Valorização das paisagens protegidas de Diamantina (MG)

19-07-2015 15:24

ISSN 0103-8427 Caderno de Geografia, v.22, n.38, 2012 1 A valoração das paisagens protegidas de Diamantina (MG): premissa para o turismo culturali Valuating protected landscapes of Diamantina (MG): premise for the cultural tourism Renata Salgado Rayel Professora Especialista do Dep. de Desenvolvimento Social do SENAC-São Carlos rerayel@gmail.com Solange Terezinha de Lima Guimarães Professora Livre Docente da Universidade Estadual Paulista “Julio Mesquita Filho” – UNESP - Rio Claro hadra@uol.com.br Artigo recebido para revisão em 26/03/2012 e aceito para publicação em 30/05/2012 RESUMO A paisagem de Diamantina apresenta relevantes valores cênicos e estéticos, os quais constituem seus atrativos turísticos, gerando fluxos de visitantes para favorecer o desenvolvimento local e regional. Em decorrência da valoração ambiental, Diamantina obteve significativa conquista direcionada à proteção patrimonial do centro histórico e de suas áreas naturais. Desse modo, o patrimônio diamantinense representado pelas paisagens protegidas foi apropriado por parte da comunidade que tem interesse pelo turismo cultural, ao valorar economicamente seus bens e serviços. Palavras-chave: Paisagens Protegidas. Valoração Ambiental. Turismo Cultural. Valores Cênicos e Estéticos. ABSTRACT The Diamantina’s landscape presents significant scenic and aesthetic values, which constitute its touristic attractions, generating visitor flows to promote local and regional development. As a result of environmental valuation, Diamantina achieves significant accomplishments towards the patrimonial protection of historic center and their natural areas. Therefore, the Diamantina’s patrimony represented by the protected landscapes was appropriated by part of the community which has interest in cultural tourism, valuating economically their goods and services. Keywords: Protected Landscapes. Environmental Valuation. Cultural Tourism. Scenic and Aesthetic Values. 1. INTRODUÇÃO O município de Diamantina destaca-se no cenário histórico brasileiro desde o ciclo do ouro e, principalmente, da exploração diamantí- fera nos caminhos da Estrada Real, em um perí- odo compreendido pela interiorização e pelo povoamento do país em buscas de riquezas minerais, que determinou o surgimento de núcleos urbanos, alguns dos quais se transformaram em ricas e esplendorosas cidades barrocas. Machado Filho (1980), em seu livro “Arraial do Tijuco: cidade Diamantina” relata que o ouro descoberto nos fins do século XVII, em Serro Frio, chamou a atenção de bandeirantes e de aventureiros das várias regiões do país. ISSN 0103-8427 Caderno de Geografia, v.22, n.38, 2012 2 Desse modo, um grupo de exploradores seguiu em direção ao Pico do Itambé, nas cercanias de Serro Frio à procura de um local para minera- ção. O povoamento dessa região desenvolveu-se com a extração de ouro do leito dos rios até 1729, sendo as lavras do Tijuco consideradas exclusivamente auríferas. Posteriormente, entrou em cena a extração de diamantes, e na primeira década do século XVIII, no antigo Arraial do Tijuco – atual Diamantina – foram encontradas, no Rio Jequitinhonha e no Rio Pardo, áreas com grande quantidade de diamantes, segundo Machado Filho (1980). Na segunda metade do século XVIII, a extração de diamantes deixou de pertencer à realeza, tornando-se livre o arrendamento de suas jazidas. Dessa maneira, o Distrito Diamantino enriqueceu, possibilitando o acúmulo de grandes fortunas. Esse período de esplendor, no entanto, estendeu-se apenas até meados do século XIX, devido ao esgotamento das jazidas e à concorrência internacional da extração de diamantes da África do Sul, motivos que promoveram a estagnação econômica da região. Com a expectativa de melhorar a situa- ção socioeconômica dos moradores de Diamantina, foram construídas a Fábrica de Tecidos de Biribiri e sua Vila Operária que, por meio da produção têxtil, deu um novo impulso à economia local. (MENDONÇA, 2005). Entretanto, a situação econômica do município de Diamantina, no século XX, foi tomando rumo mais próspero, não somente no setor industrial, mas também pelo fortalecimento do comércio. Os dois últimos segmentos, bem como a atividade turística, são responsáveis por favorecerem, até os dias atuais, o desenvolvimento da economia local e regional. O turismo em Diamantina fomenta e conserva as raízes culturais do seu passado barroco, em um processo de reconhecimento, proteção e valorização do patrimônio arquitetônico e urbanístico. A valiosa arquitetura diamantinense em estilos barroco e eclético apresenta riqueza de detalhes, representada pelos edifícios destinados à administração pública, igrejas e capelas, casarões residenciais e casas comerciais, constituindo-se um acervo considerado patrimônio histórico material, de acordo com a inscrição no Livro de Tombo das Belas Artes, sob nº 59, datado de 17 de fevereiro de 1938. A cidade recebeu o título de Patrimônio Histórico Nacional, através do processo de tombamento do Conjunto Arquitetônico e Urbanístico do Centro Histórico de Diamantina, declarado, em 1938, pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN, atual Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Em 1999, entrou para o cenário mundial ao receber o título de Patrimô- nio Cultural da Humanidade, da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciências e Cultura – UNESCO. Em 14 de dezembro de 2000, foi aprovado o tombamento provisório da Serra dos Cristais, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA), cujo tombamento definitivo ocorreu em 19 de novembro de 2010, sendo aprovado pelo Conselho Estadual do Patrimônio Cultural (Conep), ISSN 0103-8427 Caderno de Geografia, v.22, n.38, 2012 3 como medida de proteção e salvaguarda do conjunto paisagístico natural, ameaçado pela ocupação irregular e desordenada. Figura 1 - Paisagem protegida de Diamantina com a Serra dos Cristais ao fundo. Fonte: Divulgação IPHAN. O patrimônio cultural diamantinense não se resume nos atributos arquitetônicos, se estende às manifestações artísticas e socioculturais. Os aspectos culturais do município se encontram disseminados no folclore, por meio da mú- sica, produção poética e literária e artesanato, além de outras expressões culturais que permanecem vivas e resistentes às mudanças históricas. A musicalidade de Diamantina destacase no cenário cultural regional e nacional. A cidade possui o Conservatório Estadual de Mú- sica de Diamantina, além de grupos musicais folclóricos, que abrangem vários estilos musicais – barroco, sacro, popular –. Esses se apresentam em igrejas, capelas, vilas e becos, ruas, salões de festas, incluindo festivais de música que atraem muitos visitantes do país e do exterior. Nesse cenário, não podemos deixar de destacar as Serestas e as Vesperatas – estas, constituindo eventos realizados à noite, quando os músicos se apresentam ao ar livre, nas sacadas de antigos casarões – uma peculiaridade da cultura musical de Diamantina, sendo um dos atrativos do turismo cultural. 2. AS IMAGENS TURÍSTICAS DE PAISAGENS VALORADAS O Turismo é um fenômeno que elabora estéticas paisagísticas, a partir das percepções humanas ou, então, utiliza cenários considerados belos e atraentes para serem transformados em mercadorias turísticas, como coloca Silva (2000). Assim, é notório que o ser humano mantém uma relação com o ambiente e influencia na dinâmica construtiva dos espaços e lugares, alterando suas paisagens, mudando as imagens percebidas para imagens concebidas. Essas imagens são representações sociais e culturais que nos revelam formas, elementos, símbolos e significados, com determinadas funções que, por ora, são selecionadas de acordo com os interesses econômicos, políticos e sociais (RAYEL, 2011). As paisagens nos revelam cenários e imagens em constante processo de transformação, cujas formas e conteúdos, de maneira dinâmica, representam a identidade de um povo, do espaço natural ou vivido, segundo Rayel (2011). As imagens paisagísticas nos ISSN 0103-8427 Caderno de Geografia, v.22, n.38, 2012 4 trazem sensações agradáveis ou de receio do desconhecido, porém as paisagens turísticas são imagens escolhidas, com conteúdo estético significativo, não somente para os olhos do indivíduo que as aprecia, mas para o olhar coletivo, que faz referência aos signos da paisagem em um contexto interpretativo do conhecimento das representações sociais e das características identitárias. Como afirma Augustin Berque (1995) “a paisagem não é universal” e sim, as formas e elementos que assumem e compõem os espaços em nosso planeta. Um fator que distingue essas formas é a estética, a beleza que recebe “valor mutável, variável ao longo do tempo e do espaço”. Nesse sentido, as formas ou os elementos paisagísticos recebem o termo de landmark, conceituado por Allen (1979) como ponto de referência ambiental, definido com base nas implicações perceptuais cognitivas e ambientais, que podem servir de indícios formativos da identidade social. São marcos paisagísticos referenciais, urbanos ou naturais, simbolicamente destacados pela sociedade. As landmark, consideradas marcas da paisagem, atuam como referenciais do passado e do presente, oferecendo subsídios materiais para conduzir ao entendimento físico da paisagem e do modo organizacional de uma sociedade. Diamantina apresenta, em suas paisagens, símbolos de patrimônio material e imaterial representados como códigos históricoculturais de uma sociedade multicultural, formada por antepassados portugueses, africanos, indígenas e brasileiros. A representatividade social diamantinense sobressai nos prédios e casarios barrocos com características da arquitetura medieval portuguesa, além de manifesta- ções artísticas tradicionais que marcam o cená- rio cultural e as ambiências do centro histórico. Para este artigo, selecionamos algumas landmarks relevantes no âmbito regional e internacional. Figura 2 – Paisagem da cidade de Diamantina, MG. Fonte: Renata Salgado Rayel, julho de 2010. Lugar simbolicamente representado na paisagem da cidade, constituindo significativa marca de sua paisagem urbana, o Mercado Municipal de Diamantina – conhecido como Mercado Velho – foi construído em 1835, no antigo Largo da Cavalhada Nova, atual Praça Barão de Guaicuí. Apresenta-se como uma das mais importantes construções coloniais brasileiras no Estado de Minas Gerais (MG), sendo tombado, em 1950, pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (IPHAN). Referência no espaço urbano histórico, o Mercado Velho é uma landmark, ícone por sua característica arquitetônica, cuja localização propiciou a formação do centro urbano e sua função socioeconômica para a população local. ISSN 0103-8427 Caderno de Geografia, v.22, n.38, 2012 5 O Mercado Velho, no século XIX, sempre muito utilizado, favoreceu o dinamismo urbano. O edifício foi construído para ser de residência do Tenente Joaquim Casimiro Lages; serviu, no entanto, também, como rancho, conhecido como “Intendência dos Lages” para os tropeiros que precisavam descansar, realizar trocas comerciais e abastecer suas tropas de cavalos ou mulas. Esse local, antigo entreposto, passou a atrair tropeiros e mineradores que estavam de passagem e outros moradores do município ou arredores, tornando-se referência regional desde tempos passados. Figura 3 – Mercado Velho de Diamantina. Fonte: Renata Salgado Rayel, julho de 2010. Considerada como outra destacada landmark arquitetônica, o Passadiço da Glória evidenciou-se como um símbolo das construções barrocas de Diamantina, especialmente na época em que a cidade se preparava para a conquista do título de Patrimônio Cultural da Humanidade, em 1999, pela UNESCO, unindo interesses governamentais aos sentimentos topofílicos da comunidade local. O Passadiço da Glória ficou cristalizado como marco paisagístico urbano, transformado em cartão-postal pelos seus significados e funcionalidades distintos de outros símbolos arquitetônicos das cidades barrocas mineiras. A campanha publicitária para tombamento como Patrimônio Cultural da Humanidade foi responsá- vel por consolidar a imagem do Passadiço da Glória como recorte da arquitetura diamantinense, utilizado como fator de inspiração para os visitantes conhecerem a cidade de Diamantina e, assim, promover o turismo local. Figura 4 – Passadiço da Glória. Fonte: Renata Salgado Rayel, julho de 2010. Observa-se que a religiosidade se consolidou em Minas Gerais e continua viva nos moradores de Diamantina, principalmente nos mais idosos, que prezam pelos seus espaços sagrados, impregnados pela espiritualidade, de valoriza- ção ao patrimônio eclesiástico, desde as paredes, afrescos e adornos, até às imagens de peças sacras. As igrejas, antes de exercerem o papel de atrativo turístico, representam um lugar sagrado para a realização das práticas religiosas do catolicismo romano, onde os fiéis demonstram e vivenciam sua fé, servindo também de espaço ISSN 0103-8427 Caderno de Geografia, v.22, n.38, 2012 6 de convívio social durante a realização dos encontros comunitários. Figura 5 – Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Fonte: Renata Salgado Rayel, fevereiro de 2011. A Casa de Chica da Silva (figura 6) aparece também como referência em Diamantina, por ter se transformado em atrativo turístico, alterando seu valor de uso e função, de residência para escritório do IPHAN e museu. Assim, passou a emergir como elemento da atividade turística, contribuindo, ainda, para a salvaguarda da memória diamantinense. Entretanto, observase uma valorização exacerbada da história de vida de Francisca da Silva, conhecida como Chica da Silva, convertendo-a em um ícone da cultura local. Sua história é capaz de movimentar pessoas interessadas em desvendar os misté- rios vividos pela ex-escrava, a “Rainha Negra do Tijuco”. Uma mulher negra que chocou a sociedade da época por adotar costumes restritos às mulheres brancas e, ainda, por viver um romance com o importante Desembargador e contratador de diamantes, João Fernandes de Oliveira. Figura 6 – Interior do Museu - Casa da Chica da Silva. Fonte: Renata Salgado Rayel, julho de 2010. Na figura do Ex-Presidente do país, Juscelino Kubitschek de Oliveira, conhecido por JK, temos outra personalidade diamantinense destacada no cenário nacional. Por vontade e pedido do próprio Juscelino, sua antiga casa (figura 7) foi transformada em museu inaugurado em 12 de setembro de 1985, e mantido em funcionamento até os dias de hoje, para preservar sua memória: a de um cidadão diamantinense que amava suas origens. Figura 7 – Casa de Juscelino, Museu JK. Fonte: Renata Salgado Rayel, julho de 2010. Atualmente, o museu Casa de Juscelino tem como função principal, mostrar um pouco de sua infância e trajetória política, com a inten- ISSN 0103-8427 Caderno de Geografia, v.22, n.38, 2012 7 ção de resguardar a imagem emblemática, a memória social e os ideais do ex-Presidente Juscelino Kubistchek de Oliveira, falecido em 22 de agosto de 1976, em um acidente rodoviá- rio. Ainda no inventário dos atrativos turísticos, no campo imaterial, o Carnaval em Diamantina foi, ao longo dos anos, tomando dimensão maior, tornando-se um dos mais conhecidos do Brasil, além de gerador de um dos maiores fluxos de visitantes da região do Alto Vale do Jequitinhonha. É festa popular tradicional de caráter turístico, muito valorizada pelos brasileiros, ao misturar a criatividade e a alegria dos foliões nas apresentações de blocos carnavalescos caricatos, tais como Rato Seco (Figura 8), Sapo Seco, Chega Chegando. Cabe lembrar, que alguns desses blocos têm mais de 80 anos, sendo esses compostos por crianças, jovens e adultos. As batucadas e repiques dos grupos de samba oficiais diamantinense como Bartucada e Bat-caverna, contagiamos os participantes com suas percussões. Figura 8 - Bloco Rato Seco. Fonte: Divulgação/Prefeitura de Diamantina, 2010. Outro evento tradicional é a Vesperata (figura 9) resgatado de antigos e tradicionais encontros musicais dos finais de tardes diamantinense, acompanhados do chá das cinco, num cenário de luz crepuscular. Com a chegada da luz elétrica, no início do século anterior, em 1910, as retretas idealizadas pelo Maestro Piruruca, falecido em 1895, e realizadas pela Banda de Música do 3º Batalhão da Polícia Militar, passaram a se apresentar à noite, nas sacadas dos casarões, em volta do largo da Quitanda, sob a regência de outros maestros. As apresentações ocorreram até 31 de dezembro de 1966, com a execução da peça La Mezza Notte. (FERNANDES, 2007). Figura 9 - Noite de Vesperata, 2007. Fonte: Maria Luar Mendes de Souza. Para comemorar o lançamento do Programa Nacional de Turismo Cultural do Ministério da Cultura, em 1997, com vistas ao título de Patrimônio Cultural da Humanidade, houve a recuperação dessa tradição musical, com os mú- sicos das Bandas Mirins “Prefeito Antônio de Carvalho Cruz” e do 3º Batalhão da Polícia Militar, transformando-se em produto turístico, ISSN 0103-8427 Caderno de Geografia, v.22, n.38, 2012 8 pôde atrais muitos visitantes para conhecer a musicalidade diamantinense. Evento criado em 2001, o Café no Beco (figura 10) também é considerado produto turístico cultural de Diamantina. Seu principal objetivo é o de movimentar e alegrar as manhãs de domingo, com a apresentação de músicos seresteiros. Percebe-se maior interação da população local com os visitantes, nos momentos de cantorias, quando os músicos seresteiros permitem que turistas toquem os instrumentos junto com eles, cantem ou, mesmo, quando tiram as moças para dançar, como é o caso do Sr. Hélio. Os seresteiros tocam em um dos becos mais conhecidos e pitorescos da cidade – Beco da Tecla – que se estende para o Largo da Quitanda, cujo nome recorda o passado das negras forras que ali vendiam seus quitutes. Dos tempos pretéritos para o presente, voltam a esse local as quituteiras, vendendo bolos, biscoitos, pães caseiros, pão de queijo, acompanhados do tradicional café e chá servidos por Lena e João, proprietários da loja Canastra e idealizadores do Café no Beco. Como atrativo cultural, também há a presença de artesãos, que comercializam os seus produtos artesanais em mesas dispostas em uma das entradas do Beco junto ao Largo da Quitanda. O Café no Beco é um exemplo de apropriação do espaço vivido diamantinense, da arte exposta na rua, da expressividade da cultura local, da identidade popular, para que a comunidade e visitantes possam celebrar unidos momentos de lazer. Esses são indícios que auxiliam no fortalecimento da formação da cultura imaterial, que recentemente tem sido descoberto e valorado no mercado turístico, assim denominado, turismo de experiência. Figura 10 – Café no Beco da Tecla. Fonte: Renata Salgado Rayel, fevereiro de 2011. Nesse contexto, observa-se que os cenários turísticos de Diamantina, representados pelas imagens de suas paisagens culturais, derivam, principalmente, dos elementos histórico-culturais característicos do lugar, mas, geralmente, moldados de acordo com os interesses de construção da identidade turística local, em uma visão dos aspectos que precedem na atração de turistas, geração de valores dos atrativos turísticos e formação de estereótipos culturais para serem comercializados como produtos do turismo. Desse modo, as paisagens urbanas de Diamantina despertam motivações nas diversas dimensões do imaginário dos visitantes, ao conhecerem essa localidade que remete a um retorno ao passado barroco, às vivências imbuídas da hospitalidade mineira, o contato com a cultura popular ao mesclar momentos de lazer e prazer, evidenciados mediante a proteção de seus cenários estéticos e valorização cultural. ISSN 0103-8427 Caderno de Geografia, v.22, n.38, 2012 9 Os lugares e as paisagens turísticos não se constroem de forma espontânea, mas são percebidos, interpretados, valorados e deliberadamente construídos, principalmente para o visitante considerado seu consumidor, de modo tal que proporcionem o desfrutar dos espaços naturais e culturais, da oferta de equipamentos de lazer, e por convertê-los em um bem “mercantilizável”. 3. A SUBJETIVIDADE NA VALORAÇÃO AMBIENTAL E TURÍSTICA Os procedimentos metodológicos adotados neste estudo foram de caráter exploratório, investigativo, fundamentados na pesquisa qualitativa, segundo González Rey (2010) e participativa, conforme Brandão (1985), buscando um aprofundamento na compreensão sobre a realidade em análise, por parte do pesquisador ou sujeito cognoscente. A pesquisa qualitativa emergiu do “estudo científico da subjetividade” sob a necessidade de “conhecer os fenômenos psicológicos” compreendidos na esfera mental e permeados nos diversos campos das ciências, de acordo com González Rey (2010, p. 98). Contudo, as análises obtidas das visitas de campo na cidade de Diamantina resultaram de um trabalho de pesquisa que utilizou dois parâmetros, a observação do patrimônio histórico-cultural aliado às consultas de gabinetes. Em segunda instância, foram analisadas sob a ótica dos saberes subjetivos, as informações de residentes considerados representativos no conjunto da comunidade diamantinense, sobre a temática de valoração patrimonial pelo uso turístico. A perspectiva do turismo, analisada de forma racional direciona a valoração dos lugares turísticos. O crescimento e o desenvolvimento da atividade turística têm se fundamentado na lógica de valor de mercado e, por sua vez, as paisagens naturais e culturais são transformadas em mercadoria. Nesta contextualização, Lacoste (1977) apud Bley (1990) sugere que “a paisagem não é somente um valor estético, simbólico, um procedimento de valoração ideológico, mas, também, um valor de mercado”. A paisagem que se consagra por sua beleza, geralmente desperta a especulação imobiliária, porém outras formas paisagísticas consideradas não tão belas podem ser transformadas, modificadas, realçadas por arquitetos e paisagistas, no intuito de destacar a aparência estética e valorar economicamente o ambiente construído, exercendo a função catalisadora do turismo. A teoria “subjetiva” do valor, base da teoria neoclássica, defende o valor do meio ambiente pela apreciação de sua utilidade de consumo dos recursos naturais e de contemplação desses recursos, principalmente ao ser humano. (VIVIEN, 2011). Esse autor afirma que a valoração ambiental é o “conjunto de serviços ambientais assegurados gratuitamente pelo ecossistema e pela biosfera, permitindo a constituição e a manutenção de um meio vital”, de acordo com Vivien (2011, p. 23). No entanto, Sêroa da Motta (2006) define o valor econômico ambiental como sendo o somatório dos valores de uso, de opção e de ISSN 0103-8427 Caderno de Geografia, v.22, n.38, 2012 10 existência. Para o autor, o valor de uso é aquele atribuído pelas pessoas que despendem um valor monetário para usufruir dos recursos ambientais do ambiente físico. No caso do turismo, pode-se considerar o valor de uso como usufruto de um bem natural ou um bem cultural, como a visitação de um museu. O valor de opção é atribuído à Natureza, conservação de uso futuro ao inverso do uso presente, como por exemplo, o investimento financeiro destinado a uma área pertencente à Unidade de Conservação ou Instituição Cultural. O valor de existência representa o valor monetário atribuído à existência dos recursos ambientais que têm um valor “em si” por existir e beneficiar – independente do seu uso atual e futuro – as gerações humanas. O valor utilitário de um recurso ambiental como, por exemplo, a paisagem turística, “será maior ou menor, quanto maior ou menor for a necessidade que ela puder satisfazer”, “em termos de utilidade a paisagem tem valor recreativo. Esse valor é atribuído pelo grau em que ela é usufruída pelos moradores e visitantes” (BLEY, 1990, p. 200-201). Quanto maior sua utilidade, maior será seu valor econômico, avaliado sob uma visão quantitativa e qualitativa. Há uma preocupação por parte dos estudiosos, em verificar os reais interesses da valoração de um ambiente e de seus bens ou recursos, transformados em atributos turísticos, para que não se explorem somente os fins econômicos, sem levar em consideração a intenção de conservar os valores socioculturais da localidade. De acordo com Mota (2001), o estudo sobre valoração ambiental é relevante, uma vez que os recursos ambientais não têm preço estimado no mercado convencional. Os ativos da natureza ou culturais necessitam ser avaliados de modo holístico e sistêmico, e não simplesmente como uma forma de apropriação como uma mercadoria disponível no mercado. Dessa maneira, o valor da paisagem é uma questão complexa que vai além dos interesses monetários, pois, segundo Lemos (2005, p. 28), “o processo de valorização é a esfera que captura em que medida o turismo contribui para o crescimento e o desenvolvimento econômico e social”. Os homens “em todos os atos e ante todos os fatos, define, analisa, aceita ou rejeita, isto é, realiza uma valoração. Essa valoração é uma apreciação de valores, um juízo de valor” Bley (1996, p. 18). Por essa afirmação, percebese a relevância da subjetividade nas questões sobre a valoração individual e coletiva concernentes à paisagem observada e vivida, levando em consideração os valores éticos e morais. De acordo com Lemos (2005) o valor turístico é criado, mensurável por meio de um conjunto de elementos que o formam como sistema organizado, baseado na dinâmica de produção e consumo de bens e serviços ambientais. Pode resultar das relações sociais e subjetivas entre visitante-visitado, da possibilidade de troca de experiências, de conhecimentos, incorporando a cultura do outro, como forma de adquirir outros saberes, ressignificar suas vidas, inerente a uma convivência harmônica e enrique- ISSN 0103-8427 Caderno de Geografia, v.22, n.38, 2012 11 cedora cultural e ambientalmente. (RAYEL, 2011) As paisagens valoradas incentivam o desenvolvimento do turismo em um universo de simbologia, de representações arquitetônicas, artísticas e humanas acerca das pré-concepções, percepções de imagens e valores de significado cultural. Essa atividade ou fenômeno socioeconômico induz ao plano real, objetivo, ao potencializar a diversidade dos atrativos e valorá-los para o plano virtual, do imaginário, do subjetivo que pode ou não coincidir totalmente com a realidade dos lugares turísticos, conforme coloca Coriollano (2003). Diante dessas considerações, observamos neste artigo que o processo de valoração ambiental em Diamantina iniciou-se com o tombamento de áreas relevantes à preservação patrimonial cultural e natural, sob legislação de âmbito municipal, estadual, federal e internacional, como instrumento orientador das políticas públicas que favorecem a organização das áreas protegidas em face aos diversos usos pela comunidade. Deste modo, o valor de uso do patrimônio cultural tem recebido maior atenção desde a obtenção do título de Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO. Levando, assim, aumentar consideravelmente o fluxo turístico, colocando Diamantina no cenário internacional do turismo cultural. Neste sentido, foi observado que as paisagens protegidas de Diamantina vêm adquirindo um valor ambiental maior, tanto subjetiva como objetivamente, ao se definirem como destino turístico cultural e de ecoturismo. As paisagens diamantinenses são veiculadas na mídia, em uma proposta mercadológica de valoração dos atrativos turísticos, que são considerados elementos promotores do desenvolvimento socioeconômico local e regional, ao reafirmarem a relevância dos atrativos turísticos pertencentes aos roteiros turísticos da Estrada Real, do Circuito dos Diamantes e Circuito Vale do Jequitinhonha. (RAYEL, 2011). 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Coordenadoria de Turismo de Diamantina, conforme entrevistas realizadas no ano de 2011, reconhece os diversos segmentos de turismo e o seu papel no desenvolvimento socioeconômico local. Há, porém, a necessidade de coordenar e integrar ações que devem ser implementadas no sentido de sensibilizar, envolver a comunidade local, principalmente no que tange à relevância dos sítios protegidos e as necessidades de apropriação embasadas na conserva- ção e preservação ambiental. Isso porque, é a partir do reconhecimento da cidade em que vive e do aguçar o sentimento de pertencimento, que o cidadão poderá contribuir para a difusão de melhores práticas de inclusão comunitária nas ações patrimoniais e turísticas. (RAYEL, 2011). Entretanto, quando os recursos naturais e culturais recebem a tutela como bens patrimoniais do Estado, com intuito de salvaguardar a sua integridade contra a perda da originalidade ou a destruição da memória de um povo, estes se evidenciarão como patrimônios ambientais protegidos. Isso ocorre, para ISSN 0103-8427 Caderno de Geografia, v.22, n.38, 2012 12 preservar o legado de um lugar ou de um país, mesmo quando revelados e explorados pelas atividades turísticas. Se uma área é decretada como de preservação ou conservação, também são criados os instrumentos de gestão pública que buscam regulamentar a exploração do patrimônio paisagístico, tornando-se necessário saber se as atividades econômicas, como o turismo, estão fazendo jus aos princípios éticos de uma valoração pró-ambiental. Contudo, Rayel (2011) pontuou algumas proposições como sugestões para atuação da Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Patrimônio de Diamantina, de acordo com o estudo realizado, as quais, por sua vez, poderão oferecer subsídios às políticas públicas que não somente favoreçam a seleção das áreas protegidas, em face ao uso turístico pela comunidade, mas que, também, promovam a sua inclusão de todos (comunidade e visitante) na atividade turística. Deste modo, consideramos importantes as seguintes recomendações:  Potencializar outros ativos locais, a partir da criação de novos atrativos turísticos e de roteiros culturais com ênfase lúdica e educativa, buscando aliar a pluralidade cultural encontrada no artesanato, na gastronomia, na música, na religiosidade e nas festas populares, e no patrimônio natural e construído.  Valorizar os saberes e fazeres populares que estão subutilizados no cenário do turismo local e regional, integrando o patrimônio humano vivo nos roteiros turísticos, com intuito de valorizar o conhecimento cultural baseado nos princípios de educação e inclusão social para o desenvolvimento sustentável;  Difundir efetivamente ações e programas educativos sobre o patrimônio ambiental diamantinense para despertar atitudes e comportamentos pró-ambientais e éticos da população local e dos visitantes, de modo a estimular a percepção dos valores socioculturais e a participação na conserva- ção da identidade local. As propostas apresentadas neste artigo, de acordo com Rayel (2011), buscam uma visão integrada para a prática do autêntico turismo cultural, a partir do foco educacional embasado no desenvolvimento local e regional. O turismo como um fenômeno socioeconômico e cultural é um indutor do desenvolvimento local em escala de efeito multiplicador, uma vez que estimula a geração de oportunidades empreendedoras. Ao dinamizar as relações sociais, potencializa a capacidade humana de prover melhorias nos níveis de qualidade ambiental e de vida para as suas comunidades, por meio da participação ativa nas ações de interesse coletivo. REFERÊNCIAS BERQUE, A. Raisons du paysage. De la Chine antique aux environnements de synthèse. Paris: Hazan, 1995. BLEY, L. Morretes. Estudo de paisagem valorizada. 1990. 215 f. Tese (Doutorado em Geografia) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, Rio Claro. BRANDÃO, C. R. (Org.) 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