Causos Antigos

07-05-2017 08:53

Casos Antigos

Ciro Arno - Tempos Ido.

 

Antigamente em Diamantina, o comércio abria às sete horas da manhã e  fechava às nove da noite, nem  dia de descanso para os empregados, mesmo nos domingos e feriados. Só  "O Grande Empório do Norte, de Mota & Cia., cerrava as portas aos domingos, ao meio dia, para repouso dos caixeiros. , , ..

Na loja do: meu pai, à rua Atrás da Sé, reunla-se toda as noites, das sete às nove horas, um grupo de velhos amigos, quase todos do Partido Liberal, comentando fatos políticos, relembrando casos antigos, interessante palestra que eu ouvia com muita atenção, eu criança de menos de dez anos.

 

 

Os mais assíduos nesse cenáculo eram; Augusto César de Azevedo Belo, negociante; Justiniano Luiz de Miranda, funcionário do Distrito Diamantino; Joaquim Honorato, escrivão do crime e do eivei; Diniz Tameirão Pinto, fiscal da Câmara Municipal; José Leite Teixeira, negociante, de muletas, por ter uma perna amputada; João Raimundo Mourão, chefe político liberal; Antônio, Tomaz de Gódoi, empregado dos Telégrafos; tio João Caldeira, advogado.

Rememoravam em suas palestras aqueles amigos episódios antigos da história diamantlnense, ligados à Revolução de 42, Guerra do Paraguai, crimes célebres, casos extraordinários e sensacionais. (Augusto Caldeira) Meu.pai, que tinha excelente memória, relembrava episódios de sua infância, em Datas e casos de seus antepassados mais próximos. O pai dele, meu avô João Hermenegildo Caldeira Brant. era filho de João Caldeira Brant; este, filho de Sebastião Caldeira Brant; este, irmão do Felisberto Caldeira Brant, o célebre Contratador do Tijuco. . , ,

Minha avó, Senhorinha Afonsina, casada com João Hermenegildo, teve os seguintes filhos: Senhorinha, João Evangelista, Augusto Afonso, Amélia Senhorinha, Clariedo, Teófllo e Maria (Mariquinha).

Numa daquelas palestras da loja, ouvi de meu pai este caso sensacional; Certa manhã, em Datas, seu pai João Hermenegildo, ao levantar-se da cama, disse a sua mãe:

—"Senhorinha, como lhe disse ontem, preciso Ir hoje ao Tijuco, ver se obtenho um empréstimo com algum amigo, para pagar uma letra, que se vence amanhã. Pensando nisto, quase não dormi esta noite e tive um pesadelo, ou antes um sonho interessante . . .

—''Que sonho ? perguntou minha avó.

—"O segulnte. saia eu, a cavalo, aqui de Datas, em direção ao Tijuco, quando pouco adiante, a cerca de meia légua, surgiu do mato um negro, que me abordou, tomando a bênção: . . .”

-"Vá se siô Cristo! (Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo! ) „ , . . „

—"Para sempre!  respondi, estacando o animal Que deseja você?

—«Sinhô, respondeu ele.—Tou com fome. Pode vancê me dá algum ouro (dinheiro) por esta pedra?

"Retirou dos farrapos do casaco um picuá. Dele tirando um diamante que me apresentou. Pus a pedra na mão, examinei-a e disse ao negro;

—"Não tenho aqui dinheiro que chegue para comprar esta pedra.”

—"Não faz mal. Vancê me dá qualquer coisa, pra comprá mantimento.”

"Meti a mão no bolso e tirei uma nota de vinte mil réis, que lhe dei, dizendo: , , ,”

—"Tome esta nota. O diamante vele muito mais." Vou agora ao Tijuco, lá venderia a pedra. Amanhã você. me espere aqui, a esta mesma hora, que eu lhe darei mais dinheiro ... „ , ,

—"Não precisa, sinhô, disse o negro afastando-se".  —Como vocês sabem, continuou meu pai, dirigindo se aos amigos, nessa ocasião alguns escravos fugiam para os matos e serras e ali ficavam mineirando. Quando encontravam folhetas de ouro ou diamantes, os levavam altas horas da noite a negociantes no Tijuco, seus fregueses, que os compravam por ninharia, ás vezes somente por mantimentos que lhes forneciam.

— É verdade - comentou Justiniano Miranda.

 Conheci um negociante em Diamantina, que enriqueceu com os diamantes dos pobres negros fugidos.

—Por Incrível que pareça, continuou meu pai o sonho de meu pai realizou-se tal qual ele tinha tido. Na viagem de Datas para o Tijuco, surgiu-lhe no caminho um negro fugido, que lhe ofereceu um diamante, nas mesmas condições do outro, no sonho. No Tijuco ele vendeu o diamante, pagou a letra que devia, e, regressando a Datas, contou o caso a minha mãe.

—E o negro tornou a aparecer? perguntou o Diniz Tamelrão.

—Não, nunca mais meu pai o viu!

—Há na verdade casos extraordinários I falou o João Raimundo Mourão.—Vocês já não ouviram falar no caso do avô do Procópio?

—Que Procópio? Perguntou o Joaquim Honorato.

—O Procópio Gomes Ribeiro, que mora no largo do Rosário. Certa manhã, em 2 de novembro de 1755, o seu avô, um homem pacífico e morigerado, levantou-se da cama gritando : "Lisboa está sendo arrasada por um terremoto!  Ah!  que desgraça!  Quantos mortos! . . . " E saiu correndo pelas ruas, como um louco, a gritar: "Quantos mortosI Lisboa está sendo destruída por um terremoto l'' Os parentes e amigos do Infeliz, julgando-o atacado de um acesso de loucura, correram atrás e o trouxeram para a casa, procurando acalmá-lo.

—E ele sarou? perguntou o José Leite.

—Completamente, continuando sua vida normal, respondeu João Raimundo.—Uns dois meses depois, chegou ao Tijuco a fatal noticia: naquela mesma data, Lisboa fora quase destruída por um terremoto, que derrubou bairros inteiros, matando milhares de pessoas.

-A história registra casos semelhantes de telepatia, falou o Godoi—Como disse um célebre escritor: "há mais coisas no céu e na terra, do que sonha a nossa pobre filosofia".

 

Arno, Ciro, Tempos Idos, Voz de Diamantina, pág. 3, 8 de fevereiro de 1970, nº 15.

 

Foto Internet: Acervo Zé da Sé.