O tesouro do Padre Brazão

26-05-2012 15:28

Na época colonial os mineiros mais abastados guardavam em casa peças e barras de ouro adquiridos na mineração ou no comércio clandestino. A coroa portuguesa estabeleceu o coeficiente de arrecadação em 100 arrobas do quinto do ouro. Não chegando à quantidade estipulada a Administração da colônia confiscava dos produtores o suficiente para completar a carga. O prenúncio do confisco na forma das derramas colocava os produtores em pânico. Muitos enterravam grande quantidade de ouro mantendo absoluto segredo, vindo depois a falecer. Daí que durante muito tempo as notícias sobre este ou aquele tesouro enterrado em determinado lugar foram verdadeiras.
Além da aquisição de metais preciosos os mineiros eram perseguidos por instalações de fábricas clandestinas de moedas de ouro.
Quanto aos diamantes a história registra situações mais drásticas. A coroa portuguesa explorava diretamente por intermédio da Intendência dos Diamantes.
Para assegurar a posse da riqueza dos portugueses usaram a mais terrível força e o mais despótico dos poderes da América. A simples notícia de uma pedrinha fora dos cofres da Intendência custava ao detentor o açoite ou a morte. Daí que os diamantes e outras riquezas eram enterrados em lugares secretos, como atesta o bilhete do padre Brasão, deixado no século XVIII: Sepultei ao pé de uma jabuticabeira o que não me pertencia, sendo duas garrafas de ouro e três chifres de diamantes ". (ESTRELA POLAR, 1972) O tesouro do Padre Brasão nunca foi encontrado. Mas muita gente em Diamantina é testemunha de uma grande quantidade de moedas de ouro encontrada pelos operários da Prefeitura quando consertavam um muro e que foi dividida entre eles. Uns dos tesouros foi encontrado pelo dono do armazém Totó. Mas os outros ainda continuam enterrados a espera do seu encontro. O lugar continua sempre assombrado pelo Padre Brasão que bate nas pessoas, quebra o mato e espanta as pessoas indesejadas do lugar.

   Conta-se uma moradora que um dia na sua casa bateu na porta uma senhorinha preta procurando pelo sr. Aarão. A senhora respondeu que ele não estava ali no momento, mas que não demorava chegar da fazenda. A senhora perguntou para ela quem era ela.  A doninha respondeu que era peregrina que vivia andando pelo mundo. A doninha preta esperou, esperou até que disse que precisava ir embora. A senhora então perguntou se ela não queria tomar uma café ou almoçar. Ela respondeu que não, mas que queria um copo d'água. Como o senhor não chegava. A senhorinha respondeu que precisava ir embora. Então a senhora da casa perguntou o que ela queria com o sr. Aarão. Ela respondeu que só poderia falar com ele. E somente ele deveria tirar o tesouro do Padre Brazão. Mas como neste dia ele demorou a chegar, a senhorinha preta foi embora sem deixar vestígio. Na cidade ninguém conhecia esta doninha preta e nunca mais ela voltou para dizer onde estava enterrado o tesouro. Caso verídico.

 

Padre, suplico o perdão de Deus.


Pois não filho. Quando vislumbramos as portas da eternidade, devemos despir do mundo as vestes salpicadas de misérias, trocando-as pelas túnicas imaculadas que nos confere a confissão feita ao ministro do Senhor; Seu legítimo representante na Terra. Conta tuas culpas que eu te absolverei em nome Dele, todo misericordioso e amor.


Roubei padre – disse o escravo – roubei para tornar a ser livre como dantes e com o dinheiro partir estas algemas que me acorrentaram na África, separando-me para sempre dos meus.


Minha vida era calma e serena como as tranqüilas águas que espalham sorrisos de criaturinhas, que me deu a mulher que amava. Caçado como fera, arrancado violentamente de junto deles, vi-me atirado ao porão infecto de um navio negreiro, de onde só sai quando o traficante recebeu das mãos do mercador desumano um punhado de moedas, preço de minha desventura. Venderam-me como se fosse animal.


Praguejei, amaldiçoei céus e homens. Que mal fiz para tão dura provação? Vivia para os meus, amando-os, como os brancos amam os seus. O amor não é privilégio de raças e a cor da epiderme não mineraliza os seres. A pele não modifica os corações. Todos pulsam com o mesmo sentimento e morrem da mesma dor. A saudade, foi se transformando em desespero e os traços queridos, os foi substituindo por sulcos profundos de ódio aos algozes da minha gente infeliz.


Chamei o padre para, neste ato final de minha vida, tirar-me um grilhão de consciência. Quero levar para a sepultura apenas a recordação dos meus, que ninguém me pode tirar. Apoderei-me do ouro e diamantes, mercadorias que escravizam os homens, não para  me proporcionarem fausto e ostentação, mas para dá-lo em troca de minha liberdade, também roubada. Com um roubo, pagaria outro e só com ele conquistaria de novo, o direito de ser livre. Onde buscar o preço da liberdade pelo trabalho, se de sol a sol meus senhores bebiam meu suor?


A ocasião pôs nas minhas mãos a pedra fascinante e o metal reluzente que serviram para aumentar minha desgraça. A princípio repugnava-me roubar. Relutei estender minhas mãos calejadas sobre as pedras, mas pareceu-me ouvir uma voz ciciando-me ao ouvido: “Cada pedra colhida é um elo que partes na corrente que te separa dos teus”. No brilho delas comecei a ver raios de liberdade e a imagem de meus filhos. Não pude hesitar mais. Furtei os diamantes e acumulei a fortuna que ora lhe devolvo.


E assim padre, o Intendente Felisberto Caldeira Brant, a quem fui mandado servir como criado, homem fácil e bom, com, a fortuna de diamantes que lhe chegava às mãos, de seus diversos serviços de mineração, descuidava muito, deixando sobre as mesas grandes partidas e quase sempre abertas as arcas em que guardava. Apanhando hoje um aqui, amanhã outro ali, acumulei a importância para meu resgate. Pouco me valeu, porque Deus vai libertar-me deste mundo, e para Felisberto foi a condenação. Quis denunciar-me quando o vi preso, acusado de desfalque, mas, pensei, ele é branco, será libertado um dia, eu, pobre escravo, então receberei em troca o chicote que me dilacerará as carnes até a morte. Doeu-me ver as injustiças que lhe fizeram e me pesa a consciência não Ter confessado ser eu o ladrão.


Uma forte dispnéia, obrigou o escravo a uma pequena pausa.


O sacerdote, cabisbaixo, meditando, recordou-se de que por um modo misterioso e que jamais teve explicação, foi roubado o cofre da Intendência, onde se guardava o produto das lavras do Contratador e onde fazia em depósito grande quantidade de diamantes e ouro pertencentes a Felisberto. Jamais se pode conseguir saber quais foram os autores da ousada empresa. Por mais extensas e minuciosas que fossem as investigações e pesquisas então feitas por ordem do Intendente, nada colheu a devassa que pudesse esclarecer o obscuro caso. Sobre esse impenetrável mistério não deixou de haver língua malévola que por um lado chegasse a atribuir o acontecimento a malversação do Contratador, para se furtar ao pagamento de suas derradeiras prestações à Real Fazenda e, por um lado, as maquinações infernais do Contratador, no intuito de enfraquecer Felisberto, diminuir-lhe o prestígio e acarretar-lhe a desejada ruína.


Ardendo em febre e arquejante, o preto velho continuou: a diferença encontrada no cofre era o preço de minha liberdade e a grilheta para Felisberto. Investigaram, interrogaram-nos, o interessante porém, era fazê-lo culpado, arrancá-lo dos seus e levá-lo para a Metrópole. Preferiram que o crime fosse dele e deixaram-no em paz. Não sei qual o seu fim. A família chora a sua ausência, como os meus choraram, e sofre a miséria, que os meus sofreram. Minha hora chegou. Morro escravo dos homens e da saudade. A fortuna, Padre Brazão, está na Amontólia, sepultada na distância média que os pés das duas primeiras jabuticabeiras plantadas para o nascente.


É sua. Devolva-a a quem é de direito.


E silenciou o escravo.


Deu-lhe o perdão, retirou-se o sacerdote com o plano concebido de  rebuscar o tesouro e entregá-lo a Felisberto, logo que este voltasse do Reino.


Voltando ao quarto os assistentes, mal o padre se retirara, ouviram frases desconexas pronunciadas pelo escravo, no delírio do tifo que o consumia. Puxando as cobertas como quem cava a terra com as mãos exclamava:  aqui duas botelhas de ouro e três chifres de diamantes, entreguei tudo ao padre Brazão. Não sou criminoso, não os levo.


E a voz foi-se apagando lentamente, numa afirmativa de renúncia de vida.


Alguns dias depois, numa noite chuvosa e fria, embuçado numa grande capa, foi o Padre Brazão em busca do tesouro. Retirou-o, levou-o, com a luz de uma lanterna, para o seu sítio, algumas centenas de metros dali, no morro que descamba para o córrego Piruruca.


A falta de cofres e a perseguição dos Intendentes exigia de todos os habitantes esconderijos difíceis para seus haveres, e parece tê-lo escolhido junto de uma das muitas jabuticabeiras existentes na chácara.


Morrendo o padre, repentinamente, de uma trombose cerebral, encontraram, rebuscando seus papéis, esta pequena nota:  “Sepultei ao pé de uma delas o que não me pertence: duas garrafas de ouro e três chifres de diamantes.”


Este é o roteiro da tradição.


Perdura ainda na voz do povo diamantinense a lenda que ficou na conjunção do delírio do escravo e da linha escrita do sacerdote. Muitos ali já deixaram o juízo e outros, tempo e energia, à cata do “Tesouro do Padre Brazão”.


Um dos que tentaram, já talvez no limiar da loucura, afirmava que, numa hora crepuscular, quando só naquele ermo, ouviu uma voz que o encaminhava para o Sítio onde jaz soterrada a fortuna. A curiosidade fê-lo voltar à procura de quem lhe dava ordem e só percebeu um desmoronar de ossos, levantando uma nuvem branca de pó, que o asfixiou e o atordoou. Foi internado dias depois no manicômio de Barbacena, lá morrendo entre as grades.


Muitos já vieram de longínquas paragens, trazidos pela cobiça, e ali sepultaram dinheiro, cavando sem cessar, mas o tesouro continua dormindo no seu esconderijo.