O contratador de Diamantes

22-04-2011 13:39

    As minas de diamantes do Tijuco (hoje Diamantina) foram, no século 18, as minas mais ricas do mundo. Seus diamantes eram os mais límpidos e os mais caros do planeta: nem os da Índia ou os do Cabo se lhes igualavam sequer.

    A extração do diamante começou a ser feita no Tijuco, mediante contrato, a contar de 1739. O contratador podia minerar um certo número de grupiaras e empregar no serviço até 600 escravos, devendo pagar á Metrópole, anualmente, 240$000 por escravo.

    Esse imposto chamava-se capitação; os escravos que trabalhavam por conta do contratador, chamavam-se capitados. O contrato durava 4 anos. O contratador não devia permitir que mais ninguém minerasse. Para isso podia praticar toda sorte de violências, - manter até vigias e espiões, que se encarregassem de denunciar os garimpeiros.

    O terceiro contrato da mineração de diamante coube a Felisberto Caldeira Brant, brasileiro, cavalheiro de raros predicados morais, homem de grande nobreza de sentimentos, como veremos no decurso desta verídica história.

    Felisberto Caldeira começou sua vida minerando em Vila Boa (Goiás). Aí começou a fazer seu cabedal. Depois foi para Paracatu, em nosso Estado, cujas minas acabavam de ser descobertas. Tão feliz foi na exploração dessas lavras que veio a adquirir riqueza fabulosa. Basta dizer que cada escravo seu colhia por dia 17 oitavas de ouro.

    Mas Felisberto era ambicioso e ousado. Confiado em sua boa estrela, resolveu atirar-se a empresas mais arrojadas e lucrativas, que lhe permitissem decuplicar o seu considerável cabedal. Associou-se para isso a mais três irmãos (Sebastião, Joaquim e Conrado).

    Tendo ido em hasta pública o terceiro contrato das minerações do Tijuco, Felisberto arrematou-o, organizando em seguida poderosa companhia, de que foi o principal quinhoeiro - a Companhia dos Diamantes.

    No tempo dos antecessores de Felisberto, isto é, por ocasião do primeiro e do segundo contrato, a vida no Tijuco era uma calamidade. Ninguém podia minerara senão os escravos do contratador. As pessoas pobres, que iam ocultamente faiscar nas grupiaras, eram denunciadas, perseguidas e presas, além de confiscados seus bens: o contrato era um monopólio odioso.

    Não sucedeu assim no tempo de Felisberto Caldeira. Embora com prejuízo de seus interesses, Felisberto Fechava os olhos e deixava que minerassem em suas grupiaras, permitindo, assim que muitas famílias pobres fossem vivendo de catear. Por isso Felisberto tornou-se logo benquisto de todos. O povo do Tijuco adorava-o, como se ele fosse um rei pequeno.

    Felisberto, sempre favorecido do destino, prosperou tanto que veio a tonar-se milionário muitas vezes. Sua Baixela era de ouro e prata. Os vestidos de sua senhora e filhas eram mandados vir de França. Em sua casa realizavam-se bailes (saraus) no meio da maior pompa e esplendor. Dançava-se uma dança especial daquela época muito graciosa e elegante - o minueto. Dançava-se também o cotilhão.

    As modas e vestuários usados naquela época eram muito diferente dos usados hoje.

    Os homens usavam cabelo trançado em forma de rabicho, rematado na ponta por uma laçada de gorgorão: chapéu de três pancadas, camisa pregueada, gonilha de lenço brnco bordado, colete de setim macau, casaca compridad de veludo de cor, calção largo de seda ou de veludo apertado por fivela de ouro na altura dos joelhos, meias compridas de seda, sapatos pretos com fivelas de ouro ou prata, espadim com bainha de ouro.

    As mulheres usavam na cabeça uma touca de seda branca com borlas de fios de ouro, saias de grande roda e grande cauda, anquinha, espartilho, sapato de bico repuxado pra cima e altos saltos de madeira, brincos pesados e grandes. Empoavam os cabelos de polvilho. Iam á missa  transportadas em liteiras, puxadas por escravos vestidos de libré.

    Isso concorreu muito para aperfeiçoar os costumes do Tijuco. As principais famílias começaram a cuidar esmeradamente da educação de suas filhas, mandando vir de fora professores de dança, de canto, de música, de etiqueta, além dos de língua e gramática. Dos arraiais de Minas era o Tijuco o de maior luxo e civilização. Ainda hoje, quando o povo de Diamantina se refere a esse tempo, diz, suspirando:

- Ah!... o tempo dos Caldeiras...

    Dois fatos, porém, vieram aniquilar a riqueza e a felicidade desse homem, que, de milionário muitas vezes, acabou pobre e indigente,

    Foi roubado o cofre da Intendência, onde se achava depositada grande soma em diamantes; o roubo deu-se por forma tão misteriosa que até hoje não se sabe o autor. Só há suspeita. Faltando por isso a Felisberto o dinheiro, com que devia pagar o tributo anual devido á Real Fazenda, sacou uma letra de crédito, de 700 mil cruzados, a qual não foi paga. Á vista disso, veio a ordem de prisão contra ele.

    Outro fato foi a perseguição contra Felisberto, movida pelo ouvidor Bacelar, perseguição derivada do seguinte:

    Por ocasião das festas da Semana Santa achava-se em uma das igrejas do Tijuco (a igreja de Santo Antônio, hoje Sé Catedral), assistindo ao ofício religioso, a família de Caldeira, achando-se com ela uma moça mineira, muito prendada e formosa, parenta dos Caldeiras. O Ouvidor, querendo engraçar-se com a moça ali mesmo, e á vista de todos, atirou-lhe uma flor ao colo. A moça, como era natural, repeliu aquela liberdade, cheida de indignação. Felisberto, sabendo o que fora feito á sua parente, tomou a defesa desta, e veio esperar o ouvidor no adro da igreja. Ao sair este, Felisberto pediu-lhe a satisfações, exigindo uma explicação. O ouvidor, cheio de si, recusou a explicação. Então Felisberto, em desagravo da honra de sua família, sacou de um punhal e avançou contra o ouvidor, não chegando a feri-lo.

    A este resspeito correm três versões. A primeiro versão diz que não chegou a feri-lo, porque o ferro resvalou. a segunda versão diz que diversas pessoas intercederam para apaziguar a contenda, entre as quais o padre da frequesia. A versão mais correta é a terceira: diz que "na hora em que Felisberto sacou do punhal para ferir o ouvidor, apontou a procissão da Semana Santa, que vinha saindo da igreja; Felisberto (que era muito religioso), ao ver o padre sob o pálio carregando os santos óleos, ficou aterrado de cometer aquele desagravo em tal ocasião: deixou, por isso, cair o braço, que empunhava a arma".

    O povo dividiu-se em dois partidos: um, a favor de Caldeira; outro, a favor do Intendente, que se colocara ao lado do ouvidor.

    O ouvidor, abusando do cargo que exercia, começou desde esse dia a perseguir Felisberto, mandando ao governador da Capitania, e até a Portugal, cartas e ofícios caluniosos.

    Ora, nao tendo Caldeira entrado, por causa do roubo já referido e do não pagamento da letra, com a taxa anual devida, - era esse fato excelente pretexto para prendê-lo.

    Para isso o governador da Capitania dirigiu-se em pessoa ao Tijuco, levando consigo numeroso regimento de soldados (dragões). Felisberto ignorava que o governador vinha prendê-lo. Dirigiu-se ao seu encontro com as primeiras pessoas do lugar.

    No que foi ao seu encontro, o governador deu voz de prisão aos Caldeiras em nome de El-Rei.

    Então Felisberto, com as faces abrasadas de cólera, perguntou, em voz alta, que "crime cometera".

    A resposta foi ver-se cercado pelos dragões e efetivamente preso.

    No mesmo dia (31 de agosto de 1753), o ouvidor, seu rancoroso inimigo, mandou fechar, lacrar e selar as portas de sua residência. Antes disso, fez a família de Caldeira evacuar a casa, indo sua senhora e filhas pedir asilo em casa de parentes.

    No dia seginte era Felisberto Caldeira Brant arrancado dos braços de sua mulher e filhos, e levado, com as mãos acorrentadas, á Vila do Príncipe (Serro), escoltado por muitos soldados.

    Daí foi remetido para o Rio de Janeiro e embarcado para Lisboa.

    No dia seguinte ao de sua prisão, mandou o governador sequestrar todos os seus bens. Apesar de avaliados de propósito em emnos de seu real valor, o seu total montava a 2 milhões de cruzados, soma fabulosa para aqueles tempos, e que dava com muita sobra para pagar o que Felisberto devia. Só no cofre da Intendência foram encontrados 33.773 quilates de diamantes! Apesar de Caldeira ter direito á diferença, a maior, não lhe restituíram nada e ficaram com tudo. Sua mulher e filhos cairiam na miséria, se não fossem socorridos pelos parentes.

    Enquanto isso se dava no Tijuco, - em Lisboa era Felisberto Caldeira Brant encarcerado na enxovia do Limoeiro. Aí esteve preso, por espaço de dois anos. Era então rei de Portugal D. José I, e ministro do reino o Marquês de Pombal. Por mais que Felisberto rogasse a sua soltura, apresentando fiadores idôneos, que garantiriam a execução do resto do contrato, embora alegasse que já havia pago de sobra o que devia, entregando todos os bens, - o rei e o ministro foram surdos a seus justos reclamos.

    Parecia que Felisberto estaria condenado a ficar indefinidamente preso, quando uma circunstância inesperada lhe veio facultar a liberdade:

    No dia 1º de novembro de 1755 violento terremoto abalou a cidade de Lisboa. Os palácios aí construidos á custa do ouro do Brasil, e dos vexames que oprimiam a Colônia, fizeram-se em ruínas no curto prazo de cinco minutos, ficando reduzidos a um montão de entulho!

    A prisão, em que Felisberto se achava, abriu-se, como por encanto: suas paredes estavam fendidas de meio a meio. Viu-se por esse meio restituido á liberdade!

    Pois bem. Esse homem que era inocente, esse homem a quem a Coroa de Portugal devia aprte de seus bens sequestrados, esse homem que estava ansioso por cobrar de novo a liberdasde, era a tal ponto respeitador da lei(fosse embora uma lei injusta e odiosa), que, em vez de fugir, foi apresentar-se ao Marquês de Pombal:

- Senhor. A prisão que em encerrava, abriu-se por efeito do terremoto. Considero-me ainda preso. Digne-se Vossa Mercê ditar-me as suas ordens.

    O Marquês de Pombal admirou-se de tanta lealdade. Era incrível que o respeito á lei atingisse áquele ponto!

    - O senhor está livre. Pode ir.

    Nesse mesmo dia o Marquês de Pombal referiu o ocorrido a João Pereira Ramos, ao Bispo de Coimbra e ao general Godinho, todos brasileiros e residentes em Lisboa. Estes, condoendo-se da sorte de seu patrício, intercederam em seu favor, convencendo o Marquês de Pombal de sua inocência e do trama de intrigas e invejas, de que fora vítima. O ministro ordenou então que se procedesse á liquidação de suas contas e ao exame do sequestro de seus bens. Essa ordem não foi cumprida até hoje.

    Felisberto Caldeira Brant, enfermo gravemente dos maus tratos que recebera na prisão, foi tratar-se em Caldas da Rainha. Esperava restabelecer-se para então regressar ao seio de sua amada Pátria e de sua família. Mas tão alquebrado se achava por tudo que sofrera, que seu padecimentos em breve se agravaram. E o inditoso brasileiro cerrou os olhos em terra estranha, longe dos seus, pobre e desamparado, - ele, que fora o homem mais rico de toda a colônia!

Junior, Augusto de Lima , História dos Diamantes nas Minas Gerais.