor que o diamantinense tem por sua cidade, e da intimidade que o garimpeiro do diamante tinha com sua terra: - "É das entranhas da terra, escreve ele, que o faiscador vai tirar o pão de cada dia.  

   

A harmonia e a preservação de todo o conjunto privilegiaram Diamantina com o seu integral tombamento pelo SPHAN, em 1938.Segundo o estudo realizado pela Fundação João Pinheiro, os monumentos religiosos de Diamantina revelam "o carácter de uma autêntica escola regional, no quadro mais amplo da arquitectura religiosa mineira no período colonial". As igrejas ganharam uma fachada original,"sem precedentes em outras regiões do Estado", escreve Afonso Ávila. Também na decoração interna, a arquitectura religiosa de Diamantina é muito peculiar e possui alto nível de qualidade. Embora o estilo rococó tenha aparecido em Diamantina apenas em 1790 pelas mãos do pintor Silvestre de Almeida Lopes, o grande mestre foi o guarda-mor José Soares de Araújo, autor das pinturas de forros mais importantes de Diamantina.  A arquitectura civil, residencial ou pública, apesar de seguir o mesmo tipo geral do colonial mineiro, apresenta também singularidades. Entre as edificações civis uma edificação importante é a Casa da Glória (actual Colégio Nª. Sra. das Dores). Ela é composta de um sobrado do Século XVIII, famoso pelas festas que nele aconteciam; e outro sobrado do século passado (XIX), quando também foi construído o passadiço que os liga. Exemplar ímpar em Minas é a casa do Muxarabi. Construída talvez na segunda metade do século XVIII, ela é a única em Minas que ainda conserva um Muxarabi: um balcão de origem moura, feito de treliças de madeira, totalmente fechado e detrás do qual as mulheres podiam ver a rua sem serem vistas.

 

 

"Casa da Glória" e . . .

 

 

. . . "Casa do Muxarabi" - dois ex-libris de Diamantina

 

Embora construído em 1889, o Mercado Municipal  de Diamantina com suas harmoniosas arcadas em madeira, pintadas em azul e vermelho é um dos cartões postais de Diamantina. Ele evoca o passado dos tropeiros.

 

Nos becos, muitas estórias, às vezes inconfessáveis. De todos, o do Mota ficou eterno.

 

A noite em Diamantina: - antigamente melancolia; depois boémia e seresta. Os seresteiros saem cantando: "Tim, tim,...tim, tim...olalá"

 

 

Therezinha Barreto de Figueiredo 

 

BIBLIOGRAFIA

 

Brant, Francisco – “Edição Minas Colonial”

Editora Efecê S.A.