Diamantina em 1888

27-04-2011 23:24

 Nessa ocasião a escola primária do Rodolfo Pinto funcionava no Macau de Baixo, numa sala terrea, alugada na casa do Snr. Francelino Alves da Silva. Este cavalheiro casado com D. Margaridinha Horta, dedicava-se ao comércio de diamantes. Muito sociável e insinuante, cantava, ás vezes, modinhas ao violão, no seu escritório, rodeado de amigos.

    Gostava também de suas partidas de truqu, jogadas altas horas da noite, nas sobrelojas dos armazéns, porque, nessa época, não havia em Diamantina restaurantes nem bares. Ás vezes um passeante noturno, passando, da madrugada, pela porta, dos armazéns do Zé da Mota, do Alex, do Juca Correia, do João Fernandes, ouvia os gritos alegres dos jogadores:

- Vale seis!

- Vale nove!

- Esfriou, papudo!

- Jogo a jogo, onze a onze e o baralho na mão do bronze!

    Lá dentro divertiampse a valer (garrafa vasias ao lado) Francelino, Vicente Torres, Zezé Menezes, Joãosinho Raimundo Mourão, Pedro Falci, Teofilio Cesar, Manoel Quincas...

    O casal Franceslino - D. Marinquinha Horta tinha sete filhos, todos adotando o sobrenome Horta: Edmundo, Belinha (Isabel), Francelino, Antenor, Zezé (José), Hely e Gegenia (Maria Eugenia).

    O snr Rodolfo, ás vezes, convidava D. Mariquinha par ver o adiantamento de seus alunos:

    - D. Mariquinha (dizia ele, carregando no S) venha ver o progresso de meus discípulos.

    E a levava até o salão da escola, onde se achavam seus filhos Selino e Antenor. Os outros estavam ausentes: Edmundo, o masi velho, de treze anos, no Seminário. Em casa: Belinha, Zezé, Hely e Gegenia, a caçula, de cinco anos. No último banco, eu, João Edmundo e Leonidas. Em bancos da frente: João Mourão, Rodrigo Guedes, Bebeto (Felisberto Dayrell Júnior), Messias Lopes, Elias Perpétuo de Oliveira, Ninico Perpétuo (Antônio Honório Perpétuo), Junius de Almeida, Augusto Cesar e outros.

    O professor, para deslumbrar D. Mariquinha, foi chamando os alunos mais adiantados, fazendo-os ler trechos dos livros escolares do Barão de Macaúbas (Abilio Cesar Borges), Luziadas, de Luiz de Camões, dirigindo-lhes perguntas sobre Geografia e História do Brasil:

    - Quais são os principais rios de Minas?

    - Onde nasce o São Francisco?

    - Qual foi o primeiro Governador do Brasil?

    - Quem foi Caramurú?

    - Como morreu o Bispo D. Pero Fernandes Sardinha?

    Pegada á sala da escola, havia uma saleta, com uma cama, onde dormia o professor, uma mesinha de cabeceira, com uma bilha e um copo, uma pequena estante de livros e uma guarda roupa.

    O Snr. Rodolfo exigia que os alunos comparecessem á escola, aos domingos e dias santos, ás sete horas da manhã, para levá-los á missa, na igrja do Carmo, ou na igreja do Amparo. O menino que faltasse, sem causa justificada, era castigado no dia seguinte, meia dúzia de bolos.

    Como já referi numa crônica anterior, numa dessas manhãs, quando eu e meus irmãos nos dirigiamos á escola, que era então na rua do Bonfim, pegada á casa do Manoelzinho relojoeiro, ao passarmos eu, João Edmundo e Leonidas, em frente á Loja do Mota, o Grande Empório do Norte, o Joãosinho Moto gritou para nõs:

    - Ontem, altas horas da noite, atracaram-se aqui na porta da loja o Juca Amarante e seu mestre Rodolfo, que levou uma facada no peito.

    As aulas da escola começavam ao meio dia. Ao primeiro aluno que chegava, o snr. Rodolfo, saindo do quarto, entregava um pequeno embrulho, amarrado com um barbante (um patusco!) e uma bilha, dizendo-lhe:

    - Snr. f. atire este embrulho num canto da rua, sem ninguém ver e encha esta moringa de água no chafariz da Câmara e me traga.

    No salão da escola, viam-se, pregados na parede, dois retângulos de madeira ( a Longa e a Breve), diversas pinturas, com cenas da Vida do Filho Prodigo e a palmatória.

    Quando um menino pedia licença ao mestre para sair e demorar, levava a Longa; se a ausência seria curta, levava a Breve. E assim nunca havia fora da escola mais de dois alunos.

    Certa vez, em que o Messias Lopes saia com a bilha, para encher, disse-me ao ouvido:

    - Um aviso em segredo: Você nunca beve água no copo de seu Rodolfo.

    - Porque? perguntei eu.

    - Porque todas as noites, ao deitar, ele tira a dentadura e põe no copo dágua, na mesinha da cabeceira.

Tempos Idos ( Ciro Arno) Voz de Diamantina.