Primeira Serenata em Diamantina

23-08-2013 21:33

A esquerda, descambando para as Bicas, rumo á Datas e a Gouveia, apodreciam os restos mortais do velho cedro altaneiro da Acaiaca, impiedosamente derrubado pela mão sacrílega do civilizado. Na meia encosta, por onde o lugarejo se esparramava, "qual mil cordeiros em grupozinhos que se lavavam em fontes, as casinhas brancas recebiam os primeiros beijos da lua cheia, que nascia para os lados dos "Campos dos Cristais".

                                  Acervo do google. DiamantinaMG

 

  Em baixo, depois do Burgalhau, ao sopé da serra arenítica de São Francisco, o Rio Grande corria cascateando para os lados da Palha, doido por encontrar o seu irmão, o rio da Prata.

   Ambos unidos e misturados para o mesmo destino, disparavam á procura da grande caudal do rico Jequitinhonha. Este, como o seu irmão da outra vertente, o São Francisco, por argulho telúrico, não quis ser tributário de nenhum outro, preferindo a condição singular de galho do oceano. No fundo de um vale aberto e comprido, um pouco ao longe, como um divisor de águas e bacias fluviais, plantou-se a fisionomia impressionante do Itambé, gargarejo Ciclópeo do Titan dos mundos. No alto, no Largo do Curral, ainda ausente da milagrosa basílica de pedra do Coração de Jesus, pastavam os carneirinhos e brotavam as Sempre-Vivas. No segundo degrau daquela decida íngreme e inesperada, na Cavalhada Nova, construiu-se o Barracão (Mercado Velho), para pouso anciado dos tropeiros heroicos e cançados.

  Neste cenário de aparente paz, a natureza adormecia e o homem se revoltava, acicatado pelo Livro da Capa Verde. A cidade dormia; e nos corações dos tijucanos, despertava o amor, não só o amor á liberdade, também o amor humano, o amor que grita, o amor que exige, não só a bemaventurança dos extases místicos, mas a realização terrena da felicidade.

   E foi neste cenário e foi por isto e foi assim, que o exótico mulato garimpeiro, José Espírito Santo do Amor Divino, vindo escoteiro de Vila Rica, á procura de um "descoberto" ou de uma faisqueira que lhe parecia certa, apaixonado soluçou, ao som de tosco pinho de quatro cordas, os primeiros trenos de amor numa canção, sem escadas de cordas ecantos de cotovia, debaixo da janela humilde de perciana da sua Julieta mestiça.

   Foi esta a primeira serenata em Diamantina de que nos fala a tradição e a estaca zero da boemia alegre daquela gente boa.

    Depois disto, quanta coisa se passou! Quanto romance surgiu! Quanta História se contou!

     - Estas pesquisas dão prazer, mas desmandam tempo. Se as preocupações da vida não me atropelarem, breve contarei aos meus conterrâneos outras serenatas e outros "castelos", para desse modo, com a ajuda  de todos eles, ir compondo, aos poucos, singelamente e com carinho, um hino para a nossa terra, Monumento do Brasil.

 VIANNA, Thales da Rocha, Voz de Diamantina, pág.5, nº 48

 

, Diamantina, 1946.