Quintas e chácaras de abastecimento em Diamantina

06-04-2017 07:57
Quintais, chácaras, intendências e abastecimento alimentar  em Diamantina: séculos XIX e XX Marcos Lobato Martins  (Universidade Federal de Alfenas, MG) 
 
 
 
 
 
Resumo: Este trabalho investiga a produção alimentar nos quintais e chácaras de Diamantina e o movimento do Mercado Municipal no Oitocentos e Novecentos. O objetivo é analisar as estruturas existentes nos domicílios para a produção de alimentos que contribuíram para o abastecimento local e o papel da Municipalidade nesse campo, especialmente com a criação do Mercado Municipal. São assinaladas as mudanças de atitude da Câmara diante da produção nos quintais e chácaras, bem como os conflitos e dificuldades que marcaram o funcionamento inicial do Mercado Municipal. Utilizam-se narrativas de viajantes e memorialistas, documentos cartoriais, jornais locais e registros fiscais de Diamantina.  
 
Palavras-chave: Diamantina, Produção e Comércio de Alimentos, Chácaras e Quintais, Mercado Municipal. 
 
QUINTAIS, CHÁCARAS, INTENDÊNCIAS E ABASTECIMENTO ALIMENTAR  EM DIAMANTINA: SÉCULOS XIX E XX Marcos Lobato Martins1 
 
 A ênfase sobre a mineração do diamante e do ouro deixou, até a década de 1980, o setor da agropecuária de abastecimento relegado a plano bastante secundário na historiografia mineira relativa aos séculos XVIII e XIX. No caso de Diamantina, essa situação parece ter sido agravada pela própria paisagem regional, caracterizada por relevo muito movimentado, solo raso e arenoso salpicado por irrupções de rochas duras que lhe conferem aspecto ruiniforme. Para o observador comum, o entorno de Diamantina não teria condições de suportar agricultura e pecuária de alguma relevância, de modo que o abastecimento do antigo Tijuco, e depois da cidade de Diamantina, dependeria estritamente da produção de mantimentos realizada em terras do Serro, ao sul, e de Minas Novas, ao norte.  É verdade que as tropas de muares provindas do Serro e de Minas Novas tiveram grande importância no abastecimento do Tijuco/Diamantina até a década de 1960 (MARTINS, 2006). Mas também é verdade, como demonstrou José Newton Coelho Meneses (2000), que a produção de “gêneros do país” ao redor desse núcleo urbano ocupou diversas propriedades e expressivo número de braços nos tempos coloniais. As atividades agropecuárias e de beneficiamento de produtos de origem animal e vegetal foram significativas na história do Alto Jequitinhonha, concorrendo para que rumassem ao mercado do Tijuco/Diamantina, cereais, açúcar, rapadura, aguardente, farinhas de milho e mandioca, toucinho, queijos e gado em pé (PAIVA, 1996).  O que pouco se ressalta é o papel desempenhado pelas chácaras e pelos quintais existentes no Tijuco/Diamantina (e sua periferia) no abastecimento local de “gêneros do país”, ao longo do século XIX e início do século XX. Além de produtos in natura, as chácaras e os quintais forneceram aos habitantes de Diamantina uma gama de verduras, legumes, frutas, farinhas, quitandas, laticínios, doces e bebidas. Também pouco se discute a importância das Intendências para o abastecimento dos moradores da cidade, o que se expressa na luta pela constituição do Mercado Municipal e nas disputas em torno da regulamentação e fiscalização de seu funcionamento na virada do século XIX para o século XX.  Este trabalho investiga justamente a trajetória da produção alimentar nas propriedades urbanas e suburbanas do Tijuco/Diamantina e o movimento do Mercado Municipal no decorrer do Oitocentos e do Novecentos. O objetivo é, de um lado, descrever as estruturas existentes nos domicílios para a produção de alimentos e, de outro lado, caracterizar o papel da Municipalidade no âmbito do comércio de abastecimento. Utilizam-se fontes documentais diversas, destacando-se as narrativas de viajantes e memorialistas, documentos cartoriais, matérias dos jornais locais do período e registros fiscais do Governo Municipal de Diamantina. O estudo é qualitativo, tanto por causa da natureza do comércio em pauta, que ocorreu em boa medida ao largo dos mecanismos de fiscalização estabelecidos pelo Poder Público, quanto pelo tipo das relações sociais envolvidas, referentes à cotidianidade e à esfera do privado. 
 
Os quintais, as chácaras e a qualidade da alimentação dos moradores do Tijuco/Diamantina  Quando, em 1809, o inglês John Mawe visitou o Arraial do Tijuco, a população do lugar girava ao redor de seis pessoas. Tratava-se de número expressivo de habitantes, cujo consumo alimentar fazia prosperar negócios diversos e propiciava oportunidades para muitas famílias obterem acesso aos circuitos de trocas monetizadas, por meio da produção e comercialização de alimentos. O próprio Mawe observou o cuidado que as famílias locais dedicavam aos quintais e descreveu pequenas propriedades suburbanas que possuíam pomares, hortas e criações de animais em plena produção. Conforme as palavras do viajante, os quintais do Tijuco eram repletos de “laranjas, abacaxis, pêssegos, goiabas e [neles] existe grande variedade de frutas indígenas, doces                                                            
 1 - Doutor em História Econômica pela USP. Professor do Departamento de Ciências Humanas da Universidade Federal de Alfenas, MG. 
e ácidas, principalmente a jaboticaba” (MAWE, 1978, p. 161). O inglês também assinalou que “o gengibre e a pimenta aí crescem espontaneamente e com certeza cultivam-se várias especiarias com resultado” (MAWE, 1978, p. 161). O relato do francês Saint-Hilaire, que visitou o arraial no ano de 1817, corrobora a observação feita por Mawe. O naturalista escreveu sobre os quintais tijucanos: “Cada casa possui um pequeno jardim em que se plantam, sem ordem, bananeiras, mamoeiros, laranjeiras, cafeeiros, e se cultivam, a mais, couves e algumas espécies de cucurbitáceas” (SAINT-HILAIRE, 1975, p. 96). Várias décadas depois, outro viajante inglês, Richard Burton, visitou Diamantina e seus arredores no ano de 1867. Ao pisar em Gouveia, Burton observou que, a oeste, na Rua dos Coqueiros, os terrenos das casas, defendidos por muros de pedras soltas, abrigavam mamonas, jabuticabeiras, mamoeiros, bananeiras, laranjas e pés de lima. Avistou também cafeeiros, que julgou plantados inadequadamente, e mal tratados (BURTON, 1977, p. 80). A respeito de Diamantina, Burton assinalou seu aspecto de prosperidade e notou o fato de que as casas, pintadas de cores diferentes, possuíam quintais e jardins verdejantes, havendo hortas e pomares que dominavam a encosta detrás da Igreja do Rosário, na direção do Rio Grande e do lugar denominado Palha. Como os demais viajantes, Burton admitiu que a produção doméstica de alimentos contribuía para o abastecimento das famílias diamantinenses, permitindo o preparo de sopas, canjas, chás, bolos, farinhas, doces e laticínios (BURTON, 1977, p. 89). Contudo, o célebre aventureiro inglês insistiu no preço elevado dos mantimentos e nas grandes distâncias de onde provinha a maior parte dos carregamentos para as intendências de Diamantina.  As descrições dos viajantes sobre os quintais, que permitem inferir o papel que eles tiveram na qualidade superior da alimentação consumida pelos habitantes do Tijuco/Diamantina, são respaldadas por outras fontes. Os quintais e as chácaras há tempos integravam a paisagem local, do que dá provas a documentação cartorial. Citam-se aqui uns poucos exemplos, começando pelos documentos referentes aos primeiros anos do século XIX. José Ribeiro da Silva era proprietário de “pequena casa e suas matas com uma senzala e casa de piar, paiol e uma engenhoca de moer mandioca”, em terreno situado próximo ao arraial, conforme seu inventário datado de 17972. No inventário de 1805, de João José de Aquino, morador de Gouveia, está registrado que ele era senhor de “um sítio no Ribeirão do Chiqueiro”, próximo àquela localidade, que possuía “casas de vivenda cobertas de telha, paiol, moinho, árvores de espinho, bananeiras e capoeiras”, além de criar dezessete cabeças de gado3. Mais abastada, Mariana Joaquina Rosa era dona de duas moradas de casas no Tijuco com seus quintais “com água dentro” e também de uma “chácara no subúrbio”, onde criava 28 bovinos, um cavalo e 3 bestas que carregavam os produtos da chácara para o comércio do arraial4. Já Caetano Miguel da Costa, viúvo e pai de seis filhos, morador do Tijuco, possuía “uma morada de casas na rua que sai para a estrada que vai para a Vila do Príncipe, defronte do quartel militar, coberta de telha, com seu quintal coberto de taipa com pátio cercado e engenho com água dentro, árvores de espinho e umas outras frutas”. O mesmo senhor, cujo inventário é de 1810, era proprietário de um sítio no Ribeirão do Inferno onde “tinha pastos de criar com próprias casas cobertas de capim”5. Em Gouveia, Antônio Pereira de Almeida era senhor de um sítio no qual criava 77 bois e 16 cavalos, empregando 6 escravos6. Caso curioso é o representado pelo Administrador Geral dos Diamantes, Felipe José Correa Lacerda, cujo inventário, datado de 1794, indica que ele possuía 12 cabeças de gado, um burro e dois cavalos, mas não referência a qualquer tipo de propriedade rural no patrimônio deste alto funcionário da Intendência dos Diamantes7.  Fontes da segunda metade do Oitocentos e início do Novecentos também ressaltam a importância das chácaras suburbanas na dinâmica social e econômica de Diamantina. Novamente, apresentam-se uns poucos exemplos expressivos. 
                                                           
 2 - Inv. 011, 1o Ofício, Maço 33, 1797, com testamento anexo. Biblioteca Antônio Torres. IPHAM, Diamantina. 3 - Inv. 043, 1o Ofício, Maço 47, 1805. Biblioteca Antônio Torres. 4 - Inv. 030, 1o Ofício, Maço 54, 1806. Biblioteca Antônio Torres. 5 - Inv. 038, 2o Ofício, Maço 175, 1810. Biblioteca Antônio Torres. 6 - Inv., 1o Ofício, Maço 07, 1826. Biblioteca Antônio Torres. 7 - Inv., 1o Ofício, Maço 21, 1794. Biblioteca Antônio Torres. 
 Em 6 de julho de 1874, Raimundo José Mourão e sua mulher Bernardina Flora de Azevedo Mourão tomaram emprestada a quantia de 8:944$000, pelo prazo de 6 anos e prêmio de 65 ao ano, ao Major Antônio Felício dos Santos e seus sócios. Como garantia da operação, ofereceram a hipoteca de uma chácara com casas de morada baixas, cobertas de telhas com água e quintal, situada na Rua Joga da Bola8. No mesmo ano, em 26 de fevereiro, o minerador João da Matta Machado adquiriu de Cassiano Feliz Ferreira uma casa coberta de capim, com chácara e água, localizada no lugar denominado Baú, subúrbio de Diamantina, bem como o direito que Cassiano possuía em dois lotes de terrenos diamantinos sitos no Córrego Baú, tudo pela quantia de 500$0009. Na parte alta da cidade, o Largo Dom João abrigava chácaras, como se pode deduzir da leitura da escritura de venda que fizeram João Leite de Faria e sua mulher, em 12 de novembro de 1878, de umas casas com chácara que davam para o Córrego da Pratinha, situadas no referido Largo, ao preço de 1:500$000 para o Padre Pedro Correa Ferreira Rabelo10. Outra área suburbana de Diamantina ocupada por chácaras era a Perpétua, onde ficava uma das lavras do grande minerador Rodrigo de Souza Reis. O inventário desse senhor, datado de 1872, descreve a Lavra da Perpétua nos seguintes termos: o terreno mineral media 20 mil braças, possuía aguada e também terras de pasto e de cultura; havia uma morada de casa coberta de telhas com rancharia, uma casa de capim, um moinho muito bom e outro moinho coberto de capim, uma besta vermelha grande e nove cabeças de gado11. Além de diamantes, os escravos desse rico proprietário produziam alimentos na Perpétua, em parte vendidos na cidade de Diamantina.  O memorialista Ciro Arno (pseudônimo de Cícero Brant) escreveu que, na década de 1870, havia, em Diamantina, três grandes ranchos de tropa, chamados pela população de intendências (ARNO, 1949, p. 13). A Intendência do Lage ou Intendência de Baixo era propriedade de Joaquim Cassemiro Lage. A Intendência do Meio, de Manuel César Pereira da Silva, ficava em frente à do Lage, no mesmo largo. A Intendência de Cima, dirigida por Juca Correia, situada atrás da Igreja da Sé de Santo Antônio, era contigua ao velho cemitério. Nesses pontos, concentrava-se o comércio de mantimentos e o movimento de tropas na cidade. Ainda conforme o memorialista, na rua atrás da Sé, junto ao paredão do cemitério, ficavam diariamente diversas mulheres com tabuleiros de sequilhos, doces e frutas. Eram vendidos no local doces de cidra, cocadas, pés-de-moleque, biscoitos, roscas, broas, laranjas, jabuticabas, gabirobas, goiabas, araçás e mangabas. As vendedoras de verduras e hortaliças andavam pelas ruas, entrando nas casas, assim como os pequenos vendedores de leite (que o escritor dizia vir com metade de água), oferecendo esse alimento em garrafas arrolhadas com folhas de couve (ARNO, 1949, p. 81-82).  O conhecido livro de Alice Dayrell, que usou o pseudônimo Helena Morley, é repleto de referências aos quintais e chácaras de Diamantina, destacando a produção de hortaliças, frutas, doces e quitandas realizada nesses lugares, produção que era trocada e vendida pelos moradores de Diamantina, entre 1893 e 1895 e jogava papel importante na economia doméstica das famílias. Assim, na página 23 de Minha vida de menina, Helena Morley relata que sua tia Carlota “comprou uma vaca com cria, para vender o leite e mamãe tomou freguesia com ela”. O produto era levado à casa dos fregueses, toda manhã, por “Maria, uma pretinha muito esperta”. Também sua tia Aurélia, com a ajuda dos filhos Luisinha, Sérgio e João Afonso, produzia para venda uma “quantidade de coisas boas: bolos, pastéis, craquinés”, pés-de-moleque e cocadas. Os meninos levavam bandejas com os produtos para trás da Sé, vendendo cada doce por “um cobre e três por cem réis” (MORLEY, 1988, p. 30 e 44). Como na casa da tia e dos primos, também Helena vendia ovos. A menina tinha predileção por uma galinha carijó, “que punha um tempão sem chocar. Com os ovos dela eu [Helena] já comprei um par de meias, uma escova de dentes e tenho comido muitos” (MORLEY, 1988, p. 28). Noutra página de seu diário, Helena Morley registrou que Luisinha “vendeu uma dúzia de ovos. (...) Passando pela casa de Chichi Bombom, avistamos uma goiabeira 
                                                           
 8 - Livro de Notas n. 06, 3o Ofício, Maço 162, p. 76v-79v. Biblioteca Antônio Torres. 9 - Livro de Notas n. 06, 3o Ofício, Maço 162, p. 6-8. Biblioteca Antônio Torres. 10 - Livro de Notas n. 36, 2o Ofício, Maço 161, p. 54-55. Biblioteca Antônio Torres. 11 - Inv., 2o Ofício, Maço 286, 1872, fls. 21 a 29. Biblioteca Antônio Torres. 
branca, carregadinha. Luisinha disse:‘Vou comprar para nós duzentos réis de goiaba’. Entrou e comprou, a mulher deu trinta e dividimos quinze para cada uma” (MORLEY, 1988, p. 74).  Helena ia quase diariamente à chácara de sua avó, situada entre a Igreja do Rosário e o Palácio do Bispo de Diamantina. Nessa chácara, havia jardim, horta e pomar, cuidados por “negros e negras do tempo do cativeiro, que foram escravos e não quiseram sair com a Lei de 13 de Maio”. Ali, “as negras, (...) para terem seus cobres fazem pastéis de angu, sonhos e carajés para as festas de igreja e para a porta do teatro” (MORLEY, 1988, p. 33). Em outra referência à chácara da avó, Helena queixou-se do roubo que a propriedade sofrera, realizado por rapazes diamantinenses de família: 
  Pularam de noite o muro da horta e carregaram todas as frutas maduras; as verdes eles cortaram e deixaram metade nas árvores. Arrancaram todas as verduras, lindos repolhos e espalharam pelos canteiros. Apanharam as abóboras, cortaram em pedaços e espalharam pela horta. (...) Não é que os diabos dos rapazes, que eu chamo de ladrões, roubaram o leitão do jantar da pobre Júlia! (MORLEY, 1988, p. 38) 
 
 Os documentos cartoriais mencionam a existência de numerosas chácaras em Diamantina na virada do século XIX para o século XX. Em 1907, o inventário de Antônio Eulálio de Souza, um dos homens mais destacados da sociedade diamantinense de fins do século XIX, registrou sua imensa fortuna, composta, entre outros bens, por 52 imóveis na cidade, 3 fazendas e partes em outras 8, ações, títulos, dívidas ativas e saldos em dinheiro, totalizando cifra superior a 273 contos de réis12. Dentre os imóveis havia uma casa baixa coberta de telhas com quintal e água de mina no Arraial de Baixo e outra com quintal no Arraial dos Forros. Antônio Eulálio era ainda proprietário de um sítio na Palha, avaliado em 10 contos de réis, onde havia fábrica de lapidação de diamantes, rancho, moinho, terras de plantação, pastos e casas de morada. O Major Jucundino Pio Fernandes, grande minerador, possuía nas margens do córrego do Guinda, povoação vizinha a Diamantina, três casas cobertas de telhas com pátios, quintais e áreas adjacentes, moinhos e aguadas, que foram vendidas para a firma Duarte & Irmãos no dia 20 de novembro de 192413. O sítio da Formação, situado cerca de 4 km atrás do Seminário de Diamantina, foi adquirido, em 1915, pelo Coronel José Neves Sobrinho, cuja fortuna advinha dos negócios com diamantes e da firma comercial “Cruzeiro do Sul”. O sítio possuía terras de pasto e de cultura, moinhos, pomar e horta que abasteciam regularmente o Seminário, as famílias operárias da lapidação existente na propriedade e o 3o Batalhão de Polícia14.  Nas adjacências da porção central da cidade de Diamantina destacavam-se os enormes quintais do Seminário Diocesano e do Colégio Nossa Senhora das Dores. Afamado educandário feminino do Norte mineiro, o Colégio Nossa Senhora das Dores, dirigido por Vicentinas francesas, contava, na década de 1920, com média anual de 200 alunas, das quais cerca de um quarto era de meninas órfãs. Na “Casa da Glória” havia salas de aula, refeitório, alojamentos, banheiros, salas de costura e trabalhos manuais, pátios e duas enfermarias, além do recolhimento das freiras. Anexos, ficavam palco, capela, salas de música, horta, parreirais, criação de coelhos, abelhas, bichos-da-seda e uma indústria de sericultura. Nas dependências do Colégio ocorria rotineiramente fabricação de doces, bebidas (licores e vinho) e conservas, sabão, massas e pães, fios de seda e de algodão (LOPES e MARTINS, 1993, p. 11-19). Os excedentes da produção de alimentos do Colégio eram vendidos para os moradores da cidade (SANTOS, 1963). Conforme anúncio no jornal A Estrela Polar, as garrafas de vinho branco e tinto fabricados no Colégio custavam 2$000 e o barril de vinho tinto (equivalente a 45 garrafas), 45$00015. Também no Seminário e no Palácio do Bispo havia boa produção de verduras e legumes, grande parte dela comercializada na cidade. Segundo o Anuário Corográfico, Estatístico e Histórico do Estado de Minas Gerais (p. 397), publicado pela Imprensa Oficial em 1913, a produção de vinho no Seminário de Diamantina alcançou 14 mil garrafas anuais, mas fora ainda maior, em anos anteriores, com média de 18 mil garrafas anuais.                                                            
 12 - Inventário de Antônio Eulálio de Souza, 2o Ofício, Maço 83, 1907. Biblioteca Antônio Torres. 13 - Livro de Notas n. 41, 1o Ofício, Maço 498, p. 56-69. Biblioteca Antônio Torres. 14 - Jornal O Momento, 15 de janeiro de 1922, p. 3, gaveta 6, Maço 91. Biblioteca Antônio Torres. 15 - A Estrela Polar, 6 de maio de 1909, p. 4, gaveta 3, Maço 12. Biblioteca Antônio Torres. 
 Tomados em conjunto, os exemplos anteriores sugerem que número expressivo de famílias do Tijuco/Diamantina produzia, no interior de seu espaço doméstico ou empregando o espaço das ruas, alimentos diversos. Isso acontecia em quintais e chácaras no Largo Dom João, Arraial dos Forros, Palha, nas margens do Rio Grande e do Córrego da Pratinha, Perpétua e Formação. Parte dessa produção de alimentos foi comercializada na cidade, favorecendo o reforço da renda monetária de muitas famílias e contribuindo para garantir maior qualidade e regularidade do abastecimento dos moradores. Fogões e fornos a lenha, moinhos, paióis, defumadores, engenhos, monjolos, tachos de cobre, panelas (de ferro, barro e pedra), facas, pratos, latas, barris, cuias, enxadas, pás, mesas grandes nas cozinhas ou varandas e bicas d’água compuseram o apetrechamento essencial dos domicílios, necessário ao trabalho doméstico de produção e beneficiamento de alimentos.  Os quintais e as chácaras possuíram valor para a sociabilidade local, como assinalou José Newton Coelho Meneses (2003). Os tijucanos/diamantinenses encontraram nesses espaços, integrados às casas de morada, especialmente às suas cozinhas, terreno para o desenvolvimento da “hospitalidade mineira”. Os quintais constituíram o núcleo da vivência e da sobrevivência da mulher e de seus filhos, desde o século XVIII até bem avançado o século XX. Por outro lado, a presença da produção de alimentos, com destinação de parte dela para a troca e comercialização entre vizinhos e moradores da cidade, tornou mais fluida a fronteira entre o mundo rural e urbano no Tijuco/Diamantina. Nos quintais e nas chácaras, atividades rústicas, associadas à banalidade da vida material cotidiana, abasteceram a população local e mantiveram vivas tradições seculares. Quintais e chácaras urbanos e suburbanos, numerosos e de produção diversificada – hortaliças, frutas, galinhas e ovos, porcos, leite, quitandas, doces e bebidas, feijão, milho, mandioca, farinhas, etc. –, despejaram nas ruas da cidade, nas intendências e nas vendas parte significativa dos alimentos consumidos pela população local.  No decurso do século XX, os quintais e as chácaras urbanos e suburbanos de Diamantina experimentaram processo de contínuo declínio, praticamente desaparecendo a tradicional produção de alimentos que neles ocorria. Mais do que isso: esses terrenos reduziram-se drasticamente, especialmente a partir dos anos 1920. Vários fatores contribuíram para isso. Um deles foi a chegada da estrada de ferro a Diamantina, no ano de 1914. A cidade passou a contar com ligação bem mais rápida com o centro-sul de Minas e do Brasil, o que facilitou a importação de alimentos oriundos das áreas de economia mais dinâmica e moderna do país. Algum impacto negativo sobre a produção doméstica de doces, farinhas, quitandas, conservas, bebidas e laticínios a ferrovia – e posteriormente, a rodovia nos anos 1950 – provocou. Outro fator importante para o declínio dos quintais e chácaras foi o crescimento urbano estimulado pela estrada de ferro. Porções de Diamantina, antes preenchidas por grandes terreiros usados para a produção de alimentos, começaram a sofrer parcelamento, e viram surgir novos bairros residenciais (COUTO, 1954). Tal fenômeno ocorreu na parte alta da cidade, na Samambaia, no Largo Dom João, na antiga Chácara dos Padres e no próprio Seminário. Os parcelamentos também avançaram sobre o Arraial dos Forros, a Palha, a Pedra Grande e as áreas vinculadas ao Colégio Nossa Senhora das Dores. Há que se mencionar ainda a vigência de novas concepções sobre a “vida civilizada” difundidas na Belle Époque e adotadas pelas elites locais, que geraram alterações no uso e ocupação dos espaços urbanos, o que será discutido adiante. Então, pode-se dizer que o declínio da produção de alimentos nos quintais e chácaras de Diamantina ocorreu concomitantemente ao surgimento e consolidação da posição do Mercado Municipal como centro concentrador das transações relacionadas ao abastecimento da população. Não se trata de simples coincidência, como se procurará mostrar a seguir. 
 
A Municipalidade e o abastecimento alimentar no Tijuco/Diamantina  A historiografia recente tem mostrado que a produção para o abastecimento das Minas Gerais foi, desde o alvorecer do século XVIII, realizada em grande parte na própria região e caracterizada pela diversificação da produção (ANDRADE, 1995; GUIMARÃES e REIS, 1986). Sitiantes e fazendeiros, com a utilização do trabalho familiar e do braço escravo, tornaram 
produtivas terras localizadas no raio de algumas léguas dos núcleos urbanos e terrenos minerais, incluindo aquelas disponíveis nos subúrbios das vilas e arraiais.  Mais do que isso. Essa historiografia também revela que, dentre as preocupações normalizadoras dos espaços urbanos mineiros, as autoridades locais, tanto no Setecentos quanto no Oitocentos, dedicaram atenção especial ao abastecimento local. Nos Termos de Vereações dos Senados das Câmaras são encontradas diretrizes que nortearam a prática administrativa dos “homens bons”, compreendendo medidas de controle do funcionamento dos estabelecimentos comerciais, tabelamento de preços de mercadorias e serviços, fiscalização de “posturas regulamentares” e disposições que objetivavam o abastecimento alimentar. Nesse campo específico, os almotacés atuaram no sentido não só de fiscalizar e ordenar o comércio de mantimentos, mas também no de estimular a produção local de alimentos, com vistas a ampliar a quantidade e qualidade dos produtos à disposição dos habitantes e baratear seus preços, por meio da concorrência entre os produtores (CHAVES, 1999).  Assim, as Câmaras autorizaram o pequeno varejo de alimentos nas ruas e becos dos núcleos urbanos, a construção de locais para albergar condutores e carregadores de mantimentos e cederam áreas para roças e pastos nos limites das malhas urbanas. Na Vila do Príncipe, por exemplo, em 28 de julho de 1759, os membros da Câmara decidiram que, “no desaterro que se mandou fazer na Rua da Cavalhada por conta deste Senado”, seria construído um estabelecimento “para alberga dos condutores de mantimentos, carregadores, na mesma forma que se fez no Arraial do Tijuco”16. Por outro lado, os almotacés mostraram certa condescendência com as negras de tabuleiro, acusadas pelas autoridades da Capitania de provocar desvios de ouro e pedras preciosas bem como originar turbulências. No Arraial do Tijuco, para controlar as atividades das negras de tabuleiro, foi fixada a Rua da Quitanda como local destinado exclusivamente para a mercancia de alimentos e bebidas por elas praticada. E mesmo os editais que impunham normas para a “moralidade pública’ e o saneamento das vilas, como o de 1794, emitido pela Câmara da Vila do Príncipe, proibindo a criação de porcos soltos na rua e a manutenção de chiqueiros nos quintais (SILVA, 1928, p. 122), foram sistematicamente passados sob “vista grossa” pelos almotacés, do que dá prova a constante reiteração dessas disposições ao longo da história local até a chegada do século XX. As Câmaras do Setecentos e do Oitocentos buscaram ordenar e estimular a oferta de alimentos, para o que toleravam as práticas tradicionais de produção doméstica. Os donos de quintais e chácaras, por sua vez, responderam produzindo, no interior do espaço urbano e suburbano, mantimentos, hortifrutigranjeiros, doces, bebidas, conservas, leite e laticínios, carne de porco, toucinho, quitandas.  Porém, na virada do século XIX para o século XX, as preocupações da Câmara Municipal de Diamantina e das elites letradas da cidade sofreram radical inflexão. As preocupações com a regularidade do abastecimento permaneceram, mas nesse período diziam respeito à melhoria dos processos de transporte e comercialização de mantimentos e “gêneros da terra”, produzidos no Serro e em Minas Novas. O bom funcionamento do comércio local de mantimentos e a trafecabilidade nas estradas regionais dominaram as atenções das autoridades e da imprensa de Diamantina. As elites diamantinenses, tal como ocorreu em outras partes do país, aderiram a novos modelos urbanos, forjados no âmbito dos processos europeus de industrialização, metropolização e avanço técnico-científico. Para as lideranças do antigo Tijuco, chegara a hora de “civilizar” a cidade, o que significaria romper inteiramente o arcabouço colonial que ainda dava formas ao núcleo urbano e à sociabilidade local. Para adentrar na nova era de “progresso”, desejo cujo símbolo maior era a luta pela ligação ferroviária de Diamantina com a capital mineira e o Rio de Janeiro, os diamantinenses deveriam abandonar tradições arraigadas e modernizar o traçado urbano.  Os novos hábitos e as novas concepções urbanas exigiam que os diamantinenses aceitassem rígida distinção entre o mundo rural e o mundo urbano, que seria concretizada por meio da diferenciação das atividades econômicas de um e de outro, de suas paisagens, seus modos e ritmos de vida. Práticas tradicionais do ambiente rural não mais conviriam ao espaço urbano, destinado a 
                                                           
 16 - Livro 17, Caixa 05, fl. 37v. Arquivo Histórico da Câmara Municipal do Serro. 
abrigar o convívio de pessoas mais “polidas” em torno de novas regras de “bem viver” e de salubridade das cidades. A mudança de hábitos e as novas concepções urbanas exigiam, portanto, o constante policiamento contra as “práticas insalubres” e atrasadas, realizadas até então nos quintais das casas e nos terrenos das chácaras suburbanas (GOODWIN JR., 2007).  Uma das novas preocupações das autoridades e elites letradas era com a limpeza da cidade, de suas ruas, largos, terrenos baldios e quintais. Em nome da higiene e da aparência civilizada, tudo devia estar limpo, exigência que passou a gerar constantes cobranças endereçadas aos funcionários da administração local, das quais se citam dois exemplos: 
  Certamente o Fiscal da Câmara não se deu ao trabalho de passar este ano pelo Beco do Corte, que, pela acumulação do lixo e imundícies, tornou-se um perigoso foco de infecção, em piores condições que o célebre Paciência17. 
 
 Apesar do cuidado que o digno Agente Executivo Municipal tem tido, mandando varrer, de vez em quando, as ruas da cidade, há muita gente que entende de fazer delas o seu depósito de lixo. Não haverá lei para coibir semelhante abuso?18 
  Outra preocupação era a de retirar das ruas e becos de Diamantina a grande quantidade de animais que nelas viviam soltos. Muares, vacas, cães e até sapos, junto com mosquitos, representavam o mundo rural, atrasado, rústico, em contraposição à civilização que deveria cobrir a urbe. Era necessário conter os animais de carga e tração em locais adequados, de modo a livrar o morador educado do desprazer de ver bois, vacas e mulas pastarem e descansarem no centro da cidade, dificultarem o trânsito, ameaçarem pedestres e gerarem sujeira, revirando lixo e deixando estrume nas vias públicas. Em Diamantina, a Edilidade adotou o envenenamento como forma de limpar a cidade dos cães, conforme notícia publicada em 1913: 
 
 Matança de cães. Pela cidade, foi há dias, distribuído o seguinte: ‘Aviso. Do dia 19 de dezembro deste ano em diante, serão mortos pela estriquinina todos os cães encontrados nas ruas desta cidade. Publico este aviso de conformidade com a Lei e para ciência do povo. Diamantina, 21 de novembro de 1913. O Fiscal da Câmara Municipal, Américo França’. Foi muito bem lembrado, não resta a menor dúvida; entretanto, não são só os cães que precisam desaparecer do centro da cidade; os animais em grupos, tomando todo caminho aos transeuntes, nas ruas estreitas, é uma medida que deve merecer a atenção dos srs. Fiscais da Câmara, no momento atual. A grande quantidade de gado bovino que anda pela cidade e que se estaciona dia e noite á porta de seus donos, emprestando à cidade um aspecto afazendado, onde se cria gado de toda espécie, deve desaparecer, custe o que custar (...). O sr. Agente Executivo, tão solícito em atender qualquer reclamação, providenciará, estamos certos, sobre o que vimos solicitar, em virtude de ser justíssima esta nossa reclamação19. 
  Esta notícia explicita a nova disposição das autoridades e das elites locais. Mostra como elas pugnavam, então, por um espaço urbano “civilizado”, cuja construção requeria a superação completa do aspecto afazendado que Diamantina ainda conservava. Nessa perspectiva, os jornais do período indicavam medidas para urbanizar e modernizar a cidade, tais como: a) abrir grandes largos e praças; b) arborizar as ruas; c) retirar do centro os estabelecimentos insalubres (como chiqueiros, galinheiros, cocheiras, fábricas de velas, defumadores etc.) e tudo que pudesse produzir emanações que viciassem o ar; d) drenar ou aterrar os brejos e áreas alagadiças; e) refazer o calçamento das vias públicas e mantê-las limpas.  A Diamantina da virada do século XIX para o século XX passou a desestimular a produção de alimentos nos quintais urbanos e nas chácaras urbanas e suburbanas. Em nome da “civilização”, da “modernização” e do “progresso”, a produção alimentar deveria ficar confinada às áreas rurais e ser comprada, pelos habitantes da cidade, em mercados limpos, espaçosos e bem fiscalizados pela administração municipal. Novos tempos, novos costumes... 
                                                           
 17 - Jornal A Idea Nova, 27 de julho de 1906. Biblioteca Antônio Torres. 18 - Jornal Diamantina, 29 de novembro de 1913. Biblioteca Antônio Torres. 19 - Jornal Diamantina, 29 de novembro de 1913. Biblioteca Antônio Torres. 
Ao adquirir a intendência do Lage, a Municipalidade respondeu ao problema do abastecimento no quadro posto por estas novas preocupações. Nos anos seguintes, também foram construídos o Matadouro Público e um depósito para o “repouso das rezes” (SOUZA, 1993, p. 189). Nessa perspectiva, o abastecimento passou a ser visto como questão que exigia a institucionalização e o controle do principal espaço de comercialização de mantimentos da cidade, bem como a fiscalização dos tropeiros e comerciantes, inclusive para fins de arrecadação fiscal. Portanto, mais do que simples resposta a reivindicações populares contra açambarcadores, a criação do Mercado Municipal foi uma ação específica na estratégia de modernização da cidade engendrada pelas elites diamantinenses na virada do século XIX para o XX. 
 
O surgimento e o regulamento do Mercado Municipal de Diamantina  Como já foi mencionado anteriormente, até a década de 1880 havia, em Diamantina, três grandes intendências e alguns ranchos que recebiam as tropas – carregadas com os “gêneros do país” destinados ao abastecimento da população – e também parte da produção dos quintais e chácaras urbanos e suburbanos. As cargas de mantimentos eram, nesses locais, colocadas à venda. Negociantes e consumidores compravam diretamente dos tropeiros conforme, suas necessidades e disponibilidade de dinheiro. As autoridades municipais não interferiam no comércio de mantimentos, a não ser pela cobrança de impostos, a cargo do Fiscal nomeado pela Câmara Municipal.  O ponto mais movimento do comércio de mantimentos era a intendência do Lage. Tratavase de um amplo edifício, bem construído, resultante da iniciativa particular do Tenente Joaquim Casimiro Lage, mulato de bom relacionamento social que, em 1835, mandou erigir o prédio, com duplo objetivo: servir-lhe de morada e, também, de ponto comercial.  Conforme a memorialista Lúcia Machado de Almeida, razões de solidariedade teriam levado o negociante diamantinense a tomar esta iniciativa: 
  O Tenente Casimiro tinha bom coração e ficava penalizado vendo os tropeiros que traziam a mercadoria dormirem ao relento. Pensando nisso, mandou fazer um rancho ligado à sua casa, a fim de abrigar todos (ALMEIDA, 1960, p. 165). 
 
 Na intendência do Lage, como nos demais ranchos e intendências da cidade, as tropas, vindas de diversos lugares do Nordeste e do Norte de Minas Gerais, demoravam pouco tempo. Apenas o suficiente para que os tropeiros efetuassem a venda de suas cargas e comprassem as mercadorias encomendadas, que retornariam com as tropas para seus pontos de origem. Neste ínterim, havia ocasião para que comissários e grandes negociantes da praça de Diamantina promovessem manobras especulativas com os gêneros de primeira necessidade. Os tropeiros eram cercados por comissários, a mando das maiores casas comerciais da cidade. Esses comissários faziam ofertas pelos carregamentos e, quando adquiriam as mercadorias, levavam-nas direto para os armazéns de suas firmas. Muitas vezes, os preços oferecidos pelos comissários aos tropeiros eram tão baixos que causavam prejuízos aos transportadores. Para a população de Diamantina, porém, os produtos eram vendidos por preços mais altos, o que engrossava os ganhos dos donos do grande comércio local. Na Diamantina da segunda metade do século XIX, permaneciam em vigor as práticas típicas dos atravessadores coloniais20, que prejudicavam principalmente as camadas mais pobres da população, ao desencadear artificialmente a escassez e, por conseguinte, o encarecimento dos mantimentos.  A situação do mercado diamantinense de produtos alimentares tornou-se explosiva na década de 1870, em decorrência da grave crise da mineração. A queda brusca do preço internacional das pedras preciosas provocou imediata retração na renda regional21. Com muito                                                            
 20 - Para maiores detalhes sobre a ação dos atravessadores nas Minas Gerais setecentistas, ver CHAVES (1999) e FURTADO (1999). 21 - Em 1870, o preço da oitava de diamante de primeira era de 1:200$000. Em 1874, havia caído para 200$000 e, em 1876, alcançou apenas 170$000. A partir daí, a recuperação do preço foi lenta. Em 1883, a oitava havia subido um pouco, para cerca de 570$000 (MARTINS, 2004, p. 96-98). 
menos dinheiro disponível no bolso, os moradores de Diamantina começaram a criticar o modo como funcionava, na cidade, o comércio de gêneros de primeira necessidade. E passaram a exigir da Câmara Municipal tomar providências para evitar a ação dos atacadistas, capazes de provocar altas repentinas nos preços dos mantimentos.  Em 1875, o jornal Monitor do Norte publicou a seguinte matéria, relativa aos problemas do abastecimento alimentar de Diamantina: 
  Sr. Fiscal, pedimos-lhe socorro e providências quanto aos abarcadores de gêneros da terra. Esses homens ficam agarrados, dia inteiro, nas intendências, não cuidam senão em enganar os tropeiros e sobrecarregar o povo, que dirigindo-se para lá afim de comprar seu alimento já o acha vendido a seus algozes. Portanto, Sr. Fiscal, admoesto-lhe isto porque é em benefício da classe pobre22. 
 
 Dois anos depois, nova matéria de jornal indicava que os problemas com a comercialização dos gêneros da terra permaneciam e que a paciência da população estava esgotando-se: 
  Para que a Câmara Municipal desta cidade adquira a simpatia do povo, é necessário que quanto antes trate da construção da praça do mercado, a fim de que o povo se emancipe da tutela dos monopolizadores. Desde muito que esta idéia é lembrada e reclamada, mas tem sempre encontrado imensas dificuldades na sua realização. Se o povo diamantinense não conseguir este favor, de inteira justiça, que agora torna a pedir, então perderá a confiança que tem depositado nos vereadores atuais23. 
 
  Apesar da tensão, os camaristas não tomaram imediatamente medidas efetivas para regular o comércio de mantimentos na cidade. Talvez porque acreditassem que o tempo resolveria o problema, ao recuperar os preços das fazendas grossa e fina24, de modo que não seria a melhor política enfrentar os poderosos interesses dos homens de negócio locais...  No início do ano de 1890, o memorialista Ciro Arno acompanhou episódio agudo de especulação com gêneros alimentícios na praça de Diamantina. Nas palavras do escritor: 
  Meses após a Proclamação da República, houve no Norte de Minas extraordinária carestia de víveres, produzida por longa estiagem (...). O Governo Provisório, diante da escassez de alimentos, providenciou a remessa de víveres para as zonas flageladas e mandou estabelecer cozinhas públicas nas cidades, que forneciam comida aos necessitados. (...) Foi nessa época que certo negociante começou a açambarcar partidas de toucinho nos municípios circunvizinhos de Diamantina, cercando as tropas nas estradas e armazenando a mercadoria num compartimento da ‘intendência de cima’. Não vendia ao comércio local o toucinho, à espera de que este subisse ainda mais de preço, a fim de locupletar-se à custa da miséria pública. O pouco toucinho existente nos armazéns da cidade atingiu a preços exorbitantes e depois desapareceu quase totalmente. O povo, como é natural, estava no auge da indignação contra tão desmedida ganância, e começou a protestar, chefiado pelos senhores Agostinho Detalond Lopes, Félix Pereira de Andrade, Pedro Pereira de Andrade e outros. A autoridade municipal, pressionada pelas denúncias, apreendeu o toucinho e, verificando estar o produto estragado, ordenou sua queima no campo de Juca Neves, fato que foi acompanhado por grande multidão, banda de música e foguetes (ARNO, 1949, p. 20). 
 
 Este acontecimento parece ter sido a gota d’água que faltava para encher as medidas da Câmara Municipal. Finalmente, os camaristas de Diamantina resolveram agir, como reivindicava há anos o povo da cidade. Trataram de instituir o Mercado Municipal, no ano de 1890. Para isso, adquiriram o edifício da intendência do Lage, que havia falecido em 1889 com mais de oitenta anos. Ação que foi mais do que simples resposta a reivindicações populares contra açambarcadores, porque representou a institucionalização e o controle do principal espaço de comercialização de mantimentos da cidade, bem como a fiscalização dos tropeiros e comerciantes (inclusive para fins de arrecadação fiscal) num contexto de busca da ordenação racional dos lugares e das funções urbanas, para garantir a segurança e o bem-estar dos moradores.  Uma vez comprado pela Câmara de Diamantina, o velho edifício do Largo da Cavalhada Nova passou a abrigar a Intendência Municipal, dotada do monopólio do abastecimento, visando combater os                                                            
 22 - Monitor do Norte, ano 1, n. 35, 8 de agosto de 1875. Acervo Soter Couto, Centro de Pesquisa da FAFIDIA. 23 - Sete de Setembro, ano I, n. 32, 16 de abril de 1887. Biblioteca Antônio Torres. 24 - Fazenda grossa e fazenda fina são expressões usadas pelos garimpeiros para especificar qualidades de diamantes. 
atravessadores. A intenção dos camaristas era a de que os gêneros de primeira necessidade convergissem para o Mercado e lá ficassem expostos durante um dia, antes do arremate dos comerciantes.  A administração do Mercado Municipal era composta por um diretor, um fiscal e um guarda-fiscal. Conforme o regulamento25, ao diretor cabia zelar pelo bom funcionamento do local, mantendo a ordem, podendo intimar os contraventores e turbulentos a se retirarem, para o que poderia dispor de apoio policial; arrecadar os impostos devidos, fazer a escritura do estabelecimento e prestar contas ao Coletor Municipal, encaminhando-lhe o dinheiro arrecadado; zelar pelos utensílios do Mercado, especialmente a balança e as medidas; velar para que os atravessadores não tivessem oportunidades de se mancomunarem com os tropeiros, levando ao conhecimento das autoridades municipais esses eventuais conluios; e, finalmente, como é designado a qualquer diretor, ficava sob sua responsabilidade “chamar à ordem qualquer empregado do Mercado que se desviasse do cumprimento de seu dever e representar contra o mesmo ao Agente Executivo”.  Ao fiscal do Mercado cabia prestar auxílio eficaz ao diretor na observância do regulamento do estabelecimento, examinar os gêneros alimentícios para que não ocorresse falsificação com a mistura de substâncias, tomar nota da chegada dos tropeiros, fiscalizar a pesagem dos gêneros, fazer a inspeção das dependências do Mercado, para conservá-lo limpo e em ordem, separar as mercadorias dos carregamentos destinadas a varejo e fiscalizar o varejo dos mantimentos. O guarda-fiscal do Mercado era responsável por abrir e fechar o estabelecimento nas horas marcadas, cuidar de seu asseio, observar a conservação dos utensílios, conduzir papéis e auxiliar a fiscalização do mercado. A partir do ano de 1895, a Câmara de Diamantina fixou o salário anual do diretor do Mercado em um conto de réis, e o salário anual do fiscal em quinhentos mil réis. Foi também acrescido mais um guarda-fiscal ao corpo de funcionários da Intendência. Quais as determinações que regiam o funcionamento do Mercado Municipal de Diamantina? Para garantir a concretização dos objetivos que deram razão à criação do Mercado, o Decreto de 3 de julho de 1895, assinado pelo Dr. Alexandre da Silva Maia, Agente Executivo Municipal, estabeleceu o seguinte: 
 
Art. 1.º Os gêneros alimentícios serão vendidos livremente, no Mercado Municipal, pelo tropeiro ou mercador, e repartidamente entre consumidores e comerciantes, conforme a quantidade existente no dia, proporcionalmente ao número de pessoas das famílias dos consumidores, salvas as disposições destas instruções sobre o varejo; Art. 2.º Só será permitida a venda dos gêneros por atacado depois de findo o prazo de 24 horas, a contar do momento em que tiverem sido os mesmos expostos à venda; Art. 3.º O varejo instituído em favor das classes desfavorecidas, continuará a ser feito de acordo com as regras já estabelecidas (...); Art. 4.º Aos compradores, consumidores ou comerciantes, é garantido o direito de requisitar a intervenção do Fiscal, ou quando não julguem esta suficiente, a do Diretor do Mercado, para que sejam cumpridas as presentes instruções, e, segundo elas, atendidas suas reclamações; Art. 5.º Ficam revogadas as disposições em contrário.26  
 
 As normas estabelecidas pelo Decreto municipal de 3 de julho de 1895 visavam favorecer o varejo dos mantimentos, privilegiando os consumidores locais de menor renda. A letra da lei orientava-se para a garantia do abastecimento regular a preços módicos, para o que contrariava os interesses dos comissários e das maiores casas comerciais da cidade. A Câmara de Diamantina ousava, dessa forma, enfrentar a longa tradição de práticas especulativas que caracterizavam a atuação dos negociantes num mercado regional bastante “imperfeito”.  É claro que os negociantes e donos de ranchos não aceitaram passivamente as determinações da Câmara. A ação dos comissários prosseguiu, afrontando a autoridade municipal. Os ranchos na periferia da cidade continuaram recebendo as cargas de muitas tropas, que neles descarregavam mercadorias fugindo dos impostos cobrados no Mercado Municipal. A reação da Câmara Municipal                                                            
 25 - Versão do regulamento publicada pelo jornal oficial O Município, ano VI, n. 232, de 2 de julho de 1900. Biblioteca Antônio Torres. 26 - O Município, ano I, n. 35, 6 de julho de 1895. Biblioteca Antônio Torres. 
de Diamantina não tardou. No jornal O Município, datado de 14 de março de 1896, o Agente Executivo Municipal, Dr. Alexandre Maia, publicou matéria na qual reiterava os objetivos da autoridade local com a criação do Mercado e sinalizava a disposição da Municipalidade de vencer a queda de braço com os comissários e donos de ranchos: 
  A lei que criou o Mercado Público desta cidade proibiu expressamente que os tropeiros fizessem descarga de carregamentos em outro ponto que não fosse o mesmo Mercado, ficando, portanto, ipso facto suprimidos os ranchos particulares para aquele fim. Esta lei teve em vista favorecer a população desta cidade, que em outros tempos, tinha de percorrer diversos ranchos para abastecer-se dos gêneros de que tinha mister, encontrando no presente reunidos em um só ponto – o Mercado Municipal – todos os gêneros indispensáveis à subsistência. Teve mais em vista, reprimir abusos e especulações as mais revoltantes (...) de pequeno número de negociantes de que servem apenas para a vergonha e desprestígio dessa nobre classe que, naturalmente deve revoltar-se e protestar contra esses aleijões sociais, porquanto essa parcela sem consciência visa apenas o interesse próprio (...) vendendo seus gêneros pelo triplo do valor27. 
 
 A contra-reação dos comerciantes donos de ranchos veio imediatamente, no mesmo mês e ano, por meio das acusações que o Dr. Pedro da Mata Machado, ele próprio dono de rancho, fez publicar nos jornais da cidade contra o Agente Executivo Municipal. As decisões da autoridade sobre o comércio de mantimentos eram contestadas, sob o argumento de que eram francamente ilegais – violariam, segundo Mata Machado, os princípios liberais da ordem jurídica brasileira –, além de possuírem razões meramente eleitoreiras. A contenda entre o Dr. Alexandre Maia e o Dr. Pedro da Mata Machado ocupou as páginas da imprensa local por vários meses, num tom bastante agressivo. Ambos os lados se acusavam de favorecimento e de agir contra a lei. Enquanto isso, as práticas especulativas e a perda de arrecadação fiscal continuaram.  A prova disso é a deliberação da Câmara Municipal tomada em meados de 1898. Conforme se lê na ata da 4.ª sessão extraordinária da Câmara de Vereadores de Diamantina, realizada em julho de 1898, ficou resolvido que: 
 
Art. 1.º É expressamente proibido o atravessamento de gêneros alimentícios nas estradas, em viagem ou destinadas a esta cidade, sob pena aos infratores da multa de 100$000 e, na reincidência, além da multa, 15 dias de prisão. Parágrafo 1.º Será também considerado atravessamento e, como tal, punido com as penas deste artigo, todo indivíduo que, dentro do mercado, comprar toda a porção ou parte de qualquer gênero para ali mesmo revendelo ao povo ou aos negociantes, bem como o tropeiro que mancomunar-se com o comprador para esse fim. Art 2.º A Câmara nomeará uma comissão composta de 6 membros negociantes para em tempo de carestia, abrir preço nos gêneros descarregados no mercado (...). Art 3.º Verificada a carestia de qualquer gênero, uma parte dele, a juízo do diretor do mercado, conforme a falta, mas nunca menos da quarta parte, será vendida a varejo repartidamente pelo povo; tomando-se em consideração o número de pessoas de cada família, a fim de haver igualdade na distribuição28. 
 
 O endurecimento da posição da Câmara Municipal contra os “atravessadores”, fossem eles tropeiros, negociantes ou donos de ranchos, é sinal de que, a despeito dos esforços para regulamentar, fiscalizar e punir os desvios praticados pelos comerciantes, o governo da cidade não conseguiu reverter inteiramente a situação. O comércio de mantimentos continuou sujeito a abusos, embora a vigilância das autoridades no Mercado Municipal tendesse a reduzi-los significativamente.  Nos primeiros anos de funcionamento do Mercado Municipal, a resistência de muitos tropeiros para descarregar suas mercadorias naquele local pode ser explicada pelo fato de que eles sentiram-se lesados pela cobrança de impostos municipais, com os quais não estavam acostumados. Os valores desses impostos variaram muito no decorrer dos anos, porém, tiveram impactos negativos sobre os lucros dos tropeiros, principalmente dos que lidavam com pequenas tropas. Em 1910, o jornal A Idea Nova publicou os impostos que vigorariam no exercício de 1911: o tropeiro 
                                                           
 27 - O Município, ano II, n. 64, 14 de março de 1896. Biblioteca Antônio Torres. 28 - O Município, 14 de julho de 1898. Biblioteca Antônio Torres. 
diamantinense pagaria 50$000 e o tropeiro de outra cidade pagaria 25$00029. Aos preços da época, o imposto sobre o tropeiro diamantinense correspondia ao valor pago por 80 litros de arroz pilado bom.  Além da preocupação com a garantia do abastecimento, especialmente das famílias de menor renda, e com a arrecadação fiscal sobre o movimento das tropas, o regulamento do Mercado Municipal de Diamantina continha preocupações claras com a higiene dos alimentos e do espaço de comercialização dos “gêneros da terra”. Preocupações reiteradas pela Resolução n. 31, de 26 de junho de 1900, na qual a Câmara deliberava o seguinte: 
  A entrada na praça do mercado é franca a todos, exceto àqueles que sofrerem de moléstias contagiosas ou asquerosas, sendo proibido o ajuntamento de quaisquer pessoas que não estejam comprando ou vendendo e que possam perturbar o movimento das transações comerciais30. 
 
 Apesar da preocupação dos camaristas com a limpeza do Mercado, que era atribuição dos guardas-fiscais nele empregados, os resultados obtidos não foram bons. O grande movimento de tropeiros, negociantes e consumidores, no recinto do Mercado, não favoreceu a higiene e a limpeza daquele espaço. Ao contrário, o Mercado de Diamantina sempre foi lugar de imundície. A esse propósito, convém transcrever o depoimento da memorialista Dulce Baracho: “o interior do Mercado vivia entulhado de cangalhas e mercadorias, tornando-se intransitável, um mau cheiro de couro molhado de suor, fumaça e gordura, de coisas podres (...)” (BARACHO, 2002, p. 17). Na mesma direção, e modo incisivo, vai o depoimento do ex-tropeiro José Maria Lopes: 
  [Naquele] tempo ainda aparecia um bocado de gente desvalida que vinha de longe... Pessoas muito pobres, mendigos que não tinham higiene. Essas pessoas desvalidas vinham lá de Itamarandiba, por esses lados de baixo. (...) Elas bagunçavam o Mercado, era sujeira demais e gerou a tal de muquirana, que era um tipo de piolho. Nos parapeitos do Mercado, a gente olhava assim e estava cheio daquela porcariada e aquilo pegava na gente. (...) Lá tinha um banheiro imundo justamente por causa desse pessoal que fazia as necessidades fora do lugar. Tinha os vasos, mas eles não usavam o vaso de jeito nenhum. Então, com aquela sujeira toda, ainda tinha as sacarias, os papelões, aí o Mercado ficava cheio de insetos31. 
 
 Estas últimas considerações trazem à baila o problema das dificuldades cotidianas que o Mercado Municipal de Diamantina enfrentava. No dia-a-dia, o regulamento era objeto de resistências, negociações e tensões que faziam do Mercado “real” algo bem distinto do Mercado “ideal”, concebido pelas leis e resoluções emanadas da Câmara de Vereadores. No Mercado “real”, os próprios objetivos que as autoridades municipais buscaram atingir, referentes ao comércio de mantimentos, chegaram a correr riscos em diversas ocasiões.  Citam-se, a seguir, apenas dois episódios que mostram as dificuldades do funcionamento do Mercado Municipal. O primeiro deles é a reclamação estampada na edição de 14 de fevereiro de 1905, do jornal O Itambé: 
  Mercado Público. Ao Sr. Agente Executivo. Continua suspenso o varejo de gêneros alimentícios no Mercado Público, medida esta que causa grande dano ao povo e principalmente à parte pobre da população, que é quem mais utiliza da venda em pequenas quantidades. Este ato além de iníquo (...), é uma infração flagrante da lei municipal, que sabiamente interpretando o dever que tem a Câmara de defender os interesses do povo, determinou que de cada carregação chegada ao Mercado, fosse separada para varejo uma certa quantidade a juízo do diretor. Mas ficar ao arbítrio do diretor designar a quantidade que deve ser varejada, está bem longe de autorizá-lo a suprimi-lo de vez, pois outra exatamente foi a intenção do legislador. Mais de uma pessoa tem vindo ao nosso escritório reclamar contra este ato arbitrário (...)32. 
 
                                                           
 29 - A Idea Nova, ano V, n. 237, 23 de outubro de 1910. Biblioteca Antônio Torres. 30 - O Município, ano VI, n. 232, 2 de julho de 1900. Biblioteca Antônio Torres. 31 - Depoimento de José Maria Lopes, concedido a Tatiana Gonçalves da Silva e Rogério Pereira Arruda, em setembro de 2004. 32 - O Itambé, ano III, n. 105, 14 de fevereiro de 1905. Biblioteca Antônio Torres. 
 O segundo episódio ocorreu no ano de 1906, mais uma vez como resultado das “relaxações” das autoridades encarregadas do Mercado, resultando daí prejuízos para a economia da cidade. O caso foi denunciado pelo jornal A Idea Nova, em maio de 1906: 
  Há tempos que constantemente ouvimos queixas contra o diretor do mercado, por ter suprimido, por seu próprio arbítrio, o varejo de gêneros ordenado por lei municipal. Dizem que assim procede por ser ele próprio negociante, e não convir aos seus interesses que sejam os gêneros varejados no mercado. É certo ser ele negociante, de sociedade com um cunhado, o que é grande irregularidade (...). Afiançam mais que ele mancomuna-se com os tropeiros, compra-lhes os gêneros por um preço e propala ter comprado por mais, fazendo assim preço para os outros negociantes, de sorte que tem sempre o seu negócio sortido de gêneros mais baratos. Agora com surpresa sabemos que não se varejam gêneros, não só porque o diretor dispensa, como também por terem furtado as medidas que a Câmara deu para o mercado! (...) Pedimos e esperamos que o Sr. Agente Executivo ponha termo a essa relaxação que é uma vergonha para Diamantina33. 
 
 Havia, portanto, muitos problemas no funcionamento da Intendência Municipal e no comércio de mantimentos na cidade de Diamantina, na virada do século XIX para o XX. A Câmara procurou interferir nesse campo, de suma importância para a manutenção da ordem pública, obtendo algum sucesso. Das ações da Municipalidade, resultou um fato incontestável: o Mercado Municipal de Diamantina, antiga intendência do Lage, tornou-se o mais movimentado espaço de comércio na cidade, o ponto mais importante de compra e venda dos chamados “gêneros do país” e, por conseguinte, o local para o qual convergiam as tropas que chegavam a Diamantina, vindas das regiões de Serro, Minas Novas e Montes Claros.  Para fazer face ao movimento intenso do Mercado, a Câmara Municipal cuidou de melhorar as instalações da Intendência. Construiu instalações sanitárias e continuamente acrescentou novos cômodos de negócio ao edifício, os quais eram alugados para comerciantes da cidade34. 
 
O movimento no Mercado de Diamantina  No meio da balbúrdia e do alarido do Mercado e do seu largo, podiam ser vistas as mais diversas carregações, trazidas pelas tropas: açúcar mascavo, rapadura, fumo, algodão, couros e solas, café, farinha de milho e de mandioca, laranja, banana, abóbora, ovos, frangos, mandioca, samambaia, vegetais de hortas (quiabo, maxixe, verduras, etc.), lenha, arroz, feijão, milho, toucinho, carne seca, aguardente, canela-de-ema35, etc.  O Mercado Municipal era o ponto de maior movimento da cidade, das cinco horas da manhã até por volta das seis horas da tarde. Da década de 1890 até a primeira metade do século XX, o Mercado Municipal foi o coração do comércio de gêneros de abastecimento na cidade. Em torno dele, ficavam situados os principais atacadistas diamantinenses. Para ele convergiam as tropas que chegavam a Diamantina. Por isso, nas memórias dos moradores mais velhos da cidade há muitas imagens e narrativas associadas ao movimento de tropeiros, comerciantes e consumidores no Largo do Mercado. Como nas lembranças de Joaquim Ribeiro Barbosa que morou, quando menino, na década de 1940, na Praça Barão de Guaicuí: 
  (...) debruçando na janela de minha casa, fincava a vista na curva do Caminho dos Escravos e, um por um, ia contando os animais que assomavam. Dez, trinta, cinqüenta, duzentos muares, quanta vez eu já contei(...) Quando acontecia de chegarem, ao mesmo tempo, muitas tropas, aí, sim, é que aumentava o alarido, ficando a frente do mercado a não caber de animais. Os esteios de aroeira (...) quase não davam para amarrar tanta besta (...) Uns [tropeiros] apertando os cambitos, pondo ordem nos cargueiros para a volta, outros desmontando as pesadas cargas, já delimitando, no calçamento de pedras do mercado, sua faixa de rancharia (...) (BARBOSA, 2000, p. 23-24). 
 
Durante todo o dia, o largo do Mercado e as ruas próximas ficavam cheios de animais, os quais deviam ser amarrados nos esteios, carregados ou descarregados cuidadosamente, ter os pêlos                                                            
 33 - A Idea Nova, ano I, n. 5, 13 de maio de 1906, p. 3. Biblioteca Antônio Torres. 34 - A Idea Nova, ano VI, n. 305, 11 de fevereiro de 1912. Biblioteca Antônio Torres. 35 - Planta típica dos campos rupestres do Espinhaço, muito empregada para fazer tochas para iluminação de recintos fechados, uma espécie de substituto para o querosene, e para acender fogo. 
raspados – alguns levavam um banho de água com sal no lombo, para curar ferimentos provocados pela fricção da cangalha. À tardinha, os animais tinham que ser levados aos pastos, na periferia da cidade. Os balaios e as bruacas, quando da chegada da tropa ao Mercado, eram levadas para um canto do edifício – cada lote tomava o seu canto, perto uns dos outros. As cangalhas e os volumes de mercadorias eram empilhados pelos tocadores, uma pilha uns dois metros distante da outra, formando assim como que pequenos quartos dentro do Mercado. À frente destes “compartimentos”, batiam-se as trempes de cozinha, acendia-se, por baixo delas, o fogo, com lenha cortada em pequenos pedaços. Então eram preparados o café e a refeição dos tropeiros: o almoço por volta das dez horas; o jantar, lá pelas dezesseis horas36.  Era costume dos tropeiros beber muita cachaça, durante sua estadia na cidade. Logo que chegavam ao Mercado, antes mesmo de descarregar os animais, muitos tropeiros corriam para a venda ou bar mais próximo, para beber uma pinga. Feitas as obrigações, havia tocadores que passeavam a vontade pela cidade, iam conversar e até dançar. Muitos freqüentavam as áreas de meretrício de Diamantina, como o Beco do Mota, a mais destacada delas – por  sinal, bastante próxima do Mercado Municipal37.  Os tocadores e os donos de pequenas tropas dormiam no recinto do Mercado. Abriam, no corredor entre as cangalhas e cargas, os couros que cobriam as mercadorias; cobriam com o dobro38, quando era tempo de frio; deitavam-se vestidos com as mesmas roupas de todos os dias, pobres, sujas, puídas, às vezes remendadas. Os tropeiros proprietários tinham vida bem melhor. Ficavam alojados nos hotéis ou pensões de Diamantina, jogavam truco, à noite, e bebiam com os amigos nos reservados dos armazéns.  A venda das mercadorias empregava a balança e as medidas do Mercado. No peso, eram vendidos normalmente o toucinho e as carnes. Os outros gêneros e o sal eram vendidos na base da quarta, do cinco-litros, do prato, do meio-prato e do quartilho. O quartilho correspondia a meiolitro. O litro, dependendo da mercadoria a se medir, correspondia a um quilo ou pouco menos. Um prato correspondia a dois litros, a meia-quarta correspondia a dez litros, e a quarta, a vinte litros. Tais medidas eram feitas de madeira bem-trabalhada, em forma de quadrados. As medidas do Mercado Municipal serviam como padrão para as medidas usadas nos estabelecimentos comerciais da cidade. Os gêneros vendidos a varejo aos consumidores diamantinenses eram pagos à vista, em moeda. As vendas a atacado, fechadas com os comerciantes de Diamantina, eram geralmente feitas a crédito, isto é, a prazo de seis, nove meses e até um ano. Da mesma forma, as encomendas que os tropeiros levavam para seus locais de origem eram também realizadas a prazo.  O movimento crescente do comércio no Mercado Municipal, na virada do século XIX para o século XX, refletiu significativamente na composição das rendas auferidas pela cidade de Diamantina. Os números, bastante elucidativos, são alinhavados no quadro abaixo: 
 
Rendas relativas ao Mercado Municipal Diamantina – 1915 a 1937 Rendas municipais 1915 1929 1937 Renda total do município 72:370$000 140:230$000 407:343$000 Aferição de pesos e medidas 200$000 254$000 - Renda do Mercado 13:000$000 26:953$000 108:847$100 Aluguel de cômodos do Mercado 600$000 1:750$000 - Total da renda do Mercado 13:800$000 28:957$000 108:847$100 % sobre a renda municipal 19% 21% 27% 
                                                           
 36 - A descrição do cotidiano do Mercado está baseada nas informações retiradas de FREIRE (1997). As situações narradas pelo autor, embora relativas ao Serro, correspondem bem ao que se passava em Diamantina. As duas cidades, neste aspecto, possuem trajetórias muito semelhantes. 37 - Depoimento de Augusto Domingos Ribeiro, concedido a Tatiana Gonçalves da Silva e Andréa Casa Nova Maia, em julho de 2004. 38 - Dobro era o nome dado ao pano grosso que ficava entre o lombo do animal e a sela, para proteger o dorso do burro ou mula do atrito das armações de couro que seguravam as cargas. 
Fonte: Vários documentos39. 
 
 Vale a pena insistir nesse ponto. O movimento no Mercado de Diamantina, a “casa do tropeiro”, era grande. Em certos meses do ano, o tempo da seca, a praça do Mercado tornava-se pequena para acomodar os animais. Era freqüente encontrarem-se lotes de burros aguardando em ruas e becos próximos por sua vez de descarregar. Por isso, os impostos arrecadados naquele espaço chegaram a representar praticamente um terço da renda anual do Município, no decorrer dos anos 1930. Nada demais se se levar em consideração o depoimento do senhor Mário Nicolau Pereira, extropeiro: 
  Tinha época de não caber mais... o tropeiro não tinha como dormir. Tinha de dormir para o lado de fora ou então na Palha. Duzentos e quarenta burros já contei lá no Mercado. Quando as tropas enchiam o Mercado, a saída era ir para a Palha. Naquela época, além do rancho para os tropeiros lá tinha bom pasto. O dono do rancho cobrava quatrocentos réis por cabeça (apud. LOPES, 1993, p. 91-92). 
 
 Enfim, se não há dúvidas de que o mais autêntico símbolo da economia do Norte mineiro, o agente por excelência da circulação e da vida econômica regional era a tropa de muares, também cabe reconhecer que o Mercado Municipal de Diamantina é a melhor expressão do lugar de destaque que a cidade alcançou, na virada do século XIX para o XX, no cenário mercantil do Norte mineiro. Ponto de convergência das tropas de inúmeros municípios da região, o Mercado Municipal de Diamantina oferecia, naquela época, uma imagem viva e penetrante do dia-a-dia dos tropeiros.  
 
Considerações finais  O abastecimento alimentar do importante e dinâmico núcleo urbano do Tijuco/Diamantina, no decurso dos séculos XVIII, XIX e primeira metade do XX, dependeu da combinação da oferta de gêneros diversos produzidos na vasta região do Alto Jequitinhonha e no próprio interior e nas imediações da localidade. Do entorno de Minas Novas, do Serro (antiga Vila do Príncipe) e das férteis terras da Mata de Peçanha, grande volume de mantimentos foram destinados ao mercado do Tijuco/Diamantina, transportados por numerosas tropas de muares. Essas caravanas de burros mantiveram movimentadas as intendências instaladas na área central da cidade, respondendo pela maior parte do abastecimento local. Outra parte expressiva dos alimentos consumidos no Tijuco/Diamantina, especialmente verduras, legumes, frutas, quitandas, conservas, doces e leite, tiveram origem dentro dos limites da própria localidade, nos quintais e chácaras urbanos, suburbanos e periurbanos.  Essa produção estritamente local de alimentos era trocada ou doada entre vizinhos, como também inserida em pequenos circuitos mercantis que envolviam o diminuto varejo praticado por ambulantes e a colocação dos produtos nas vendas, tavernas e intendências do Tijuco/Diamantina. Como assinalaram viajantes estrangeiros e memorialistas locais, a produção alimentar dos quintais e chácaras concorreu para tornar maior a quantidade e a qualidade da alimentação dos moradores da cidade, além de favorecer a regularidade e modicidade da oferta de alimentos. Por isso mesmo, até o último quartel do século XIX, as autoridades do Tijuco/Diamantina procuraram estimular as atividades de produção e beneficiamento de alimentos no interior do perímetro urbano. Entretanto, a partir da década de 1870, as elites e autoridades locais mudaram o foco das preocupações relativas ao abastecimento alimentar. Pressionadas pela crise da economia do diamante, empenhadas em combater as práticas dos comissários – que forçavam a tendência altista dos preços dos mantimentos – e, sobretudo, desejosas de modernizar e “civilizar” Diamantina, as autoridades e as elites letradas jogaram o peso da administração municipal nas iniciativas de regularização do comércio de abastecimento e na superação do aspecto afazendado da cidade. Dessa forma, ao mesmo tempo em que criaram e fizeram do Mercado Municipal o ponto de                                                            
 39 - A Estrela Polar, ano XIII, n. 2, 10 de janeiro de 1915. Relatório apresentado ao Dr. Raimundo Gonçalves da Silva, Juiz de Direito da Comarca de Diamantina, pelo Presidente da Câmara e Agente Executivo Municipal Juscelino Dermeval da Fonseca. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1931. Secretaria das Finanças do Estado de Minas Gerais. Exportação do Estado e Arrecadação das Exatorias em 1937. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1939.  
concentração quase absoluta da comercialização de mantimentos, as autoridades começaram a desestimular a tradicional utilização dos quintais e chácaras na produção de alimentos. O projeto de modernização da “Atenas do Norte”, que almejava torná-la o “grande empório do Norte” de Minas, com base na expansão da indústria, do comércio e dos serviços, era francamente hostil à continuidade dos quintais e chácaras produtivos. Ao contrário, a política da Municipalidade na virada do século XIX para o século XX, que enfatizava a expansão, os melhoramentos e o embelezamento urbanos, bem como minuciosa normatização do cotidiano dos moradores (incluindo os aspectos da higiene e da tributação), erigiu como um de seus pilares o princípio de que a produção alimentar deveria ficar confinada às áreas rurais e ser comprada, pelos habitantes da cidade, em mercados limpos, espaçosos e bem fiscalizados pela administração municipal. Por conseguinte, as tradicionais atividades de produção/comercialização de alimentos realizadas por famílias citadinas, empregando seus quintais e chácaras, passaram a sofrer recriminações da “opinião pública” (expressa nos jornais diamantinenses do período) e entraves crescentes advindos do governo municipal. Em função dessa nova realidade, gradativamente o papel de relevo desempenhado pela produção doméstica de alimentos foi sendo desmanchado no decorrer do século XX. Ironicamente, nos dias atuais, o prédio imponente do antigo Mercado Municipal, um dos cartões postais mais conhecidos de Diamantina, possui movimento apenas aos sábados, ocasião em que abriga uma feira microrregional de produtos alimentícios e de artesanato. Ou seja, justamente quando é, por assim dizer, reapropriado pela remodelada produção doméstica de alimentos, agora direcionada para o consumo dos numerosos turistas que visitam a cidade.    
 
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