Loteria

16-03-2011 23:13

Loteria

O Armando de Carvalho era negociante em Diamantina, lá pelo ano de 1880.

A sua loja de fazendas, calçados e armarinho, com uma seção de ferragens, era conhecida em todo o norte de Minas, e abastecia toda aquela região que tinha comércio ecom a cidade mineira.

O Seu Armando era um homem muito austero e trabalhador e vivia para a loja e a família que residia no sobrado em cima desta.

Naquela época, por não haver estradas de ferro, todo o comércio era feito em lombo de animal, e Diamantina mandava e recebia mercadorias tanto para a Bahia como para Ouro Preto, a capital da Província.

A cidade ficou pois considerada o “Empório do Norte”, nome que os seus habitantes mantinham com muita ufania.

Por isso, quando se funda mais tarde a Casa Mota e Cia, foi colocado na fachada uma enorme placa, com os dizeres: “Ao Grande Empório do Norte”.

O Seu Armando estava convencido da justiça desse título, não só por orgulho de diamantinense, como por experiência própria, tendo em vista a grande prosperidade que vinha tendo a “Casa Carvalho” nos seus dez anos de existência.

Certa ocasião, o negociante entrou a pensar que seria muito interessante ampliar, o negócio, acrescentando-lhe uma seção de atracado para vender couros, sal e cereais. Para tanto, era necessário levantar um grande empréstimo, pois precisava construir um depósito amplo, com estrebaria anexa, para manter uns 20 ou 30 burros, necessários ao comércio com Ouro Preto e com todo norte de Minas.

Para este plano ele precisava de 50 contos – quantia considerável na época – que esperava obter a longo prazo, por intermédio das relações comerciais que tinha no Rio de Janeiro.

Resolvido a tentar o empréstimo, fez uma viagem á Capital do país. Contudo, depois de muitos entendimentos com uma certa casa bancária de judeus, só conseguiu o dinheiro, a juros elevados e o prazo de cinco anos, oferecendo, como garantia, três sobrados que possuía na cidade mineira e o aval de dois negociantes seus amigos.

Os lucros esperados deveriam cobrir perfeitamente os juros e amortização do capital.

Nessa época, o Seu Armando tinha como correspondente no Rio, a importante casa Vidal  Cia, estabelecida á rua do Ouvidor. Esta casa vendia para ele não só as próprias mercadorias, como outras da praça, enviando ao negociante, via Ouro Preto. Essas mercadorias, quase sempre chegavam sem avarias e com a possível presteza.

Levando em conta a grande dívida que fizera, o Seu Armando tomou o hábito de encomendar a “Vidal & Cia.”, todo o ano, um bilhete inteiro da loteria de S. João, cujo prêmio maior era 50 contos.

-                     Ainda hei de tirar o suficiente para pagar o resto da dívida, dizia ele á esposa, sempre que escrevia, pedindo o bilhete.

Infelizmente, porém, este saía invariavelmente branco e nem ao menos dava os prêmios menores.

Assim aconteceu durante três anos seguidos. Já faltavam apenas dois para ficar paga a dívida e aproximava-se o mês de junho, em que corria a loteria, Seu Armando pensou, ponderou bem o assunto e chegou á conclusão que estava fazendo despesa inutilmente com o tal bilhete que não dava nem o mesmo dinheiro. O resultado foi que desistiu e, naquele ano, não escreveu á casa fazendo a encomenda da loteria.

A dívida já estava tocando o fim e, com a economia que mantinha,não teria grandes dificuldades de pagar o resto, pois os juros já haviam diminuído com o decréscimo do capital.

Lá pelo mês de agosto recebeu uma carta de “Vital & Cia.”, o que logo reconheceu pelo nome da firma no envelope. Abriu-a e achou dentro um cheque de 50 contos, pagável em Ouro Preto.

A carta que o acompanhava era locônica e dizia: “Junto anexamos o cheque nº... pagável em Ouro Preto, contra a Casa Bancária...., referente ao prêmio que lhe coube por sorte na Loteria Federal. Na sua conta corrente debitamos 12$000 pelo preço do bilhete.

Atenciosamente

Vidal & Cia.,”

Seu Armando ficou estupefato. Pensou um pouco e antes mesmo de comunicar o fato á esposa, escreveu a seguinte carta que mandou logo por no correio, para aproveitar o estafeta que partiria aquela tarde mesmo, levando as malas postais de Diamantina,

“Sr. Vidal & Cia”.

“lamento o engano. A quantia que me enviaram por cheque pagável em Ouro Preto, não me pertence, porquanto este ano não encomendei nenhum bilhete. Devolvo-o anexo.

Saudações e agradecimentos.

Armando de Carvalho”.

Sabe-se que era grande o tempo que levava o correio naquela época. Seu Armando, como era natural, achou muita graça no caso e, durante meses, comentou-o com a esposa, os amigos, as visitas e com as demais pessoas da cidade que, sabendo do fato, indagavam a respeito.

Finalmente, três meses depois, já estando o caso quase esquecido, o Seu Armando recebeu nova carta de Vidal & Cia que dizia: “Prezado Senhor.

Recebemos a carta de V. S., devolvendo o cheque nº... contra a Casa Bancária... de Ouro Preto, com a afirmativa de não ter o direito ao dinheiro, por não haver encomendado o bilhete. Esclarecemos que este foi adquirido em seu nome, por sua conta e encerrado em um envelope especial. Procedemos assim por achar que talvez tivesse extraviado a carta que em V.S. nos tivesse feito a encomenda. Portanto, o mesmo que o bilhete fosse branco, debitariamos o valor dele na sua conta.

Desta forma, V.S. tem direito ao prêmio que lhe coube por sorte, e não nos conformamos com outra solução que de lhe entregar. Anexamos novamente o cheque pagável na capital dessa Província.

Atenciosamente saudações.

Vidal & Cia”.

O Seu Armando foi procurar a mulher e lhe disse simplesmente mostrando a carta:

       Cumpriu-se o que eu previra; pago o restante da dívida e ainda ficamos com muito dinheiro.

MOURÃO, Paulo Krüger Corrêa, Voz de Dtna, 1948.