O comércio Negro em terras diamantinas

13-09-2011 18:31

O Comércio Negro em terras diamantinas:
Práticas comerciais entre militares e quilombolas nas Minas Gerais do século XVIII
Francis Albert Cotta1
Resumo:
Nas Minas Gerais do século XVIII a relação entre as comunidades e os quilombos era marcada pela ambigüidade. Em
determinados momentos estabeleciam-se relações de tolerância e trocas. Todavia, quando os quilombos chocava-se com
interesses locais, ocorriam as delações e os corpos militares, encabeçados pelos homens-do-mato e pedestres, eram
acionados. Não eram desconhecidas dos moradores e autoridades as negociações ilícitas envolvendo taverneiros,
estalajeiros e quilombolas. Os negros fugidos trocavam ouro, diamantes e mesmo produtos de furtos e roubos por
mantimentos e outros objetos. A situação tornava-se ainda mais paradoxal quando este comércio era realizado entre
quilombolas e militares. De acordo com a legislação portuguesa, os militares eram proibidos de exercerem atividades
comerciais. Do ponto de vista da implementação das políticas lusitanas relativas à manutenção da ordem nas Minas, o
Comércio Negro – entendido como as práticas comerciais não autorizadas realizadas pelos negros que estavam em
situação irregular - atuava no sentido de inverter duplamente o que se esperava dos vassalos militares: cumprimento das
determinações régias e repressão aos quilombos. No presente trabalho, lança-se o olhar sobre a realidade da região
diamantina no século XVIII.
Militares e as redes de comércio
Ao analisar a sociedade mineira do século XVIII constata-se que vários vassalos com
patentes militares possuíam terras e envolviam-se em atividades comerciais. Suas articulações e
casamentos passavam por cálculos previamente realizados em que se pesavam os benefícios em
termos econômicos, bem como a possibilidade de aumento de suas redes de poder. Eles estariam
inseridos em redes de parentesco, amizade e compadrio. Um caso ilustrativo dessa situação é o
casamento do sargento-mor João Fernandes de Oliveira, realizado na década de 1740, no Arraial do
Tejuco, Comarca do Serro do Frio.
O sargento-mor João Fernandes, tendo ficado viúvo, casou-se com dona Isabel Pires
Monteiro, viúva do capitão-mor Luís Cerqueira Brandão e sogra de Alexandre Luís Souza e
Meneses, tenente dos dragões. O patrimônio da herança de dona Isabel consistia em seis fazendas,
trinta e seis escravos, centenas de cavalos e muitas cabeças de gado. João Fernandes tornou-se, por
empréstimo, sogro de um oficial de dragões, que supervisionava a reserva do Distrito Diamantino2.
O poder econômico dos oficiais de patente pode ser identificado no levantamento
realizado por Virgínia Maria Trindade Valadares (2002). Ao tratar das ocupações dos pais dos
alunos matriculados na Universidade de Coimbra que eram provenientes das Minas Gerais, entre
1700-1800, Virgínia constatou que: 46% eram militares (coronéis, capitães, tenentes, alferes e, na
maioria, sargentos-mores); 18% eram militares que desenvolviam outras atividades (proprietários
de fazendas, teares, alambiques, roças e animais, comerciantes, donos de minas de ouro, algumas
das quais com lavras nas próprias fazendas); 15%, fazendeiros e/ou comerciantes, proprietários de
lavras; 9% eram desembargador e/ou outros cargos; 6% exerciam atividades de mineração; e 6%
1 Doutor em História (História Social da Cultura) - UFMG. Professor na Faculdade de Filosofia e Letras de Diamantina. UEMG.
2 ESCRITURA feita no arraial do Tejuco. 22/11/1748. Arquivo Nacional Torre do Tombo. Desembargo do Paço, maço 1342, doc. 7.
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eram doutores. Para Virgínia, os postos de oficiais representavam considerável poder econômico,
autoridade política, alto estatuto social, fidelidade ao soberano e à defesa da monarquia3.
A posse de escravos, as redes de poder e o envolvimento na dinâmica econômica eram
características que podem ser visualizadas tanto em militares pertencentes aos corpos irregulares
(ordenanças) e auxiliares (milícias) quanto naqueles da tropa regular e paga (dragões)4. Exemplo de
uma trajetória bem sucedida de um militar da tropa paga é o caso do dragão Manoel da Silva
Brandão, que chegou ao posto máximo da hierarquia militar (brigadeiro), tornando-se um grande
potentado em Bambuí.
Quando foi institucionalizado o Regimento de Cavalaria das Minas Gerais, em 1775, o
filho de Minas Manoel da Silva Brandão5 assentou praça no posto de capitão a comandar a quinta
companhia6. Em 1782 era comandante do destacamento da serra diamantina de Santo Antônio de
Itacambiraçu7. Em 1798, obteve a sesmaria da Glória, entre o São Francisco e a Serra da Marcela,
com três léguas em quadra. Em 1817, já no posto de coronel, obteve a sesmaria do Urubu, com uma
légua quadrada8.
Sob as ordens do capitão Manoel da Silva Brandão, estava o tenente de dragões Antônio
José de Araújo, comandante do destacamento de Minas Novas. Ele recebeu a determinação do
governador da capitania para cobrir o caminho da Vila de Nossa Senhora do Bom Sucesso de Minas
Novas para a Serra de Santo Antônio de Itacambiraçu. Seu objetivo era facilitar a baldeação de
mantimentos de todo o distrito de Minas Novas e impulsionar a agricultura daquela região. O oficial
e sua patrulha saíam pela manhã de Minas Novas, pernoitava na passagem do Rio Jequitinhonha e
chegava à Serra pelas quatro horas da tarde, após percorrerem cerca de 14 léguas.
Na passagem do Jequitinhonha ficaram os soldados Agostinho Camargo e Miguel
Gonçalves Siqueira, com as missões de evitarem os extravios de ouro em pó e apoiarem na
cobrança dos direitos ao contrato de entradas. Para tanto, receberam um caderno a ser preenchido
com as entradas9.
Vários donos de fazenda na proximidade da Serra solicitaram a Dom Rodrigo a
preferência na compra de gêneros para o fornecimento ao destacamento que ali deixasse10.
Os vassalos encaravam as patentes militares como uma das possibilidades para
aumentarem seu poder e prestígio pessoal, além de usufruírem das prerrogativas e isenções
3 VALADARES, Virgínia Maria Trindade. Elites mineiras setecentistas, p. 348.
4 Sobre a dinâmica de funcionamento dos corpos militares na América Portuguesa ver COTTA, Francis Albert. No rastro dos Dragões:
universo militar luso-brasileiro e as políticas da ordem nas Minas setecentistas.
5 LISTAS das pessoas que se achavam presas em conseqüência das notícias de que se premeditava uma conjuração. Autos da
Devassa da Inconfidência Mineira. Vol. 7, p.54.
6 CARTA de Dom Antônio de Noronha ao Marquês de Pombal. Vila Rica, 13/1/1776. Arquivo Público Mineiro. SC. 211, fls. 86-86v.
7 CARTA de Dom Rodrigo a Martinho de Melo e Castro. Vila Rica, 24/6/1782. Arquivo Histórico ultramarino. Cx. 118. Doc. 51.
8 BARBOSA. Oliveira Viana e a formação histórica de Minas Gerais, p. 21-33
9 CARTA do tenente de dragões Antônio José de Araújo ao governador Dom Rodrigo José de Meneses. Vila de Bom Sucesso de Minas
Novas. 21/7/1782. Arquivo Histórico Ultramarino. Cx. 118. Doc. 51.
10 CARTA de Dom Rodrigo a Martinho de Melo e Castro. Vila Rica, 24/6/1782. Arquivo Histórico Ultramarino. Cx. 118. Doc. 51.
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atinentes aos postos. Teoricamente os patenteados deveriam residir nos distritos de suas respectivas
companhias. Aqueles que assim não procedessem perderiam as patentes. Os postos vagos seriam
ocupados por pessoas “que acudam à sua obrigação, porque de outro modo serão os seus
provimentos mais para a autoridade dos providos do que para a utilidade do Real Serviço e
benefício comum”11. Neste sentido, nota-se a tentativa, através da organização militar e da patente
militar, de fixar o vassalo à terra, uma das várias estratégias de controle. Por outro lado, militares
dos corpos auxiliares de das ordenanças figuravam como candidatos à arrematação dos contratos.
Ao contratador pertenciam todos os direitos pagos ao entrar pelos caminhos das Minas.
As condições para a arrematação dos contratos eram estipuladas pela Junta da Fazenda, através de
editais. O presidente da Junta era o governador da capitania, sendo o ouvidor um de seus membros.
No governo de dom Rodrigo José de Meneses (1780-1783), o arremate do contrato de entradas
teria sido feito de maneira suspeita por Joaquim Silvério dos Reis, por interferência do governador
da capitania. Para dom Rodrigo sua escolha foi justa, pois se achou entre os candidatos o
sargento-mor Joaquim Silvério dos Reis, um dos negociantes de comércio mais
avultado nesta capitania, que por melhor calculador, por conhecer mais a fundo os
interesses do mesmo contrato ou por poder ele mesmo com o seu próprio negócio avultar
o produto das entradas, ofereceu de repente cinqüenta contos de réis sobre o maior lance
que tinha aparecido12.
No governo de Luís da Cunha Meneses (1783-1788), os lançadores ou candidatos ao
contrato, foram o coronel Ventura Fernandes de Oliveira, o capitão-mor do termo de Vila Real do
Sabará Manoel José Pena, o capitão da cavalaria auxiliar José Pereira Marques e o capitão das
ordenanças Antônio Ferreira da Silva. O governador optou pelo capitão José Pereira Marques13. Três
anos após, Cunha Meneses novamente indicaria o então tenente-coronel José Pereira Marques como
contratador, fato que causaria oposição dos deputados da Junta da Fazenda, especialmente do
ouvidor Tomás Antônio Gonzaga14. A participação dos oficiais das ordenanças e auxiliares no
comércio não era uma especificidade de Minas Gerais.
Oficiais das ordenanças de São Paulo poderiam exercer livremente atividades ligadas ao
comércio15. Nos finais do século XVIII o governador de São Paulo ressaltava a capacidade dos
negociantes do comércio para exercerem os postos milicianos16. Todavia, no caso dos oficiais da
tropa paga, quando suas práticas comerciais chocassem com algum interesse divergente, a lei seria
evocada para punir o contraventor.
11 ORDEM de 29/8/1719. Revista do Arquivo Público Mineiro, 1911, XVI, p. 392.
12 CARTA de dom Rodrigo a Martinho de Melo e Castro. Vila Rica, 12/4/1782. Arquivo Histórico Ultramarino. Cx. 118. Doc. 24. Grifos
nossos.
13 CARTA de Luís da Cunha Meneses a Martinho de Melo e Castro. Vila Rica, 5/1/1785. Arquivo Histórico Ultramarino. Cx. 123. Doc. 2.
14 CARTA de Luís da Cunha Meneses a Martinho de Melo e Castro. Vila Rica, 6/3/1788. Arquivo Histórico Ultramarino. Cx. 128. Doc.
29.
15 ALVARÁ de 13/1/1724 apud LEONZO, Nanci. As companhias de ordenanças na capitania de São Paulo, p. 92.
16 CARTA de Antônio Manuel de Melo Castro e Mendonça a dom Rodrigo Souza Coutinho. São Paulo, 3/11/1799. Arquivo Histórico
Ultramarino. AHU_ACL_CU_023. Cx. 15. Doc. 722.
3
No início do século XIX o sargento-mor comandante da Brigada de Artilharia da Legião
de Voluntários Reais da capitania de São Paulo, Tomás da Costa Rebelo e Silva, fora tirado do seu
posto em virtude da acusação de “desacatar a lei que proibia os oficiais militares de comercializar”17
. O sargento-mor e o capitão-general de São Paulo eram acusados de negociarem gado em Mato
Grosso, extraviarem verbas dos cofres dos órfãos de Itú, além de proibirem a saída de gêneros de
São Sebastião e Ubatuba para outros portos que não o de Santos18.
De acordo com as prescrições do regulamento militar do exército português: “todo
oficial de patente assinada pela real mão seria reputado por nobre” e não poderia executar espécie
alguma de emprego, nem fazer outro serviço que não fosse o Real Serviço. E se sucedesse “que
algum oficial envileça e desacredite o seu posto por um procedimento contrário a esta disposição
será expulso e declarado indigno de servir nos exércitos de Sua Majestade”19. Mas o abismo entre a
lei e as práticas concretas também podem ser vistas neste caso. Os dispositivos legais eram burlados
não somente na América Portuguesa.
No início da década de 1770, o rei foi informado que soldados das tropas regulares das
guarnições de Lisboa, da província de Estremadura e de outras partes do reino se faziam
transgressores das leis por realizar:
uma estranha prevaricação das indispensáveis obrigações que tem de auxiliarem os
magistrados e oficiais da justiça e fazenda por mim empregados na conservação da paz
pública e na arrecadação dos direitos e impostos de minha Coroa (...) fazendo os
sobreditos soldados ora traficantes de mercadorias, ora contrabandistas de gêneros
proibidos, ora descaminhadores dos direitos e despachos20.
Como forma de punição o rei determinava que os soldados transgressores ficariam
privados do foro militar a fim de serem castigados como réus do crime de lesa-majestade21.
Destaca-se, neste sentido, a importância dada ao foro militar.
Ao tratar do uso do foro militar na América Espanhola por militares que estavam
ligados às práticas comerciais, Lyle Mc Alister (1982) ressalta que tal prerrogativa concedia uma
parcela de poder nada desprezível, assim como certo grau de proteção oficial sumamente útil em
suas transações comerciais, além de incrementar o controle sobre seus trabalhadores e suas
propriedades22.
17 REQUERIMENTO de Tomás da Costa Rebelo e Silva ao Príncipe Regente. São Paulo, 10/4/1800. Arquivo Histórico Ultramarino.
AHU_ACL_CU_023. Cx. 15. Doc. 731.
18 CARTA do ex-governador de São Paulo, Antônio Manuel de Melo Castro e Mendonça, ao Príncipe Regente sobre as acusações
falsas do Padre Antônio Ribeiro Cerqueira contra o seu governo e o seu ajudante de ordens Tomás da Costa Rabelo e Silva,
solicitando punição contra as injúrias. Lisboa, 17/8/1804. Arquivo Histórico Ultramarino. AHU_ACL_CU_023. Cx. 23. Doc. 1061.
19 LIPPE, Conde de. Regulamento para a cavalaria (1764), Cap. XIII, 7.
20 ALVARÁ de 14/2/1772. Arquivo Histórico Militar. Lisboa. Div/3/3/2/3. Grifos nossos.
21 ALVARÁ de 14/2/1772. Arquivo Histórico Militar. Lisboa. Div/3/3/2/3.
22 MC ALISTER, Lyle. El fuero militar em Nueva España. 1764-1800. Apud FERNANDÉZ, Marchena. Ejército y Milicias. p. 187.
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Na América Portuguesa os vassalos pertencentes às milícias utilizavam seu “privilégio
militar”23 nas relações comerciais. Entre os privilégios estavam: o foro militar - julgamento por
Conselho de Guerra (alvará de 21 de outubro de 1763); isenção de contribuir com fintas, taxas e
outros encargos ou tributos impostos pelas câmaras (alvará de 24 de novembro de 1645); gozar dos
privilégios dos soldados pagos; isenção dos serviços a que eram obrigados as ordenanças; não
poderiam embargar-lhes bestas e carros; não se poderiam tomar ou embargar-lhes casas, adegas,
estrebarias, pão, vinho, palha, cevada, galinhas, gado ou outros gêneros (alvará de 1645); era isento
do serviço da tropa de linha o único filho, ou no caso de dois, o miliciano poderia escolher qual
serviria (alvará de 1º de setembro de 1800); não seria constrangido a servir em cargos públicos
contra a vontade (alvará de 1645, decreto de 22 de março de 1751); não seria preso em enchovia,
dando-lhe prisão mais decente24.
A região diamantina e a tentativa de controle
Os pedestres
Na região da extração dos diamantes das Minas Gerais existiam dois tipos de corpos
militares pagos pela Coroa portuguesa: os pedestres e os dragões. Esses militares tinham como
atribuição atuar no controle dos garimpeiros clandestinos, contrabandistas e vendilhões que
andavam pelas lavras.
Na década de 1770, o alvará que regulamentava a distribuição das terras diamantinas
determinava a extinção das companhias de pedestres
devendo os mineiros por uma cotização feita a seu arbítrio prover a formação de corpos de
pedestres ou capitães-do-mato, que sirvam com em todas as comarcas e terrenos da
Capitania das Minas diligências relativas à prisão de escravos fugidos, contrabandistas,
vendilhões, que contra as leis andarem pelas lavras. O que tudo só fará de acordo com o
Intendente Geral das Minas e cuja disposição devem ficar. O Intendente ajuntará os
mineiros e os consultará sobre os mais de proceder a um estabelecimento tão útil a todos25.
A que tudo indica os mineiros não arcaram com a despesa da constituição dos corpos de
pedestres, pois as companhias existentes na região diamantina eram pagas pela Coroa portuguesa. A
primeira companhia de pedestres, designada Companhia da Intendência, era composta por
cinqüenta e cinco soldados, estava subordinada à Intendência dos Diamantes e ficava à disposição
dos intendentes e caixas da administração dos diamantes26. Era composta, em sua maioria, por
soldados cativos, cujo fardamento consistia em calças e camisas de algodão. Os soldos a serem
pagos aos soldados pedestres cativos eram transformados em jornais e repassados pela Intendência
diretamente aos proprietários dos soldados, na maioria caixas da Intendência. Os soldados pedestres
23 Termo utilizado na documentação coeva ao se referir ao foro militar . ALVARÁ de 21/10/1763. Item 5º. Regula as jurisdições civis e
militares. Arquivo Histórico Militar. Lisboa. Div/3/3/2/2.
24 LEIS pertencentes aos milicianos. Miscelânea de impressos. 1516-1752. Arquivo Histórico Militar. Lisboa. Div/3/3/2/1.
25 ALVARÁ que regulamenta a distribuição das terras diamantinas, incentiva novas descobertas com critérios em função da decadência
do ouro. §25. Posterior à 1772. Arquivo Histórico Ultramarino. Cx. 11. Doc. 82.
26 ORDEM de 3/6/1776. Biblioteca Nacional de Lisboa. Coleção Pombalina. 643, fl. 132.
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cativos recebiam apenas uma porção de farinha seca, “mas o seu maior sustento viria do lucro com
o extravio que encobrem”27.
O segundo corpo de pedestres era conhecido por Companhia da Administração. Era
subordinado diretamente ao governo da capitania, sendo pago pela Fazenda Real. Seu efetivo era de
quarenta e nove soldados, na maioria cativos. Eram fardados e equipados, e estavam sujeitos ao
quartel-mestre do Regimento de Dragões das Minas, de quem recebiam os soldos e munições
(QUADRO 1).
QUADRO 1
Relação do pagamento que se faz aos oficiais e soldados da companhia de pedestres do contingente do Serro
do Frio. 1785
Efetivo/despesa Por ano a cada um Total por ano
1 capitão-mor 160$000 160$000
1 alferes 72$000 72$000
1 cabo 72$000 72$000
50 soldados 72$000 3.600$000
Três quartas de farinha por mês a cada praça, que importam por ano 477
alqueires
$750 357$750
Total 4.261$750
Fonte: Biblioteca Nacional de Lisboa. Coleção Pombalina. 643, fl. 133v.
Cada companhia era comandada por um capitão, apelidado de “capitão-mor”, com
patente passada pelo governador das Minas, “não obstante serem homens pardos de pé descalço, e
de conduta igual aos seus mesmos soldados, com exceção de serem forros”28.
Partindo de sua experiência como governador da capitania de Goiás (1778-1783) e de
sua formação militar, Luís da Cunha Meneses, então governador das Minas Gerais (1783-1788),
considerava que um bom corpo de pedestres seria constituído por “homens-do-mato forros com
caráter de soldados, bem regulados e disciplinados, formando uma só companhia, e com oficiais
brancos, à imitação da companhia da capitania de Goiás”29. Também faziam parte dos pedestres os:
“crioulos, cabras e negros da nação”30. Algumas denúncias eram feitas contra os procedimentos dos
pedestres.
Em 1784 Luiz de Brito Caffe, morador no Arraial do Tejuco alegava ter sido preso
injustamente pelo capitão de pedestres Manuel da Fonseca e levado à presença do Intendente.
Algumas pessoas haviam informado ao tenente sobre o bom procedimento de Luiz. Por sua vez,
27 INSTRUÇÕES para o Visconde de Barbacena. Salvaterra de Magos, 29/1/1788. Biblioteca Nacional de Lisboa. Coleção Pombalina.
643, fl. 179v-180.
28 CARTA de Luís da Cunha e Meneses a Martinho de Melo e Castro. Vila Rica, 9/10/1785. Biblioteca Nacional de Lisboa. Coleção
Pombalina. 643, fl. 132.
29 CARTA de Luís da Cunha e Meneses a Martinho de Melo e Castro. Vila Rica, 9/10/1785. Biblioteca Nacional de Lisboa. Coleção
Pombalina. 643, fl. 133.
30 Ivana Parrela (2002), ao estudar os conflitos que se desenrolaram na Serra de Santo Antônio de Itacambiraçu na década de 1780,
identificou os seguintes pedestres: Francisco Crioulo, Francisco Mina, Domingos Benguela, Nicolau Cabra, Antônio Crioulo, Jerônimo
Crioulo e Ascênio Cabo Verde. APM. SC. 236, fl. 36v-39 apud PARRELA, Ivana. O teatro das desordens, p. 96-97.
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Luiz afirma que o tenente “não perdia oportunidade de fazer mal e de se vingar, atropelando a razão
e a justiça despoticamente”. O oficial acreditava mais no “cabra capitão-mor dos pedestres do que
em quantos os brancos haviam nestes arraiais e, que finalmente os havia de ensinar”31.
Os Dragões
O controle do território
A cartografia foi uma estratégia dos governantes e dos militares para controlar o
território dos diamantes. Data de 1724 o “Borrão para fazer um mapa da comarca do Serro Frio”,
nele são destacados os seus principais caminhos de acesso além da incipiente divisão administrativa
da região32. Com a comunicação oficial da descoberta dos diamantes na região do Serro do Frio, o
capitão de dragões José Rodrigues de Oliveira, em 1731, elaborou a “Carta topográfica das terras
entremeias do sertão e distrito do Serro do Frio com as novas minas de diamantes”33. O dragão
realizou a representação dos principais caminhos e rios que davam acesso à região diamantina. Data
do mesmo período o anônimo “Mapa da demarcação da terra que produz diamantes”34, que situa a
Vila do Príncipe e os principais arraiais.
A partir da década de 1770 a cartografia mineira começou a destacar a localização das
frações militares dos dragões e pedestres, preocupando-se em representar os quartéis, registros,
destacamentos, guardas e patrulhas35. No “Mapa da Demarcação Diamantina”, elaborado em 1776,
representam-se os arraiais, quartéis, rios e os principais caminhos36.
Sob o governo de dom Antônio de Noronha (1775-1780) o cabo-de-esquadra dos
dragões Joaquim José da Rocha, recebeu determinação para elaborar mapas das Minas Gerais. O
dragão percorreu todo o território mineiro a elaborar um mapa da capitania com a divisa de suas
comarcas, além de quatro mapas representativos das comarcas de Vila Rica, Serro do Frio, Rio das
Mortes e Sabará37.
Joaquim da Rocha era conhecedor da realidade cotidiana dos caminhos das Minas, pois
servira, por cerca de vinte e dois anos, nas antigas companhias de dragões. Em seus mapas,
identificam-se em minúcias a localização exata dos destacamentos, guardas, patrulhas e registros
existentes na capitania (QUADRO 2).
Em 1780, sai do compasso de José Joaquim da Rocha o mapa intulado “Mostra-se neste
mapa o julgado das cabeceiras do Rio das Velhas e parte da capitania de Minas Gerais com a
31 CARTA de Francisco Gomes da Rocha ao governador Luís da Cunha. Arraial do Tejuco, maio de 1784. Arquivo Histórico
Ultramarino. Cx. 128. Doc.1.
32 Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. CEH 3192.
33 Arquivo Histórico do Exército. Rio de Janeiro. Loc.: 06.01.1135. A despeito da descoberta dos diamantes datar de 1713 a 1714, dom
Lourenço somente comunicou o fato à Coroa portuguesa por volta de 1729. Cf. CAMPOS, Maria Verônica. Governo de mineiros, p.
304-307.
34 Arquivo Histórico Ultramarino. 247/1153.
35 CARTA topográfica das terras diamantinas. Arquivo Histórico do Exército. Rio de Janeiro. CEH 3189. Loc.: 1132.
36 Arquivo Histórico do Exército. Rio de Janeiro. CEH 3190. Loc.: 05.05.1109.
37 Arquivo Histórico do Exército. Rio de Janeiro. MHEB. Loc.: 06.01.1151; 05.05.1111; 05.05.1114; 05.05.1115.
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divisa de ambas as capitanias”38. Nele, o militar realiza a representação das guardas existentes na
divisa de Minas Gerais e Goiás. Pontua os caminhos, rios, serras, vilas, além de dar a conhecer
novas guardas. No caso da capitania de Goiás destaca a localização de diversas guardas, rios e
serras.
A representação dos quartéis nos mapas prosseguiu nas décadas de 1780 e 1790. Em
1784, Antônio Pinto de Miranda elaborou o “Mapa da Demarcação Diamantina” acrescentado até
o Rio Pardo. Na explicação do mapa, o autor esclarece que “os quartéis são notados com uma
bandeirinha em cima da comieira”39. No Mapa de toda a extensão da Campanha da Princesa,
elaborado por Francisco Sales, por volta de 1799, destaca-se o Rio Grande e seus afluentes; as
distâncias das povoações entre si; a localização dos portos, por onde se pagam os direitos, e os
registros40. Nas décadas de 1770 a 1790, elaboram-se, sob diversas formas, representações
iconográficas dos quartéis, registros, patrulhas e guardas.
QUADRO 2
Destacamentos militares da capitania de Minas Gerais. 1778
COMARCA COMANDÂNCIA GUARDA/REGISTRO/PATRULHA
Vila Rica Vila Rica Cachoeira do Campo Espera
Rio das Mortes Vila de São João
Guarda da Intendência do Rio das Mortes Guarda do Pinheirinho
Registro da Mantiqueira Guarda do Toledo
Registro do Itajubá Guarda do Garambeo
Registro do Jaguari Guarda de Picada da Auiruoca
Registro do Ouro Fino Patrulha do Caminho Novo
Registro do Jacuí
Guarda de Matias Barbosa
Guarda da Paraibuna
Rio das Velhas
Sertão
Guarda da Intendência do Sabará Guarda dos Macacos
Registro das Sete Lagoas Guarda do Riacho da Areia
Registro do Jequitibá Guarda da Tapera do Saco
Registro do Zabelé Patrulha de Venda Nova
Registro do Ribeirão da Areia
Paracatu
Guarda do Rio da Prata Registro de Santo Antônio
Guarda de São Romão Registro de São Luiz
Guarda do Porto do Bezerra Registro dos Olhos d’Água
Registro do Nazaré Guarda da Catinga
Registro de Santa Izabel Guarda do Rio da Marmelada
Serro do Frio
Tejuco
Guarda da Intendência da Vila do Príncipe Guarda da Gouveia
Destacamento do Tejuco Guarda da Picada
Registro do Galheiro Guarda das Três Barras
Registro do Rabelo Guarda do Rio Pardo
Registro do Caeté Mirim Guarda da Chapada
Registro da Inhacica Guarda do Andaiá
Registro do Pé-do-Morro Guarda do Inhaí
Guarda do Milho Verde Guarda do Rio Manso
Guarda da Paraúna
Minas Novas
Destacamento de Minas Novas Guarda do Itacambiruçu
Registro de Jequitinhonha Guarda do Tocaio
Registro de Itacambira Guarda da Conceição
Guarda do Rio Pardo Guarda de Simão Vieira
Guarda da Gurutuba Guarda de Santa Cruz
Fonte: COTTA, Francis Albert. No rastro dos Dragões: universo militar luso-brasileiro e as políticas da ordem nas Minas
setecentistas, p. 250.
O conhecimento dos rios seria uma questão estratégica para os governantes e para os
militares. A tentativa de controle dar-se-ia através da montagem de portos por onde se cobravam as
38 CARTOGRAFIA das Minas Gerais. Da capitania à província. MI. Inv. N.º 1590.
39 Arquivo Histórico do Exército. Rio de Janeiro. CEH 3191, loc.: 2087.
40 Arquivo Histórico Ultramarino. 263/1170.
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passagens. As guardas ali montadas eram formadas por dragões e pedestres. A constituição de um
saber hidrográfico seria constituída por meio da junção de relatos, cartas hidrográficas e roteiros,
elaborados por representantes da Coroa portuguesa, vassalos militares e sertanistas.
Na década de 1730, Diogo Soares elaborou quatro cartas hidrográficas representativas
da região de Minas Novas, Distrito dos Diamantes do Serro Frio, região das minas de ouro e região
da Zona da Mata. O primeiro trata da região entre os rios Jequitinhonha e Araçuaí; o segundo abarca
a região entre os rios Araçuaí, Jequitinhonha e Rio das Velhas; o terceiro abrange a região entre o
alto Rio Doce (Ribeirão do Carmo), o Rio das Velhas, Rio Paraopeba, Rio Pitangui e o Rio São
Francisco; por fim, o quarto mapa é representativo da região do alto Rio Doce, Rio das Velhas e Rio
Paraopeba41.
Em 1787, o mapa intitulado “Demarcação Diamantina com dezoito léguas de
comprimento, que fazem uma circunferência de cinqüenta e uma léguas”42 nomeou, a partir dos rios
Jequitinhonha, Pardo Grande, Pardo Pequeno e Paraúna, os 142 córregos existentes na região da
Demarcação Diamantina.
Os quilombolas
Durante todo o século XVIII, as câmaras, moradores e capitães-generais pontuaram a
relação entre os quilombolas e as comunidades. O estabelecimento de homens-do-mato estaria
diretamente relacionado à manutenção da ordem pública43.
Em 1720, os moradores de Sabará se achavam “notavelmente oprimidos com os grandes
insultos que os negros do mato, que se acham aquilombados naquele distrito, cometiam fazendo
roubos e mortes aos passageiros que iam da vila às roças”44. Na década de 1740, os moradores
denunciavam que a freguesia de Forquim estava “vexada de negros quilombolas que saíam à
estrada, aos sítios e às casas dos moradores”45. Em 1754, os quilombolas eram acusados das mortes
de bois e porcos na região de Vila Rica46. No início da década de 1780, os capitães-mores da
capitania de Minas Gerais receberam determinação para “extinguir as continuadas desordens e
delitos praticados por quilombolas que continuavam infestando as estradas públicas e assaltando os
viandantes”47.
41 Arquivo Histórico Ultramarino. 265. 1174; 1172; 1173; 1175.
42 Arquivo Histórico Ultramarino. 1167. 260.
43 CARTA de dom Pedro de Almeida, capitão-general da capitania de São Paulo e terras das Minas do Ouro, em resposta a provisão
de Dom João V, sobre a necessidade da criação do cargo de capitão-do-mato com respectivo prêmio nas terras das Minas do Ouro,
em virtude da representação que havia feito o ouvidor geral do Rio das Velhas sobre se ter levantado vários mocambos que
ameaçavam a grande ruína os moradores das minas. Vila Rica, 7/06/1719. Arquivo Histórico Ultramarino. Cx. 2. Doc. 22.
44 PATENTE de capitão-mor-do-mato passada a João Ferreira Guimarães. Vila Rica, 19/8/1720. Arquivo Público Mineiro SC. 12, fl. 85v.
45 PATENTE de capitão-do-mato passada a Antônio Mendes Pereira. Vila Rica, 29/11/1743. Arquivo Público Mineiro. SC. 74, fl. 166.
46 PATENTE de sargento-mor-do-mato passada a José da Guerra Chaves. Vila Rica, 23/4/1754. Arquivo Público Mineiro SC 114, fl. 9v.
47 CARTA-CIRCULAR do governador Dom Rodrigo José de Meneses a todos os capitães-mores das Minas. Vila Rica, 23/11/1780.
Arquivo Público Mineiro. SC. 226, fl. 1v.
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Em função das demandas locais, a Coroa construiu um arcabouço legal que previa o
recrutamento dos moradores para combater os quilombos; o pagamento da tomadia de 20 oitavas de
ouro por quilombola; penas que iam da marca na espádua com ferro em brasa, passando pelo
decepamento da orelha; imposição de uma finta de 300 oitavas de ouro a serem repartidas entre
todos os moradores da área afetada pelo quilombo48.
As ações de destruição dos quilombos e a conseqüente manutenção da ordem pública
tornaram-se um negócio lucrativo a abrir portas para a obtenção de recompensas, além de
possibilitar reconhecimento e prestígio pessoal. Nas Minas, entre outros destacou-se o caso do
mestre-de-campo Ignácio Correya Pamplona, que, em função da destruição de vários quilombos,
recebera diversas sesmarias49.
Sílvia Hunold Lara (1996) destaca que, com vistas à obtenção de recompensas, narravase,
em tons épicos, os embates contra os quilombolas. Descrevia-se a composição das forças de
repressão, as dificuldades da guerrilha, o valor militar dos inimigos e as estratégicas adotadas para
as vitórias50. Nessa lógica em 1784, o mestre-de-campo regente Ignácio Correya Pamplona
descreveu a Conquista empreendida por sua Legião, composta por dois regimentos, um de cavalaria
e outro de infantaria, e por quatorze Esquadras do Mato, sobre o quilombo de Campo Grande e suas
ameaças na região da Comarca do Rio das Mortes.
Militares e quilombolas
As relações entre os quilombolas e as comunidades eram marcadas pela ambigüidade:
ora estabeleciam-se relações de comércio entre eles, ora ocorria a denúncia. Moradores se
queixavam de “taverneiros e estalajeiros” que acolhiam calhambolas e negociavam com eles os
produtos dos seus roubos51. Essa situação também se estendia aos comerciantes com patentes
militares.
Em 1782 o alferes de dragões Pedro Gomes Barbosa, após receber ordens do
governador das Minas Gerais e do Intendente Geral do Distrito Diamantino João da Rocha Dantas
organizou sua patrulha, composta por dragões e por seis pedestres. Durante a realização das
atividades o oficial confeccionou um diário que foi remetido ao capitão de dragões José Luiz Saião.
48 Ordens régias de 20/10/1735; de 1/3/1741 e 12/6/1741; BANDO de 8/4/1764. Arquivo Público Mineiro. SC. 50, fl. 34v-35v, 80-82v;
90-96v. Apud GUIMARÃES, Carlos Magno. A negação da ordem escravista.
49 Para a trajetória de vida de Pamplona ver: MELLO E SOUZA, Laura. Violência e práticas Culturais no cotidiano de uma expedição
contra quilombolas. Minas Gerais, 1769.
50 Sílvia Hunold Lara (1996) destacou a necessidade da construção de uma narrativa de “uma empresa tão difícil” realizada “com valor”
e conseguida por “fortuna” de determinado vassalo, bem como dos “danos” e “estragos “ causados pelos quilombolas. LARA, Sílvia
Hunold. Do singular ao plural, p. 82.
51 REPRESENTAÇÃO dos moradores de Vila Rica, 28/4/1756. Arquivo Público Mineiro. CMOP, 65, fls. 239v-241. Apud RAMOS,
Donald. O quilombo e o sistema escravista, p. 185.
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O alferes Pedro Gomes partiu do arraial do Tejuco tendo recebido determinações para
averiguar denúncias de vendas ocultas que abasteciam quilombolas. Os envolvidos nesta prática
seriam o alferes Antônio Muniz de Medeiros e o sargento-mor José Luís França.
Ao chegar na residência do alferes Antônio Muniz o comandante da patrulha recolheu
tudo o que se achava na venda e o alertou a não continuar com o comércio, pois caso contrário,
seria preso. Em sua defesa, o alferes Antônio afirmou que a venda era para os seus negros e não
vendia a outros. O comandante da patrulha não ficou convencido, pois na venda possuía “toda
qualidade de alimentos e com muita abundância”. Outro fato que corroborava a idéia da venda ser
utilizada por negros fugidos era a existência de um quilombo ao pé de sua casa. Com medo de
serem expulsos do destacamento nenhum cabo ou soldado denunciava o alferes.
Na casa do sargento-mor José Luís França os pedestres e dragões achou-se uma venda,
onde encontraram um rolo de fumo e cinco barris de aguardente, que estariam enterrados. O
comandante da patrulha teria quebrado os barris de aguardente e orientado ao sargento-mor que
cessasse aquele comércio52.
Por ter notícias que negros andavam trabalhando nas areias o comandante foi patrulhar
no Córrego da Bandeirinha53. Deparou-se com dois negros que, ao avistarem a patrulha, correram
para a outra parte do córrego. Os pedestres, querendo-lhes impedir a fuga, atiraram na “direção das
pernas, mas como um dos fugitivos escorregou, o tiro acertou na cabeça, caindo morto. Estes negros
trabalhavam com o consentimento dos administradores e feitores”54.
Ao ser informado de um quilombo, o comandante da patrulha mandou averiguar.
Todavia, nada encontrou, pois os quilombolas foram avisados pelos moradores de uma fazenda que
estava próxima - “como é costume, pois a maior parte dos quilombos estão ao pé de fazendas para
destas serem providos de mantimentos e terem aviso de qualquer movimento”. À noite, os negros
fugiram, e pela madrugada nenhum mais havia. Os pedestres seguiram os rastros durante todo o dia,
porém não os alcançaram no caminho. No dia seguinte a patrulha encontrou os ranchos. Cada
quilombo tinha nove ranchos grandes que pareciam arraiais, um defronte do outro.
O comandante da patrulha dos dragões solicitava ao governador das Minas seis
pedestres a fim de reprimir os garimpeiros clandestinos e quilombolas. Os garimpeiros diziam que o
oficial iria “abrandar e ficar manso como os outros” mas o alferes afirmava ao governador que com
ele não haveria de ser assim55.
52 DIÁRIO do alferes de Dragões Pedro Gomes Barbosa ao capitão de dragões José Luís Saião. Quartel da Gouveia, 15/6/1782.
Arquivo Histórico Ultramarino. Cx. 118. Doc. 50.
53 Tal fato não constituía uma novidade, pois desde a década de 1740 já se tinha “averiguado o serviço furtivo de quatro ou cinco
negros, visto pela Esquadra da Gouveia, trabalhando no Córrego da Bandeirinha”. Carta de Alexandre Luís Souza e Meneses ao
capitão-general das Minas Gomes Freire de Andrade. 26/7/1746. Arquivo Público Mineiro. SC. 75, fl. 89.
54 DIÁRIO do alferes de dragões Pedro Gomes Barbosa ao capitão de dragões José Luís Saião. Quartel da Gouveia, 15/6/1782.
Arquivo Histórico Ultramarino. Cx. 118. Doc. 50.
55 Ibidem.
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QUADRO 3
Quilombos na comarca do Serro do Frio - Século XVIII
Local Data Seção colonial do Arquivo Público Mineiro
Serro Frio 1722 Cód. 21, p. 89 e v. 113v e 114
Tejuco 1731 Cód. 56, p. 131v-133
Arassuaí 1745 Cód. 74, p. 185v -186
Demarcação Diamantina 1752 Cód. 93, p. 234 e v
Demarcação Diamantina 1753 Cód. 107, p. 37v-40v
Andaiá 1759 Cód. 123, p. 115v
Arassuaí 1774 Cód. 203, p. 52-53
Serro 1782 Cód. 224, p. 215-217v
Itamarandiba 1785 Cód. 241, p. 70v-71
Fonte: GUIMARÃES, Carlos Magno. A negação da ordem escravista, p.182-186.
QUADRO 4
Comandâncias do Tejuco e Minas Novas. Comarca do Serro do Frio - século XVIII
COMARCA COMANDÂNCIA GUARDA/REGISTRO/PATRULHA
Serro do Frio
Tejuco
Guarda da Intendência da Vila do Príncipe Guarda da Gouveia
Destacamento do Tejuco Guarda da Picada
Registro do Galheiro Guarda das Três Barras
Registro do Rabelo Guarda do Rio Pardo
Registro do Caeté Mirim Guarda da Chapada
Registro da Inhacica Guarda do Andaiá
Registro do Pé-do-Morro Guarda do Inhaí
Guarda do Milho Verde Guarda do Rio Manso
Guarda da Paraúna
Minas Novas
Destacamento de Minas Novas Guarda do Itacambiruçu
Registro de Jequitinhonha Guarda do Tocaio
Registro de Itacambira Guarda da Conceição
Guarda do Rio Pardo Guarda de Simão Vieira
Guarda da Gurutuba Guarda de Santa Cruz
Fonte: COTTA, Francis Albert. No rastro dos Dragões: universo militar luso-brasileiro e as políticas da ordem nas
Minas setecentistas, p. 250.
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