Escola Dramática - Teatro Santa Isabel

16-03-2011 23:10

Diamantina, cognominada, com justa razão, a “Atenas do Norte”, por ser a cidade mais civilizada do Norte de Minas, em todos os setores da atividade humana, notadamente no ramo da instrução, teve também, na sua parte teatral, um papel bastante saliente.

O velho Teatro “Santa Isabel”, no Largo do Rosário, (onde, hoje, se ergue a cadeia pública), já havia se tornado célebre, até mesmo famoso, nas cortes, no Rio!

A maravilhosa pintura do seu pando de boca, que ainda hoje se conserva como relíquia histórica, feita em 1841, representa um pórtico de três degraus, tendo aos lados duas colunas jônicas, e vendo-se no centro, ao alto, firmado por um pedestal, o escudo do Brasil-Império, ladeado pelos ramos de fumo e café. Firmados nele, duas figuras de moças majestosas, lindas, sendo uma delas mais nova, - estão: uma vestida de soldado, também romano, trazendo consigo um capacete e aço, um elmo no braço esquerdo e, a seus pés, uma lança de combate.

Figuraram as duas Américas: a do Norte e a do Sul. A mais velha, tendo perto de si alguns livros, aperta, com firmeza, a mão de sua irmã do Sul, que, mais tímida, tem o braço um pouco encolhido. Com a mão esquerda, firmada em um livro aberto, parece dizer-lhe o que se lê escrito na página: “SE SEGUES MEUS DITAMES MAGESTOSOS, TEUS FEITOS SERÃO JUSTOS E GLORIOSOS”.

Nos degraus abaixo das figuras, vê-se um velho cacique, barbas brancas, corpo semi-nú, reclinado sobre um tonel, que firma com a mão esquerda, estando a direita segura numa pá. Do tonel, que firma com a mão esquerda, estando a direita segura numa pá. Do tonel, jorra água em profusão, banhando o corpo do velho. Esta representa o Jequitinhonha, com toda a sua riqueza aurífera, pois notam-se, na sua cristalinidade, manchas douradas do ouro que crepita em seu leito e o brilho ofuscante dos seus diamantes, pontos culminantes do esplendor e riquezas da nossa terra.

Um anjo pequeno, com uma guirlanda de rosas, coroa a cabeça do ancião, que parece adormecido, demonstrando a calma que atravessa, após os cruéis sofrimentos por que passara nos idos tempos do Tijuco, vendo sempre suas águas tintas de sangue, com a morte dos inocentes garimpeiros, nos tempos dos Intendentes. Como que secundando o seu irmãozinho, outro anjo, conduzindo consigo, no ombro direito um almocrafe, tendo á mão esquerda uma bateia e a seus pés descansando, uma enxada, instrumentos da mineiração, parece também se encaminhar para o velho cacique, a fim de lhe entregara os instrumentos do seu labor.

Nos degraus do pórtico, vários símbolos representam o que, naquela época, traduziam a glória do velho Tijuco e da notável cidade de Diamantina: a pintura, a ciência, a literatura e uma página aberta de um caderno de música, onde se lê os primeiros acordes do hino da nossa independência. Além, num descanso, a ampulheta  do tempo, um globo terrestre e um mocho atento, parecendo ser uma sentinela do velho que descansa.

Na amplitude deixada, pelo vão do pórtico, vê-se o azul puríssimo de um céu diamantinense, notando-se, de um lado, uma palmeira e, do outro, um velho jequitiba, com algumas de suas galhas já derrubadas.

Pequeno era, porém, o pano; e a mão admirável do Laport, concluiu o restante, colocando, nos lados, dois ferozes Aimorés que guardavam o velho Pagé, como uma preciosidade de chefe, e davam caça a uma onça que parecia querer-se dirigir a ele para devorá-lo. Além disso, vários outros símbolos nele se viam, mostrando diversos caracteres do teatro, naquela época.

As peças levadas por amadores, daquele tempo, nada tinham a se desejar de melhor, das que se levavam nos teatros do Rio e São Paulo. O amor á arte fazia com que cada um deles desempenhassem orgulhosamente bem o seu papel: Cosme Couto, Assis Moreira, Laport, Vicente Torres, Joaquim Soares, Raimundo Nonato da Silva, Agapito Moreira, José Cesário, João Aleixino e outros, era os ídolos; Mariquinha Bolina, Idalina Barroso, Cotta Batista, Sinhá Agapito, Josefina de Melo, Maria do Espírito Santo, Quina Amandia, Bibiana dos Santos e outras, que eram também adoradas.

Lembro-me bem de ter Assis Moreira escrito dois dramas, “O crime, a virtude e a calúnia, e o Operário e o Fidalgo”, que ainda hoje existe. Ambos foram aqui representados, e um deles, remetido ao Rio, chegou a ser ensaiado no Teatro São Pedro, pois merecera o mais franco elogio e apoio do grande teatrista, João Caetano. Desse bom tempo, poucos são os amadores sobreviventes.

Tempos depois, o mesmo ardor se arrefeceu, e outros amantes da ribalta puseram de novo as cenas em movimento, mas já não mais no velho Teatro “Santa Isabel” que, dolorosamentem cumpre-me dizer, fora destruído, e sim, no “Cinema Teatro” da Empresa Ramos e Guerra, e, mais tarde, Nemisio Leão. Novamente o passado fora evocado, e os amadores lutaram ardorosamente para reerguê-lo: Onesimo Couto, Zeca Correia, Cosme Ramos, Afonso Moreira, o nosso inesquecível Vicente Rosa e muitos outros foram os heróis dessa segunda jornada. Tivemos um período de representações magníficas, e as peças levadas por eles nos conduziam aos velhos e saudosos tempos do Teatro do Largo do Rosário. Com o perpassar dos anos, tudo se acabou e caímos novamente na evocação do passado. Anos depois, porém, novos amadores empenharam-se na luta pelo seu reerguimento e tentaram dar á nossa terra o seu cunho antigo. No “Cine-Teatro-Trianon”, da empresa Jair Moreira, novas representações foram feitas. Os heróis dessa terceira etapa viram, no princípio, um assomo de glória e de esperança, para depois cair e emudecer de novo!

E agora tudo se acabou, até mesmo o palco, pois, presentemente, não temos a não ser que seja novamente adapatado o existente no atual “Cine-Trianon”, que, com a magnífica reforma por que acabou de passar, o seu empresário parece ter se esquecido de também reorganizar o que existia no antigo “Cine-Teatro-Trianon”.

Amadeu Barbosa de Melo, que a morte nos tirou para sempre! Tinha ele muito gosto pela arte dramática, agradava plena e satisfatoriamente o público, chegando mesmo, nos dias gloriosos da “Escola Dramática Diamantinense”, a escrever uma magnífica coméida “Danella”, que foi levada com gerais aplausos.

D. Moreira, Voz de Dtna, 1939.