Diamantina -1888

07-05-2017 16:58

Diamantina—1888.

 

 

No decênio de 1885 a 1895, morávamos, em Diamantina, numa casa de dois andares, á rua Atrás da Sé. Pouco adiante, na descida para a Cavalhada Nova, era a casa do velho farmacêutico Manoel Procópio AlvesFerreira e D. Jacinta, com vários filhos, entre outros Genesco, Elpidio, e Artur Napoleão, que posteriormente foram meus professores na Escola Normal.

Todas as tardes, na porta da botica (não se dizia farmacia), um creoulo de dez a doze anos, Abel, muito gago, assentado no chão, em frente a um grande almolariz de latão amarelo, segurando no cabo com as duas mãos ia socando com sonora batidas metálicas, ervas medicinais para preparo dos remédios.

Era um dos escravos do sr. Manoel Procópio. Entre eles sobresaía uma mesma quase branca, Cecília, muito bonita simpática. No Brasil, como nos Estados Unidos, nos fins da escravidão, com o cruzamento das raças, iam nascendo nas classes de cor, crianças brancas e mesmo ruivas e loiras, (Vide «Cabana de Pai Tomás» de Harriet Beecher Stowe).

Correrem os anos. Quando chegou em Diamantina, pelo telégrato, a notícia, sua libertação dos escravos, as ruas se encheram de negras e negros, crioulos e africanos, numa algazarra inicial, dançando e cantando, acompanhamento de instrumentos bárbaros, urugunges e pandeiros.

 

 

 

Nessa memorável tarde de Maio de 1888, na porta da loja de meu pai, diversos amigos e correligionários comentavam os acontecimentos:: Barão do Paraúna, Justiniano Miranda, tio João Caldeira, Diniz Tameirão, Joaquim Honorato, José Marques Nogueira Guerra, João Raimundo Mourão, Joaquim Lessa, João Nepomuceno Kubitschek, Olímpio Mourão, Cadete Antônio Eulálio, Augusto Cesar de Azevedo Belo, Vicente Torres, Lulu Vidinha, José da Matta e outros. Vendo passar (a bonita Cecilia, meu pai brincou com ela:

— Então Cecilia, está muito alegre com a liberdade?

— A jovem era escrava, pois nascera antes da Lei do Ventre Livre, de 28 de Setembro de 1871.

— Qual  siô Augusto, isto até parece um sonho respondeu ela.

     Meu pai continuou.

—Quando você esteve em Ouro Preto, viu a Imperatriz?

É preciso uma explicação Um ano antes, o farmacêutico e D. Jacinta, por ocasião da visita a Ouro Preto o Imperador e da Imperatriz, foram àquela capital, levando Cecilia.

A Praça da Independência na tarde da chegada, encheu-se de enorme multidão para aclamar os soberanos, todos a pé, pois na cidade não havia carros, pela impossibilidade de locomoção nas ruas Íngremes.

Meu pai continuou:

— Cecília, Você viu de perto o Imperador e a Imperatriz?

— Vi sim senhor, respondeu ela orgulhosamente Até na confusão do atropelo, a Imperatriz me pisou no pé.

Este episódio era sempre citado pela interessante, Cecília: ter sido o seu pé pisado pela imperatriz do Brasil..

 

Ciro Arno, Diamantina -1888, Voz de Diamantina, pág. 3, 15 de fevereiro de 1970, nº 16.

 

  Foto internet: Acervo Zé da Sé.