As lavadeiras

23-03-2017 08:26

REVISTA ELETRÔNICA DISCENTE HISTÓRIA.COM

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA  CENTRO DE ARTES, HUMANIDADES E LETRAS

AS LAVADEIRAS DE SANTA CLARA E BICAS DAS

MONTEIRAS EM DIAMANTINA: SABÃO, PÃO E TRADIÇÃO 

 

Jacqueline J. Fernandes Vilas Boas[1]

Resumo

Este artigo tem o objetivo de descrever os locais de trabalho e a vida cotidiana das lavadeiras diamantinenses, dando ênfase à Lavanderia Comunitária Santa Clara e a Bica das Monteiras. Essa temática tem o intuito de fazer reflexões que demarcam a  prática cotidiana, o significado dos símbolos, as diferenças e semelhanças deste grupo. O método usado na pesquisa sobre as lavadeiras de Diamantina-MG foi feita através da observação participante e a descrição densa. A descrição densa foi realizada de forma introdutória, pois primeiro foi feito um trabalho de base e que deste servirá para um estudo mais amplo posteriormente.  Diante disso, tem como propósito exercer um debate científico e social resgatando um processo que está se perdendo ao longo do tempo nesta organização de trabalho.

Palavras-chave: Lavadeiras. Descrição densa. Observação participante.

 

Introdução

Nos dias atuais passamos por alguns caminhos da cidade, misturando o estilo barroco com a modernidade das casas e prédios, encontramos mulheres carregando trouxas de roupas na cabeça indo para os rios, bicas, minas ou em lavanderias comunitárias localizados em Diamantina-MG. Muitas destas mulheres apreenderam e acompanharam as mães, madrinhas e tias da mesma forma que é citado no livro de Andrade2.    

O livro literário de Andrade é uma das poucas fontes encontradas sobre  as  historias das lavadeiras de Diamantina-MG, apenas em um capítulo é mencionado sobre esse assunto. Conta às  histórias vividas pelas moças, senhoras que iam para os rios da cidade para exercer a função de lavadeiras. Acordavam pela manhã e voltavam ao cair da tarde, trazendo as roupas lavadas e secas. Existiam também as lavadeiras profissionais que lavavam as roupas para as famílias que tinham “posses”. 

ANO I, Nº I - 2013

A cidade de Diamantina é banhada pelo Rio Jequitinhonha que é  considerado como  um dos recursos hídricos mais importantes da região. A nascente do  Rio Grande se localiza em uma serra próxima ao Caminho dos Escravos  no Bairro Glória na sede do município de Diamantina. Tem o seu curso pelo o bairro Rio Grande e o bairro da Palha. Encontra-se com o Córrego da Prata e com o Ribeirão do Inferno, finalmente deságua no Rio Jequitinhonha. Portanto, os percursos destes rios e córregos permitem que a grande maioria dos bairros da cidade tenham vários locais utilizados pelas lavadeiras.

Ao percorrer os bairros da cidade pude conhecer locais que são redutos  de muitos anos frequentados pelas lavadeiras diamantinenses. Cada canto há uma história especial, uma experiência diferente no qual permitiu uma descrição desse  trabalho que muitas das vezes não é conhecido pela população local.  

Mediante a tais considerações, a proposta desta pesquisa é uma descrição dos locais e da vida cotidiana das lavadeiras diamantinenses com a intenção de registrar  seus hábitos que estão se perdendo ao longo do tempo. Este ofício é transmitido de geração em geração e que sobrevive até a contemporaneidade. 

A hipótese de que há poucos registros oficiais sobre este tema, resolvi a partir de métodos antropológicos  fazer uma  descrição  servindo como uma base acadêmica e  específica para promover outros  debates acerca do assunto. 

A justificativa que fundamenta  este trabalho é a contribuição para o debate científico e social, resgatando um processo que esta se perdendo ao longo do tempo nesta organização de trabalho. Neste sentido, em futuros debates espera-se que este estudo possa servir para outras áreas das ciências humanas permitindo um diálogo e contribuindo com vários seguimentos do conhecimento acadêmico como na  promoção á saúde, economia, política, cultura, meio ambiente e social, dentre outras linhas de pesquisa.

O método usado na pesquisa foi à observação participante juntamente com a descrição densa. A observação participante é um método em que o pesquisador pretende compreender as pessoas e suas ações, fazendo com que a observação tenha um  resultado de excelência promovendo uma análise indutiva e compreensiva. Já a descrição densa é feita uma descrição minuciosa, além das entrelinhas. Optei como o exemplo usado por Geertz na cidade balinesa em seu trabalho de campo. Desta forma, observei e descrevi os fatos acontecidos no período em que estive nos locais selecionados. Ao analisar os procedimentos exercidos por essas mulheres, pude

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observar as manifestações de resgate das origens e  a valorização dos trabalhos praticados.

A proposta da temática tem o intuito de fazer reflexões que demarca a vivência, a prática cotidiana, o significado dos símbolos, as diferenças e semelhanças deste grupo. As lavadeiras de Diamantina demarcam e integram a cultura local. Neste contexto  a concretização deste trabalho é significativa para a contribuição científica e social  diante a  preservação desta prática.

 

 

Descrição densa, cultura e observação participante nas teorias de  Geertz

 

(...)Dos dias que frequentei a lavanderia vi que tinha uma espécie de cactos pendurado em uma das paredes da lavanderia. Pensei que fosse algo supersticioso, alguma proteção ou até mesmo um amuleto, mas depois perguntei para uma das lavadeiras que me disse que os espinhos dos cactos substituíam os alfinetes para prender as trouxas de roupas e entregar  os fregueses (...).[2]

 Diante da descrição sobre as lavadeiras é caracterizada a preservação de uma cultura em que passados os tempos foi usado os artifícios que os antecedentes usufruíram  em suas épocas, neste caso repassando este significado para os demais. 

Geertz expressa o conceito de cultura como uma ciência interpretativa a procura do significado no qual o homem vive em um mundo dotado de sentidos. Portanto, a cultura é uma teia de significados em que o homem constrói durante suas práticas e vivências nas suas ações sociais. O autor afirma:

O conceito de cultura que defendo, e cuja utilidade de ensaios abaixo tenta demonstrar, é essencialmente semiótico. (...) o homem é um animal amarrado de teias e a sua analise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, á procura do significado.4

                

Essa consideração feita pelo autor está relacionada com o pensamento humano. É considerada uma atividade social em todos os contextos  compreendidos na sua origem, nas  formas, nas funções e  nas aplicações cotidianas tornando uma atividade pública, ou seja, os fatos descritos dos acontecimentos não tem tanta importância, mas, a partir do pensamento e o comportamento  humano pode ser determinado uma análise cultural. 

Sobre este fato a cultura esta relacionada à mente humana, esta composta de estruturas psicológicas  no qual os indivíduos direcionam seu comportamento.

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Entende-se que o símbolo do galo na obra de Geertz  é focado  na linguagem caracterizando como um significado que tem relação com o  universo masculino, ou seja, o galo pode exercer significados ou símbolos, dependendo do contexto, como  viril, herói, guerreiro, campeão, homem de valor, o conquistador dentre outros.

A briga de galos para os balineses é considerada como uma prática de esportes, mas na verdade é uma representação do símbolo de virilidade masculina balinesa. Os homens balineses cuidam dos galos como se fossem eles, dando alimentos com dietas rigorosas, admiram a beleza do animal, discute a respeito deles e vive boa parte do tempo por conta dos animais. Geertz esclarece em:

 

(...)os galos são expressões simbólicas ou ampliações da personalidade do seu proprietário, o ego masculino narcisista em termos esopianos, eles também representam expressões  _ e bem mais imediatas_ daquilo que os balineses veem como a inversão direta, estética, moral e metafísica, da  condição humana: a animalidade.[3]

 

Quando Geertz fala sobre uma “descrição densa”, ele relaciona como uma prática de estabelecer relações, selecionar informações, manter um contato. E dentro deste conceito cabe também mencionar um instrumento de pesquisa que é a observação participante, no qual é feito uma observação ao objeto interessado e partindo disto uma descrição  em que são enfatizados detalhes. 

A proposta sobre a descrição densa é tirar grandes conclusões em fatos pequenos, mas com uma intensidade de detalhes adotando apoio ao papel da análise cultural, construindo a vida coletiva com uma dedicação as especificações complexas. O autor afirma: “(...) Compreender a cultura  de um povo  expõe a sua normalidade sem reduzir sua particularidade(...)”[4].

 

Descrevendo as lavadeiras (sabão, pão e tradição)

A pesquisa foi realizada por observação das lavadeiras situada nos bairros  da Serra, Rio Grande, Bela Vista, Glória, Palha e da Prata do município de DiamantinaMG.

  Foram visitados todos os locais acima descritos, mas o trabalho se concentrará apenas nos bairros Rio Grande e Bela Vista. Os lugares foram  escolhidos por terem  algumas semelhanças dentre elas: os motivos pelas  quais as mulheres lavavam as roupas, a maneira de como trabalham e como são lavadas as peças. 

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E as diferenças são vista na estrutura física no qual são exercidos os trabalhos das lavadeiras. Enquanto em um (Lavanderia Comunitária Santa Clara) foi montada uma pequena estrutura, no outro (Bica das Monteiras) o espaço é rudimentar, não há um estrutura  para o manejo  das lavagens  de roupas.  

 

Bicas das Monteiras

(Figura 1 ) Bica das Monteiras (Vilas Boas, 2012).

 

A primeira observação foi no bairro Bela Vista onde se encontram as bicas das “Monteiras”. Encontrei duas senhoras de aproximadamente 60 a 65 anos pelo caminho da bica. Ao chegar à mina d’água, observei que já havia no lugar três mulheres lavando roupas. Chamou-me a atenção o fato de que as pedras eram usadas como apoio para ensaboar e esfregar as roupas. Sendo que uma das pedras foi improvisada pelas próprias lavadeiras.

O local é bem rudimentar, em uma área devoluta que pertence à prefeitura da cidade. Nas mediações encontram-se casas construídas. A Bica das Monteiras é um lugar cheio de mato ao seu redor e mais ao fundo foi feito uma espécie de caixa de cimento pra proteger e acumular a água que sai de uma nascente onde foram colocadas três bicas. Por cima desta caixa as lavadeiras usam como apoio e tanque

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para as lavagens. As águas das três bicas caem livremente no local, as lavadeiras vão colocando baldes, bacias ou rodas de pneu velho para aparar a água para enxague.

Percebi naquele lugar que existia uma hierarquia entre elas. Observei que a mais velha é que tem o comando do local e a organização conforme a chegada de cada uma  delas. As senhoras chegam e já demarcam os lugares das demais, além de controlar o  fluxo de pessoas que frequentam o espaço, também  são elas que exercem a função de liderar os movimentos ocorridos no local  como as discussões, apaziguar os conflitos ou resolver problemas relacionados a organização e  limpeza do local. Esta hierarquia está relacionada a uma estrutura de que as relações estabelecidas naquele lugar são femininas, de forma maternal colocando-se a mais velha com plenos poderes em exercer funções na organização.  

Outro ponto interessante é que quando cheguei e me apresentei para fazer a observação, notei um estranhamento delas comigo. Percebi que elas não ficaram à vontade durante o tempo em que permaneci no local. Além de ser o local de trabalho das mulheres, também é próximo de um ambiente que frequenta alguns usuários de drogas do bairro. Por este e outros motivos elas manifestaram que gostariam que as autoridades fizessem a melhorias para o local, tais como: iluminação, tanques e uma coberta para as épocas das chuvas. 

O processo de lavagem é de forma bem antiga, neste caso prevalecendo uma tradição, passada por gerações e que permanece até os dias de hoje. Usa-se a escova, o sabão em barra, algumas usam sabão em pó e alvejante. Elas fazem o processo em que é chamado de “quarar as roupas” que significa “clarear pela exposição da roupa ao sol”. Essa quaragem é feita da seguinte forma: as roupas são colocadas no chão ou na grama, depois de esfregadas, para ficarem expostas ao sol. Depois deste processo elas afirmam que as roupas brancas ficam alvejadas. Sobre a pedra que usam de apoio para esfregar as peças usam por baixo outra peça, muitas das vezes lençóis ou toalhas em que serve para sobrepor outra roupa e começam a esfregar. Parece-me que serve de proteção, para não encostar a roupa dos fregueses sobre as pedras. Depois deste procedimento enxaguam as peças nas bacias ou nos pneus e usa amaciante de roupa (produto que deixa as roupas com cheiro bom e macias). 

Para tirar o sabão, algumas das lavadeiras usam um processo de bater a roupa sobre a pedra, desta forma é retirada uma quantidade de sabão e daí faz o processo de enxague, este procedimento, vem de uma tradição apreendida pelas avós e mães. Por fim, colocam em arames farpados para escorrer e tirar o excesso de água. Quando as peças escorrem são colocadas novamente nas bacias e uma

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lavadeira põe um pedaço de pano sobre a cabeça e coloca a bacia por cima do pano. Neste momento, sai do local e vai embora para casa colocar as peças estendidas nos varais para secar. 

A expressão pão referida no título deste artigo refere a ideia de simbolizar e caracterizar o significado da busca do sustento das mulheres lavadeiras. Nos locais visitados há duas categoria de lavadeiras, há mulheres que lavam roupa com a intenção de economizar água nas casas onde residem e outras para ganhar um dinheiro extra, ajudando nas despesas de casa, fazendo deste ofício tão antigo um meio de sobrevivência. Normalmente as mulheres que trabalham para aumentar o orçamento familiar, lavam e passam para estudantes e famílias da cidade. 

 

 

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Para fazer a observação nesta lavanderia foi feito uma visita prévia. Conversei com as pessoas que trabalhavam naquele lugar e se eu poderia fazer uma observação do trabalho das mulheres. Fui bem recebida por uma senhora chamada Dona Neide[5]. Neste dia foi muito rápido, pois voltei uma semana depois para a observação.

Na semana seguinte, em uma manhã de sábado fui até a lavanderia do Bairro Rio Grande conhecida como “Santa Clara”. Cheguei ao local e me deparei com um lugar bem diferente que tinha visto na Bica das Monteiras. A princípio tinha umas quatro senhoras lavando roupas e em um canto duas passando roupas.

O local é bem amplo no qual encontra uma área coberta de telha de amianto com vinte tanques de lavar roupa e em cada tanque um espaço de cimento queimado para apoio, onde as lavadeiras esfregam as peças. Uma dispensa onde é colocado o material de limpeza, um banheiro, um espaço que tem quatro bancadas de cimento para a passagem de roupas. Outro detalhe é que elas usam tanquinhos elétricos que se somam quatorze. Estes tanquinhos elétricos são guardados em um quartinho na própria lavanderia. Os varais que penduram as roupas cada uma delas tem uma quantidade e  são marcados pelas lavadeiras.

A água usada e a energia elétrica para o funcionamento da lavanderia é paga pela prefeitura da cidade, mas a manutenção do local como limpeza, troca de torneiras e as manutenções em geral são responsabilidades das mulheres. Existe uma caixa d’água de aproximadamente cinco mil litros que abastece a lavanderia. Segundo as lavadeiras a água vem de um poço artesiano juntamente com a água da COPASA (Companhia de Saneamento Básico de MG) o que assegura que a água seja limpa. 

As lavadeiras da Santa Clara mencionam que o local da lavanderia foi construído pela ex-primeira dama Dona Tereza com apoio do ex-prefeito chamado João Antunes, ambos já são falecidos. Depois desta construção não foi feito nenhuma melhoria para a lavanderia. Este fato é percebido, pois o desgaste do cimento onde fica os tanques é visível e a lavanderia ainda é inacabada.

 

Bicas das Monteiras X Lavanderia Comunitária Santa Clara:  aproximações e distanciamentos

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Em relação às lavadeiras foi feita observações mediante ao método usado por Geertz como uma descrição, de forma que pude perceber durante as minhas observações, as tradições, as rotinas e os procedimentos exercidos pelas lavadeiras. Ressalvo que durante minha pesquisa o objetivo principal era fazer uma descrição dos locais e da vida cotidiana das lavadeiras, devido a poucas fontes encontradas sobre o assunto. Deste modo, a descrição densa foi feita superficialmente mediante alguns aspectos encontrados e que futuramente poderá ser feito um trabalho mais aprofundado acerca do método da descrição densa.

Outro aspecto importante neste estudo, evidência que as apresentações relacionadas neste trabalho enfocam os modos  e as  práticas das lavadeiras, trazem traços dos antigos costumes. Alguns exemplos citados durante a descrição no   texto,  tanto na lavanderia como nas bicas é marcado por  procedimentos iguais aos modos antigos. Para exemplificar estes aspectos as lavadeiras “quaram as roupas” para que elas tornem brancas. Batem as roupas nas pedras para tirar o  excesso de sabão, usam os espinhos de cactos pra servir de alfinete, levam  refeições  para passar o dia, dentre outros.

 Nos tempos atuais as lavadeiras usufruem das tecnologias. Levam para o trabalho  os  aparelhos  celulares e rádios portáteis. Enquanto as antigas cantavam canções que aprendiam com as mães e/ou avós. Atualmente, são usados tanquinhos elétricos  e ferros  elétricos, enquanto as lavadeiras antigas usam as pedras e os tanques de alvenarias. 

Para Geertz  todos os  indivíduos desenvolveram estruturas simbólicas no qual são percebidos como tais, como  um simples membro, como representantes de certas categorias distintas e tipos específicos de pessoas. Em cada caso específico existe uma pluralidade de determinadas estruturas. A  vida cotidiana das pessoas é habitada por rostos personalizados, determinações, características adequadas e atribuições de qualidades. Neste caso, o autor refere (...) Os sistemas de símbolos que  definem  essas classes não são dados pela natureza das coisas - eles são construídos historicamente, mantidos socialmente e aplicados individualmente.[6]

Desta maneira, pude ver também nas lavadeiras interpretações com significados, ou seja, o sujeito “lavadeiras”, com as manifestações “o ato de lavar as roupas” que seria um símbolo. Conforme a interpretação dada no caso, os significados  destes símbolos podem ter várias interpretações, dentre elas: as mulheres trabalhavam em virtude do bem estar, devido ao convívio de um grupo. Por outro

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lado,  um motivo de estar exercendo aquela função era para  economizar  o uso da água paga nas suas casas, outras por fazer parte do orçamento familiar ou até mesmo agregando estes significados. Com base  na teoria, perante aos  argumentos sobre a interpretação dos significados Geertz esclarece que:

 

(...)Tornar-se humano é tornar-se individual, e nós nos tornamos individuais sob a direção dos padrões culturais, sistemas de significados criados historicamente em termos dos quais damos formas, ordem, objetivo e

direção as nossas vidas. (...).[7]

Observei que nas duas lavanderias visitadas há uma hierarquia quanto às pessoas que frequentam. As senhoras mais velhas sempre estão à frente, as demais sempre se aconselham com elas, pedem favores e opiniões. A maioria  das mulheres que trabalham no local ajuda no sustento da casa. Algumas também lavam roupas para municípios vizinhos. As conversas entre elas geralmente são a respeito de novelas ou alguma fofoca de alguém conhecido. 

Na lavanderia Santa Clara(Rio Grande) no processo de lavagem elas usam sabão em pedra, sabão em pó, alvejantes, amaciantes de roupas, baldes, botas, escovas de lavar roupas e pedras de anil. Observei que as mulheres usam botas de borracha para proteger os pés no momento em que estão colocando as roupas nos varais, pois têm medo de animais peçonhentos devido à lavanderia está próximo a um  esgoto aberto e cheio de mato. 

Nas “Monteiras” as  lavadeiras não usam nenhum tipo de proteção nos pés, na maioria das vezes usam chinelos, tendo o risco de contaminar ou aparecer algum tipo de bicho peçonhento.

Na lavanderia “Santa Clara”, as mulheres usam duas formas de lavar: a primeira usando o tanquinho elétrico enchendo-o de água põe o sabão em pó. Divide as roupas por cores. Primeiro coloca as brancas, deixa de molho e liga o tanquinho na posição desejada. E as demais são colocadas conforme as cores. A segunda é a forma tradicional, que também é usado na bica das “Monteiras” esfregando com a escova, tirando toda a sujeira, passando a escova por toda a peça. Outra coisa que observei é que, às vezes, surge alguém para lavar uma peça de roupa e acaba ficando mais tempo conversando com as demais. Normalmente entram nas conversas daquelas que já estavam no local ou surge outros tipos de conversas que interessam no momento. 

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Outro procedimento feito por todas as lavadeiras são os “quaradores de roupas” onde são colocadas as roupas expostas ao sol para ficar mais claras, principalmente as de cores brancas. As roupas são  colocadas no chão e na medida em que vão secando a peça, elas jogam um pouco de água para clarear mais. O enxague é totalmente manual, enchem o tanque, baldes e pneus, passando cada peça pela água, até sair todo o sabão. Depois é colocado em baldes com amaciantes de roupas, torcem e estendem nos varais apoiados em bambus.

Outra atividade exercida na  lavanderia “Santa Clara” é a passagem de roupas com ferro elétrico. Depois da secagem das roupas elas usam as bancadas de cimento para passar. Usam uma mistura de água com amaciante de roupas. Esta mistura serve como um facilitador para passar as roupas. Estas são passadas minuciosamente peça por peça e são dobradas de forma que são colocadas em um lençol, prontas para serem entregues aos fregueses. Por baixo são colocadas as peças maiores como os lençóis, calças jeans, colchas, camisas e por cima as menores, como as peças infantis, peças íntimas(calcinhas, sutiãs e meias). Dos dias que frequentei a lavanderia vi que tinha uma espécie de cactos pendurado em uma das paredes da lavanderia. Pensei que fosse algo supersticioso, alguma proteção ou até mesmo um amuleto, mas depois perguntei para uma das lavadeiras que me disse que os espinhos dos cactos substituíam  os alfinetes para prender as trouxas de roupas e entregar  os fregueses.

Na bica das “Monteiras” as mulheres lavam na bica e passam as roupas em suas casas. Elas passam somente quando são roupas de fregueses.

O relacionamento entre elas aparentemente é bem tranquilo, são companheiras uma das outras, conversam sobre a vida cotidiana, durante o trabalho falam de assuntos esporádicos. Falam sobre os episódios das novelas, o que aconteceu no dia anterior, falam da vida dos outros  e sobre suas famílias. Elas também fazem o uso de aparelhos celulares. Levam garrafas de café e lanches, às vezes pessoas da família leva almoço, pois fica muito tempo fora de casa, às vezes até o dia todo.

Outra coincidência que vi nas duas lavanderias a presença de crianças, acompanhando das mães, avós ou irmãs. Algumas das crianças ajudam também no trabalho das mulheres.

 

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Considerações finais

Neste trabalho procurou-se mostrar, através dos métodos antropológicos,  a  história das lavadeiras de Diamantina enfocando suas crenças,  suas tradições e seus significados relacionados  à vida diária e as mudanças de comportamentos ao longo dos tempos. Conforme referências citadas do livro literário de Andrade[8], mencionado durante a construção desta pesquisa  observou-se  que algumas das descrições feitas pelo autor aproximam-se das constatações feitas pelo trabalho supracitado. Tendo como base a preservação de hábitos rotineiros adotados por essas mulheres em tempos passados e que até os dias atuais são usados.

Conforme a hipótese do trabalho confirmou-se que existem  poucos registros oficiais sobre este tema, no qual tive que procurar através de livros literários e  fazer uma pesquisa diante dos  métodos antropológicos  fazendo uma  descrição. Através desta base, tornará uma discussão inicial e específica promovendo outros  debates acerca do assunto.

Em virtude das características geográficas da  cidade,  das águas límpidas dos rios, córregos e bicas próximos aos bairros, constatou-se que existe um número considerável de lugares que é usado para o trabalho destas mulheres. 

Apesar das diferenças observadas, foi detectado semelhanças no método usado pelas lavadeiras como a prática de lavagem das roupas. Basicamente elas seguem as mesmas sequências de lavagem. Os perfis observados foram marcados pela grande heterogeneidade, há uma mistura visível dos estilos de vida contemporâneo com a herança cultural das gerações passadas. É comum nestes ambientes que as mulheres usufruem dos aparelhos tecnológicos, tais como celulares e aparelhos de rádio. 

Quanto ao envolvimento dos filhos no auxílio dessa tarefa conclui-se que, apesar de serem chamados a participarem, demonstram pouco interesse e alguns se sentem envergonhados por considerar este trabalho pouco valorizado socialmente. Essa dificuldade em ensinar este ofício aos descendentes poderá ocasionar a extinção deste costume.  

Os motivos que levam estas senhoras aos pontos de lavagem são dos mais diversos possíveis. Além daquelas que utilizam como fonte de renda para auxiliar a sustentabilidade da família, há aquelas que frequentam o local para interagir

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socialmente. Nestes locais a uma troca de experiências envolvendo os problemas familiares, afetivos e alheios. 

Com isso cria-se relações de amizades duradouras, pois a um aconselhamento mútuo entre elas  na busca de soluções para os  problemas vivenciados. 

Em todos os locais visitados constatei o estranhamento do pesquisado  diante da minha presença. Este comportamento é perceptível nas pesquisas de campo, confirmando a experiência e os estudos de Geertz. Diante desta situação cabe ao pesquisador interagir com o grupo respeitando suas diferenças, deixando claro o motivo pela qual esta momentaneamente no grupo.

Constatado os significados dos símbolos a condição da briga de galos em Geertz era característica dos homens, o galo como símbolo de virilidade. Já nas lavadeiras sendo mulheres, a simbologia das "lavagens de roupas" pode ser considerada como uma extensão da vida das mulheres, sendo assim, uma característica  feminina tornando um significado de "independência" e “satisfação” pelo ato praticado.

Enfim, mesmo com tecnologia e as condições socioeconômicas permitirem o acesso, neste trabalho, comprova que na cidade de Diamantina-MG ainda existem as lavadeiras que frequentam os rios, córregos, bicas e lavanderia comunitária. A pesquisa efetuada com as lavadeiras demonstra que a determinação de espaços de trabalho é culturalmente construída e passada por gerações.

 

 

 

 

 



[1] Discente do curso de Bacharelado em Humanidades da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri - 6º período. (TCC) Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção de grau de Bacharel em Humanidades email: jaqueline.fern.vilasboas@hotmail.com 2 ANDRADE, Paulo René de. Diamantina 1900 e... Quadras sobre “quadras” que não voltam mais. Belo Horizonte. Imprensa Oficial, 1982.

[2] Observação e relato de experiência junto às lavadeiras da Lavanderia Comunitária Santa Clara.  4GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas, Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1989, p.15.

[3] GEERTZ, op. cit., p.286.

[4] Ibd., p.24

[5] Foram colocados  nomes fictícios  para  garantir a  privacidade das lavadeiras. 

[6] GEERTZ, op. cit., p.229.

[7] Ibidem, p.64.

[8] ANDRADE, Paulo René de. Diamantina 1900 e... Quadras sobre “quadras” que não voltam mais. Belo Horizonte. Imprensa Oficial, 1982.