Teatro Santa Isabel - Arraial do Tijuco - Diamantina-MG

30-04-2017 17:53

 

 

 

 

 

TEATRO DE PROVÍNCIA AS REPRESENTAÇÕES TEATRAIS NO ARRAIAL DO TIJUCO—O TEATRO SANTA ISABEL NA VILA E NA CIDADE DIAMANTINA—OUTROS PALCOS DA COMUNA . JOSÉ TEIXEIRA NEVES

  

 

A 11 de setembro de 1909, a Companhia de Operetas Maria Fontana inicia uma série de representações com o seguinte repertório: O Relâmpago, de Comprodon e Barbieri; A Prima Chiquinha (Francísca), comédia de Sousa Bastos; O Lobo do Mar. A tradução de João Soler; Tm tim por tim-tim, revista em 3 atos de Sousa Bastos, música de Plácido Sticchini; Quanto pode um rifão; Morgadinha de Val-Flor, drama de Manuel Pinheiro Chagas; O Periquito, peça de Sousa Bastos e Costa Braga, música de Francisco Alvarenga; O Filho do Supliciado, drama em 2 atos de Xavier de Montepio e a comédia O Idiota.Cabe ao ilusionista Clemente, em abril de 1910, encerrar o ciclo das representações teatrais no antigo edifício de tão sugestivas tradições. Simultâneamente à função precípua a que fôra destinado, o Teatro de Santa Isabel teve mais préstimos, servindo como centro de outras atividades—recreativas, culturais.cívicas, sociais e políticas. Ali era a séde do tríduo de Momo. Em seus amplos salões realizavam-se, no período próprio e mesmo fora da época, animadíssimos bailes carnavalescos, rigorosamente familiares. Mais tarde passaram a ser frequentados também por pessoas da vida irregular, sem que todavia houvesse promiscuidade. Pelas famílias eram ocupados os camarotes, o salão e a caixa. Aos marginais se reservavam as galerias, separadas do salão por uma tapagem que só não ocultava as escadas de acesso. Essa divisão era conhecida por cinzeiro O cavalheiro procedente dali, se se atrevesse a penetrar no outro meio era geralmente repelido pelas damas, não encontrando par. Um préstito constituído de máscaras percorria as ruas centrais da cidade, durante os três dias. Conduzido ao ombro em padiola, por quatro foliões, saía, cada noite, uma divindade da mitologia greco-romana—Júpiter, Venus (tfavesli) Baco, Netuno, etc.  O mais antigo organizador de bailes no teatro de que há noticia é Valeriano Ferreira de Araújo, que os promoveu em 1862 nos dias de carnaval e nos dias 21 e 23 de abril, de Sábado de Aleluia a Segunda de Páscoa. Em 1863, Cláudio Ribeiro de Almeida faz convites para ensaios de bailes, anunciando gratuidade de camarotes e o preço de 1$000 por entrada geral. A banda de música estaria colocada no centro do salão. Números constantes dos programas: Quadrilhas Garibaldinas e outras, e Batalhão de Zuavos, a propósito da Questão Christie Do carnaval de 1869 ficam encarregados Cláudio Ribeiro de Almeida e Procópio Gomes Ribeiro. Este último chama a si, em 1870, a direção dos bailes nos dias 27 e 28 de fevereiro e I2 de março. De sua residência à Rua das Mercês parte a passeata. Antes do baile: ouvertures de Donizetti, Rossini, Mercadante e Verdi. Quadrilhas novas e apuradíssimas, extraídas das óperas bufas de Offenbach. Para os bailes de 19, 20 e 21 de fevereiro de 1871, o empresário prepara três salões com capacidade de duzentos pares. Pela primeira vez vai funcionar o salão da frente, "bastante arejado com uma ampla varanda". Ensaios nas três noites precedentes. O Teatro está aberto desde 30 de janeiro de 1872 para os ensaios da nova quadrilha de lanceiros a ser marcada nas noites de 11, 12 e 13 de fevereiro. Também nos dias 19, 20 e 21 de maio, além da quadrilha dos Lanceiros, a de Peras de Satanás, pela Sociedade da Ferrugem Em 1874, distingue se nos bailes a Sociedade Cavalheiros Azuis. Bento Epaminondas fantasia-se de padre e de maçom, ao mesmo tempo. Estamos na época da chamada Questão Religiosa. Os bailes, em 1875, realizam-se em as noites 7, 8 e 9 de fevereiro, com o concurso das duas bandas de música da cidade. A do Côro Grande ou Corão, funciona na primeira noite, e a do Corinho, nas seguintes. No botequim, a cargo de Bento Epaminondas, havia sortimento de cerveja, nacional e inglesa, vinhos finos, empadas, doces, sequilos, bolos de cozinha, queimados, etc. "Serviço à Carceler'. Há repetição dos bailes a 28, 29, 30 e 31 de março, l2 e 2 de abril saindo à rua bandos de mascarados. A renda proveniente do último baile reverte a beneficio da Santa Casa de Caridade. Como teria decorrido o carnaval de 1876 di-lo este  anúncio publicado no "Monitor do Norte", de 20 de fevereiro "Bailes Mascarados, às 7 horas da noite nos dias 27, 28, 29. Grandiosos, solenes, esplêndidos e deslumbrantes bailes no Teatro Santa Isabel! Música por atacado e ao varejo, espirito de toda sorte, os botequins francos, os pinotes alerta, bons petiscos, boas quadrilhas, excelente sociedade, variedade do passa tempo e tudo por um óculo... quando as portas do festival Teatro Santa Isabel se moverem nos gonzos e, às 7 da noite, abrirem seus seios à opulência da bela sociedade. Alerta! Eia! Avante! No dia 27, sairá Baco rindo para as moças, com seus ministros, europeia e toda a chicana do Reino das Campainhas, que hoje se acha em paz com o Sultão do Império dos Guizos e aliado da Rainha da Uva Madura. No dia 28, o horrível e danado Dragão Quadra sairá montado pelo cacique Caiporismo, em viagem aos subúrbios de Satanás, para onde vão com opíparos presentes d'El Rei Baco LIX. Nesse dia sai cinza. No dia 29 o Pégaso irá tirar argolinhas e dançará um batuque de quatro pés em homenagem ao deus dos bons rapazes. É escusado dizer que este centauro tem espírito, como qualquer homem de juízo."  A 16, 17 e 18 de abril abrem-se novamente os salões do Teatro de Santa Isabel. Os botequins ''acham-se enfeitados de Chopotó e Gameleira" {marcas de cerveja de produção local.) Caninlia Verde era o título de um clube carnavalesco que existe em 1885. No carnaval de 1890, omitindo-se a autoridade policial quando à ordem para encerramento do baile à meia-noite de terça-feira gordo, como se procedia sob o regime imperial, Laport se apresenta no palco fantasiado de Morte, mostrando, em grande livro aberto, a advertência bíblica lembrada pela Igreja no ritual da Quarta-Feira de Cinzas: Mernento, homo, quia pulvis est, el in pulverem reverj teris. Que o baile não prossegue, é escusado dizer:: Uma coleção de quadrilhas intitulado Estrela Dalva é composta por Olivier Batista para o carnaval de 1905. Procópio Gomes Ribeiro foi substituído por seu filho Júlio Caetano.

 

 

 

 

 

Honrando as tradições do Tijuco, onde se manifestara O gênio de José Joaquim Emérico Lôbo de Mesquita, recentemente revelado graças a laboriosos e perseverantes esforços de Curt Lange, a música oral e instrumental também se fazia no Teatro de Santa Isabel em números e programas especiais, fora da participação que lhe cabia nas representações dramáticas. Eram concertos, que davam a profissionais e amadores oportunidade de exibição de técnica e de virtuosidade. Retornando à data de 1º de janeiro de 1869, encontraremos Luís Dionísio da Mota (1850-1869), um jovem com a idade de 18 anos, que se propõe a executar, em clarinete, uma variação sobre o tema de Átila, de Verdi. Como se comporta o esperançoso músico, por desgraça desaparecido tragicamente dois meses após, diga o cronista anônimo de então, que, sem o pretender, se denuncia como sendo Teodomiro Alves Pereira, pela clássica modéstia com que se refere ao drama escrito por este, e também pelos arroubos que caracterizam o inconfundível estilo do verboso literato: "Representava-se um drama original que a galanteria

do público aplaudia com indulgência e simpatia. (. . .) Os atenienses fizeram silêncio. O auditório recolheu-se para ouvir uma variação sobre o poema festejado do grande Verdi." ''Às primeiras notas arrancadas ao clarinete, com a reserva do artista que escuda no auditório, as frontes se ergueram e um fluido elétrico fez agitar os corações; um minuto mais e as notas sucediam-se vibrantes, sentimentais; em breve a alma do artista se passa para o público e um bravo unânime cobria-lhe as últimas melodias." "A variação fora saudada com frenesi". Luís Dionísio pertencia à banda do assim chamado Corão. Tinha facilidade de adaptar a proporções do coro diversas produções, Verdi e Offenbach. Apesar de ter vivido pouco deixou muitas composições, dentre as quais notável missa. Os professores João Nepomuceno Ribeiro Ursini e João

Batista de Macedo (Pururuca moço) têm oportunidade de executar variações trombone e de requinta a 9 de abril de 1882, em intervalos de espetáculo" dramático Com o concurso da banda de música Carinho e promovido por Antônio Marcelo Couto de Magalhães, Antônio dos Santos Mourão, Antônio Eulálio de Souza, Elias Marques Nogueira Guerra e Sebastião Rabelo, realiza-se, a 12 de dezembro de 1886, um concerto a benefício da Santa Casa de Caridade, de que participam Modesta de •Leão, Marieta Alves Pereira, Agostinha Rabelo, Edelvira de Menezes, Rosa e Modesta Teixeira de Leão, Maria Lúcia Rabelo, Eugênia Lopes, Rita de Cássia Leite, Francisca Vieira, Floriano Lopes, João Ribeiro Ursini, José da Cunha Vale Laport e Djalma Indiano Diamantino.

            Uma série de conferências populares, promovida por maçons, em 1874, é iniciada no Teatro de Santa Isabel por Teodomiro Alves Pereira, que discorre sobre A Igreja perante o Século. Celebrando o terceiro aniversário da instalação da loja maçônica Atalaia do Norte, realiza-se a 11 de abril de 1877 no mesmo local outra conferência de Teodomiro, durante duas horas disserta sobre o tema A Fraternidade considerada histórica e politicamente. Dois anos antes, quando se comemorava o primeiro aniversário da instituição, o mesmo orador tivera ocasião de falar sobre assunto alusivo à data Há notícia de uma sessão magna no Teatro de Santa Isabel, a 15 de janeiro de 1882, da Sociedade Abolicionista. Composição da diretoria: Antônio dos Santos Mourão,

presidente; Josino Quadros, secretário; Zoroastro Pires, orador; Propércio (?). tesoureiro; Josefino Sá, procurador; Francisco Correia Ferreira Rabelo, Álvaro da Mata Machado, João Nepomuceno Kubitschek, Cláudio Augusto Ribeiro de Almeida, Clementino Rabelo de Campos, Manoel Ricardo Pires de Camargo e José Felício dos Santos, conselheiros. A campanha pelo triunfo de ideias republicanas encontra também ressonância por entre as paredes do Teatro de Santa Isabel quando as ocasiões se lhe fazem propícias. Mesmo após o advento da República, continuam idealistas na sua pregação cívica, de fundo doutrinário, em prol do engrandecimento do País. Pedro da Mata Machado, um lufatigável batalhador das grandes causas, também está presente no Teatro de Santa Isabel, a 29 de outubro de 1899, para advertir os conterrâneos sobre o tema Transformação do trabalho agrícola, única base para a constituição da autonomia da Nação Brasileira. A política partidária também se aproveita do Teatro. No último domingo de 1869, em reunião do Partido Liberal presidida por Joaquim Mariano dos Santos, fazem-se ouvir os próceres Teodomiro Alves Pereira, Antônio Felício dos Santos, Francisco Correia Ferreira Rabelo e Carlos

Honório Benedito Otôni. Por proposta de Teodomiro, vão indicados para a lista tríplice, na próxima eleição para senador, os nomes de Cristiano Otôni, Dom João Antônio dos Santos e Domiciano Leite Ribeiro, sendo recusada a proposta de Antônio Felício para que o partido se abstenha de participar do preito. Uma reunião do Clube 21 de Abril, realizada em 1912 na data que dá nome ao Clube, sela definitivamente a sorte do Teatro, que não mais vê abertas suas portas para nenhum ato público. Nos últimos anos do século XIX e primeiros do século XX, atravessava a Diamantina mais uma fase de depressão econômica. As fábricas de tecido, que vinham contribuindo eficazmente para o progresso do município, ressentiam-se dos efeitos da política de restrição do crédito, sobrevinda ao expansionismo alucinado do Encilhamento; um modesto recurso local, usado no comércio, na indústria e em instituições pias, de suprimento de caixa por meio de vales ao portador, denominados burrusquês (12), que circulavam como moeda divisionária, foi, inesperadamente, supresso por ato de autoridade policial, mais tarde reconhecido pela Justiça como arbitrário; as fábricas de lapidação de diamante e as ourivesarias não encontravam colocação para seus produtos, em consequência de crise no mercado do café; o garimpo, na mineração do diamante, deixava de ser compensador; os braços laboriosos emigravam para a Cidade de Minas, depois Belo Horizonte, que os atraía com a maravilhosa precocidade do seu desenvolvimento; supressa a Escola Normal, saiam também os sequiosos de instrução; casas de moradia, no centro urbano da velha cidade, cujos aluguéis mensais variavam de 6$OOO a 12$000 permaneciam fechadas à mingua de ocupantes; enfim, o belo panorama da cidade vista da Cruz do Anastácio era entristecedor pelo conjunto de ruínas que se expunha à mostra. (13) Currupela de Barrousques (Pierre), cidadão suíço que introduzira no comércio local o uso de vales (coupons).  Mas o espirito forte do diamantinense caldeado, aventura, sob a  têmpera do sofrimento, não se deixava abater. Perseverava em seus usos e costumes, com todos os caracteres e requintes tradicionais. As folias de Reis, no início do ano, com seus bandos digladiando entre si para a rapina da coleta; o carnaval, com o ruidoso zé-pereira, préstitos, bailes e o bárbaro entrado; a Procissão de Cinzas, com mais de duas dezenas de andores e inúmeros quadros vivos, em exposição retrospectiva de cenas bíblicas e da história eclesiástica; a Semana Santa, celebrada exclusivamente na velha Sé, com toda pompa, atraindo peregrinos de longas distâncias; a queima do Judas, no sábado da Aleluia; os infernais busca-pés, às vésperas de São João, que transformavam o centro da cidade em verdadeira praça de guerra; as festas: do Divino, com sua folia e Império; de Nossa Senhora do Rosário com o Reinado; de Nossa Senhora das Mercês, com o solene transporte de areia, com as fogueiras de rua, com as ouvertures no coro da Igreja, antes das novenas, e com árias ao pregador; os levantamentos de mastros anunciados á toque de caixa; as bandas de música funcionando em torres de igreja; as danças folclóricas de catopés, marujada, de velhos, de caboclinhos e os batuques de africanos; os casamentos, o Viático e os enterramentos nas igrejas, revestidos de solenidade. Sucediam-se os banquetes, a qualquer pretexto, sempre animados pelos coretos. As serenatas—dizia-se bater castelo por fazer serenata—não cansavam de quebrar o silêncio das horas mortas. Dançava-se amiúde. Um assustado (o termo é antigo) surgia sempre de agrupamento de moças e rapazes em casa onde houvesse piano. O conterrâneo que se distinguia por seus méritos quando regressava de viagem, ou o visitante ilustre, era esperado a mais de duas léguas fora da cidade por centenas de cavaleiros. A política quase sempre agitada às vésperas da eleição, e os candidatos do Governo frequentemente derrotados. Em algumas residências familiares havia jogo de víspora ou mesmo carteado, servindo se aos parceiros, diariamente, café com sequilhos, e, aos sábados, judeus. (14) Velhas e peritas cozinheiras que trabalhavam por conta própria, atendiam os noctívagos que as procuravam desoras em busca de almôndegas, acarajés, farofa com linguiça, ou de chico-angu (frango ao molho pardo, com angu). Nos bares, em salas particulares ou nalgum ponto da serra fronteira, grupos de boêmios, em que predominavam amadores teatrais, continuavam com suas liberações, expandindo com suas liberações, expandindo em canções báquicas a alegria de temperamentos despreocupados. Do vaudeville Artur são estas cópias preferidas:

Amar

            De corrida,

            Folgar

            Toda a vida,

            Do marinheiro,

            Eis o rifão.

            Mar de feição.

           Vento fagueiro.

           Vinho gajeiro,

           Do marinheiro

           Eis o rifão.

           Antes que largando o porto

           Encete no mar a jornada

           À saúde do meu barco!

           Vá lá mais esta copada.

           Avante! bravos marujos,

           Toca a beber e folgar

           E possa o tinir dos copos

           Cobrir o ruído do mar.

, Que milagre permitia vida aparentemente folgada em época de conjuntura tão difícil? No desenvolvimento do comércio local está a explicação. Diamantina continuava sendo o Empório do Norte de Minas. Quase toda a produção agro-pastoril das zonas do Sertão e da Mata convergia para seu Barracão (Mercado

Municipal) em tropas de.muares que, abastecidas aos bazares da cidade, voltavam carregadas de mercadorias manufaturadas e artigo de baixo. (15)..

Se es atividades decorrentes de especulações mercantis asseguravam aos habitantes da Diamantina os meios indispensáveis à sua subsistência física, eram, contudo, insuficientes para prodigalizar-Ihes o conforto que andavam. Somente uma obstinada esperança, principal característica do garimpeiro, poderia justificar-lhes a impenitente  propensão para o devaneio. Na penúria, sonham com grandezas; na desoladora decadência em que se encontra sua terra, vislumbram na dianteira do progresso, cumulada de esplendor.

Parece que os fatos acodem em auxilio de gente tão romântica Luís de Resende, importante joalheiro da Capital Federal, organiza duas companhias de mineração para explorar, por processos modernos, lavras de diamante por ele adquiridas. Transportava-se frequentemente para a Diamantina, contrai amizade, estimula o progresso da cidade, com projetos de melhoramentos públicos e de assistência social. A guerra do Transwaal, com o consequente bloqueio de Kimberley, produz a alta do diamante As vistas do ,mercado internacional voltam-se para a "rival de Ofir (16). Nelson F. Humphreys, cidadão norte-americano e o pioneiro de uma corrente imigratória ianque, canadense e inglesa interessada na indústria extrativa da preciosa gema. Uma figura curiosa de aventureiro suplanta a de todos os estrangeiros. É a do dinamarquês William G. Mayer, naturalizado cidadão norte americano intitula O Rei dos Diamantes, à moda do seu país adotivo. Dizendo-se representante do poderoso sindicato inglês, pretende adquirir todas as jazidas da circunscrição blinda companhia, entabula negócios sem regatear preços, celebra contratos de opção, mediante sinais, abre estradas de rodagem e dá inicio a explorações, empregando aparelhamenlo técnico. Em pouco tempo exaurem-se-Ihe os recursos pecuniários, dispendidos pròdigamente. De súbito, abandona tudo e desaparece da região, gesto que causa perplexidade a todo o povo. Porém, passado algum  tempo. ei-lo de volta, a testa de nova companhia para proseguir na fama interrompida e deixa-Ia. outra vez em condições idênticas. Essa alternativa repete-se por quase um decênio. Paralelamente, enceta vultuosos empreendimentos de interesse público, que, por vias indiretas possam vincular-se a fantásticos objetivos colimados Chega a praticar verdadeiras façanhas. Da Câmara Municipal ou em autorização para que o Agente Executivo possa entregar.lhe os serviços da canalização de água potável da cidade, em troca da cessão das lavras do Pau de Fruta onde se acha o manancial, e de iluminação pública e particular a energia elétrica. Pioneiro do trecho da estrada de rodagem de Curvelo a Diamantina, chega a esta cidade de surpresa, em troiei a tração animal, passando pelo antigo caminho dos carros de boi. Gasta no percurso três dias, e inicia uma linha de carros entre as duas cidades que cobriria a distância em duas jornadas. Abre depois a estrada para Corinto (então ainda Curralinho) em substituição à de Curvelo. Por fim. Propõe-se  até fazer mudança  da cidade para o subúrbio das Bicas.

(14) Ceia, reminiscêncla dos ágapes judaicos.

(15) De baixo isto é, do litoral, principalmente do Rio de Janeiro,

(16) Aureliano Lessa: "A Diamantina"

 

Durante todo o período em que se faz sentir a influência de Meyer, a vida na Diamantina dá a impressão de que fora suspensa. Tudo ou quase tudo gira em torno da boa, ou má fortuna do Rei dos Diamantes. Quem não possui interesse direto nas transações com o suposto magnata tem alguma pretensão a elas ligada.

Mais uma aspiração dos diamantinenses, tão antiga como da descoberta da máquina de propulsão a vapor, é afagada simultaneamente e com firmeza—a construção do ramal férreo. A previsão de benefícios incalculáveis que o importante melhoramento viria trazer ao progresso da comuna em futuro próximo, como não poderia deixar de ser, causa um otimismo levado ao extremo do exagero. Polarizando essa euforia Ciro Arno, no curioso trabalho de ficção A Metrópole do Norte, editado pelas Oficinas Tipográficas da ''Estrela Polar" em 1913, descreve Diamantina em 1940.

Um prurido de modernismo toma conta da cidade..Guerra sem tréguas é declarada a tudo que tem ranço de antiguidade. Vão abaixo as varandas, as gelosias, os muxarabis; platibandas substituem beirais, torres e igrejas mudam de lugar e de posição; o precioso órgão do Carmo fica inutilizado, assim como o relógio da torre; solares patriarcais são despojados de mobiliário, de baixelas de praia, de ornatos, de retratos a óleo; joias de fino lavor são vendidas a peso

O edifício do Teatro de Santo Isabel, embora estivesse com o frontispício recentemente reconstruído, não podia escapar à sanha progressista. A imprensa local, representada pelos periódicos "A Estrela Polar*', A idéia Nova", “Pão de Santo de Antônio", "A Diamantina" e "A Via Láctea", sem discrepância bate se pela demolição, argumentando que fora mal situado. Um e edifício destinado ao centro de diversões públicas deveria estar localizado em logradouro central, de mais movimento. O terreno anexo ao edifício da Câmara Municipal, à Rua Tiradentes (Direita), era o preferido para a construção do novo teatro, em estilo moderno, e com o material do demolido. Para a Santa Casa, a conservação do Teatro estava sendo um pesado ônus. A administração do sodalício tendo à frente o provedor Antônio Mota, debalde pleiteia a transferência da propriedade do imóvel para a Câmara Municipal. O plano da demolição é afinal o que prevalece com a conveniência da edilidade, que ex-vi da Revolução nº  65 de 27 de setembro de 1912, ratificando a Lei na &5 de outubro, de 1897, concede à Santa Casa o terreno escolhido para a nova construção e do Governo do Estado que adquire para edificação da Cadeia Pública o terreno a ser desimpedido. As obras de demolição começaram em dezembro de 1912.

Quando se procedia à escavação, no local onde fora assentada a caixa do Teatro, para os alicerces da Cadeia, verifica-se, a 7 de julho de 1913, uma descoberta macabra A cerca pouco mais de meio metro de profundidade é encontrado um esqueleto, e. junto, contas de um rosário de louça. Dois dias após, nova descoberta de outra ossada de alguém que calçava sapatos bem talhados. Encontraram- se mais dois esqueletos e um garfo de ferro sob um deles. Nota-se a falta de uma caveira.

.Numa coloboração anônima, velho diamantinense, relatando á imprensa vaga tradição oral, pretende desvendar o mistério. Um casal de judeus, com uma filha de nome Judite de 18 anos de idade e rara beleza, e acompanhados de empregada, apresentaram no Tijuco. O iudeu era comerciante clandestino de diamantes e mantinha relações com o Contratador João Fernandes de Oliveira, Chlca da Silva, enciumada, ameaça denunciar o contratador se não consumisse os judeus. Judite teria sido degolada e cabeça conservado em poder da sua algoz.

Como vimos atrás, o Teatro de Santa Isabel fora construído em terreno de um próprio nacional. Que função pública era exercida nesse prédio? É sabido que a maioria dos próprios nacionais, existentes na Diamantina, proveio do acervo dos Contratadores. O imóvel de que trata localizado na saída do Arraial do Tijuco, como se vê em planta da época, teria sido quartel, e quartel de Pedestres força particular mantida pelos Contratadores para policiamento das lavras. "O Jequitinhonha ', numa de suas edições mais antigas, faz referência ao Chafariz do Quartel.

Outro Chafariz não poderia ser esse se não o do Rosário, situado ao lado do Teatro Santa Isabel.

  

A vocação do diamantinense para o palco, herdado dos colonizadores do Tijuco, oriundos de Lisboa. Porto e outras cidades do norte de Portugal, não se manifestava,.apenas, no Teatro de Santa Isabel.

Outros grupos de amadores improvisavam-se. de vez em quando, para representações públicas e particulares, em lugares diversos.

No distrito de Datas, sob os auspícios da Sociedade Amor ao Progresso fundada a 2 de junho de 1872, foi criado o Teatro São João,. que deu o primeiro espetáculo a i5 e 29 de setembro daquele ano. sob a direção de Francisco de Sousa Matos.

Uma companhia de crianças, intitulada Progresso da Juventude levou à cena. a 26 de dezembro de 1875, a comédia em 2 atos O Diabo atrás da porta. Estabeleceram o preço único de $200 para as entradas a fim de evitar que os s portadores de gerais se apropriassem das  cadeiras.

No Biribiri, as operárias da Fábrica de Fiação e Tecidos, no tempo dos Felício dos Santos, tinham o seu conjunto dramático, que funciona em dias de festa. Há registro de uma representação, em 1887. para homenagear D. Mariana Fernandes dos Santos, esposa do Major Antônio Felício dos Santos (o velho), e diretora do estabelecimento Perduram ainda recordações de peças ali encenadas como a comédia de Martins Pena, Quem casa quer casa, e o drama sacro O Testamento do Carpinteiro ou A Confiança em São José, de autoria Cônego Severiano de Campos Rocha (18 ?-1926), No palco da Fábrica tiveram atuação Josefina de Paula. Flávia Gomes, Josefina Meio, Maria Bernarda, Bibiana da Silva e Mana Jose Felício dos Santos.

Na sala de aulas da professora primária Hilda Rabelo,à Praça Dr. Prado (Cavalhada Velha), no dia dos exames, 'em 1896), as alunas, coadjuvadas por outras crianças, representam o drama sacro Santa Aquilina, Mártir, no qual tomou parte o menino Luís Lúcio de Siqueira, no papel de oficial da milícia. Interpretada por Aristides Rabelo e Priscila Lessa, ainda foi à cena a comédia Doutor, de Artur Azevedo. Cantaram se dois hinos: o da República e um outro, letra de Maria Luísa Seixas e música de João Vítor Foureaux, acompanhados por uma orquestra formada pelos professores Paraguai, Laport, Modesto Antônio Ferreira e Josefino Ribeiro Bastos.

Num prédio em construção à Rua Joaquim Felício, fundos do edifício da atual Prefeitura, no Macau do Meio, nova companhia de amadores estreou em 1900 - o Teatro juvenil, sob a direção Josefino Bastos. Em louvável emulação, começou pela montagem de diversas peças  do repertório da Companhia Coimbra, dentre elas Talismãs do Amor. O elenco, a principio, compunha-se de Maria José Bastos, José Mariano. Samuel de Andrade, Raimundo dos Santos, Gustavo Nardes Junior e outros, cujos nomes nos escapam. A 21 de setembro de 1901. apresentou o drama. em 4 atos, de Joaquim Coelho Junior (18-?-1936). Alberto de Meneses, desempenhado por José Maria de Santa Rosa, João Ribeiro Urslni Júnior, João Narciso, Maria José e Maria Lúcia. Em outro dia. encenou a comédia Uma Experiência, com a participação, apenas, de Maria José, Santa Rosa e Ursini Júnior. Antônio Torres serviu de ponto para os jovens amadores.

No mesmo local e em época aproximada, foi representado o drama Santa Aquilina Mártir por um grupo de moças de que faziam parte Otilia Coelho. Exaltina Azevedo, Germana Lacerda e Ambrosina Ursini. Homenageando o Cel. Augusto da Mata Machado, houve na residência deste, a 29 de janeiro de 1901, uma representação do drama sacro O Painel da Virgem e da Comédia, Dois gênios opostos por outro grupo feminino, com o com concurso de José da Mata Machado. Também em casa do Cel. José Augusto de Meneses realizou-se, depois. um espetáculo talvez pelo mesmo grupo.

Na Santa Casa de Caridade, quando diretora a Irmã Maturina; no Colégio de Nossa Senhora das Dores. No tempo das superioras Irmã Michel e Irmã Russon, no Seminário Episcopal sob a direção do Padre Desidério Deschand, havia teatro. Na sala dos fundos da antiga Câmara Municipal, à Rua Direita, realizou-se o espetáculo cujo registro serve de fecho a esta resenha. Representam-na algumas maçons. a beneficio dos festejos marianos, em abril de 1910. A peça escolhida, Fabíola, extraída do romance de Wiseman. Terminou com números de declamação Orquestra : João Nepomuceno Ribeiro Ursini, Antônio Efigênio de Souza Filho, Josefino de Matos e Daniel Gomes.      

Assim germinou e desenvolveu a arte dramática na Diamantina, quando a falta de meios de transporte a isolava dos grandes centros. A 3 de maio de 1914, inaugurava se o ramal ferroviário, o que era ansiosamente aguardado como o início de uma nova era.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte Bibliográfica

Jornal Períódico de Diamantina – órgão da Mitra

Voz de Diamantina, 3 de janeiro de 1960, número 14; pág.2. ,10 de janeiro de 1960, pág. 2, número 15, 7 de fevereiro de 1960, número 17, pág.2, 14 de fevereiro de 1960, número 18, pág. 2, 21 de fevereiro de 1960,  número 19, pág. 2.

Acervo fotográfico – Zé da Sé, internet

Pesquisado; Meira, Erick Johan ns de