Estrada de ferro - Diamantina-MG
EFVM surge para a integração de um país agrícola e ajuda a definir o que é o Quadrilátero Ferrífero e o vale do Rio Doce
A implantação no Brasil de um sistema ferroviário foi fruto da insistência e da persistência de diversos políticos e empresários. Ainda no ano de 1835, uma década depois de inaugurada a primeira ferrovia no mundo – a inglesa Stockton-Darlington –, o regente do Brasil, Padre Feijó, assinou uma lei concedendo privilégios a quem quisesse construir uma linha férrea ligando o Rio de Janeiro a outras capitais de província. Os críticos do religioso-político viam aquilo como uma loucura. Quando se poderia imaginar um empreendimento daqueles em um país ainda inexplorado, recém independente e atrasado tecnologicamente?
Somente em 1854 os trilhos da malha viária brasileira começaram a ser colocados. Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, inaugurou uma linha férrea de 14 km que ligava a Baía da Guanabara ao pé da Serra de Petrópolis, no Rio de Janeiro. As estradas de ferro iam surgindo – timidamente – no território brasileiro. A maior parte delas servia para escoar café para os portos e retornar, para o interior das províncias, com mercadorias importadas.
A fixação dos bandeirantes no território em volta das minas de ouro do Ribeirão do Carmo e de Vila Rica, no século 18, fez nascer ali um povo ensimesmado. As montanhas que circundavam as jazidas cercavam a população que ali chegava. A província criada – a das Minas Gerais – não tinha saída para o mar. A decadência do ouro jogou a economia do estado montanhês no ostracismo. Parecia eterna a vocação de olhar para o próprio território. E lamentar.
Mas a novidade que as ferrovias traziam aos mineiros era a da possibilidade de ligação com os portos. Em meados dos anos 1860, surgiram os primeiros estudos para ligar Minas Gerais ao litoral por estradas de ferro. Vislumbrava-se que os trens poderiam enfim escoar a produção agrícola do território, alcançar os mares, ver de novo bons tempos.
Vitória a Diamantina
Com a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, o governo provisório passou a adotar medidas para o incentivo à criação de ferrovias. A Leopoldina Railway já ligava a Zona da Mata mineira ao Rio de Janeiro. Outra frente – a Central do Brasil – pretendia conectar a capital fluminense a Ouro Preto. Restava um projeto que fizesse com que os produtos agrícolas alcançassem outro importante porto: o de Vitória.
Em 1901, empresários mineiros e capixabas registraram um audacioso projeto: a Companhia Estrada de Ferro Vitória a Minas. Uma ferrovia que ligaria Vitória a Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, e outra que seguiria de Diamantina a Araxá, no Alto Paranaíba. Seriam mais de mil quilômetros de trilhos de ferro. O objetivo era escoar a produção agrícola das regiões e promover a colonização e integração do território.
Em 1903, a primeira parte dessa ferrovia começou a ser construída. O engenheiro Pedro Nolasco era o responsável pela obra que tinha o seguinte trajeto: Vitória a Colatina, no Espírito Santo; Colatina a Figueira (atual Governador Valadares), pela margem esquerda do Rio Doce; Figueira a Diamantina, pelas margens do Rio Santo Antônio.
As obras se iniciaram e os primeiros percalços também. A região era pantanosa, pouco habitada e oferecia muitos riscos à saúde dos trabalhadores, como a malária e outras doenças endêmicas. O engenheiro Ceciliano Abel de Almeida, responsável por um trecho da obra, sugere no livro O Desbravamento Das Selvas Do Rio Doce: “Contai, meus senhores, os dormentes deste trecho de estrada que se inaugura hoje e ficai certos de que o número que encontrardes será superado pelo dos trabalhadores enterrados no limiar de suas barrancas miseráveis”.
As viagens se iniciaram em 1904 e à medida que as novas estações eram abertas, mais a ferrovia penetrava no território capixaba. Além de passageiros, a ferrovia levava produtos agrícolas e madeira do norte do estado ao litoral. Segundo o administrador Ubiratan Correa Ribeiro, em sua dissertação de mestrado, a EFVM cumpria “sua finalidade inicial, que a caracterizou neste período – estrada de penetração – escoando a produção agro-pastoril e madeireira da região norte do ES para um porto de mar, tornando-se o motivo vital do progresso desta zona, graças ao qual conseguiu manter-se.”
Em 1909, mesmo com tantos percalços, as obras da Estrada de Ferro Vitória a Minas já entram em território mineiro. Porém, a descoberta de ricas jazidas de minério de ferro no Pico do Cauê, na cidade de Itabira, faria com que o rumo dos trilhos fosse mudado. E com eles, o destino de toda uma região.
Uma montanha no meio do caminho
Quando a estação de Figueira foi inaugurada, em 15 de agosto de 1910, os engenheiros já sabiam que o traçado da Vitória a Minas continuaria a seguir as margens do Rio Doce. Empresários ingleses, organizados na Itabira Iron Ore, que haviam comprado grandes extensões de terra em Itabira tinham agora também o controle acionário da EFVM. A ferrovia serviria de ligação entre as minas e o porto de Vitória.
A transação livrou os empresários brasileiros de um investimento caro e ainda sem retorno. Como as dificuldades para a construção eram muitas, os custos ficaram mais altos do que se previa.
Os trilhos do novo trajeto da ferrovia, porém, custariam a sair do papel. À disputa entre o governo de Minas e Itabira Iron Ore pelo modelo de mineração a ser adotado, somou-se o início da Primeira Guerra Mundial, que estagnou os investimentos em todo o globo.
Desbravando o vale
Em 1912, as obras pararam na estação de Cachoeira Escura, distrito de Belo Oriente. Somente seriam retomadas com o fim da Guerra, em 1918. Como as jazidas de minério ainda não eram exploradas, restava a ferrovia escoar produção agrícola e madeireira do vale do Rio Doce ao porto de Vitória.
Terminada a Guerra, a Itabira Iron Ore foi vendida ao empresário norte-americano Percival Farquhar – em consequência ele levou também a EFVM. A empresa continuava sem o marco regulatório para operar em minério de ferro, mas o capitalista voltou a investir na ferrovia.
Em 1922, as operações da Vitória a Minas chegaram em Ipaba e Ipatinga. Dois anos depois, em Coronel Fabriciano. Em 1927, chegou ao município de Antônio Dias. A ferrovia ajudou na fixação populacional daquela região, de densa mata atlântica. No entorno da estrada de ferro, surgiam os povoados carvoeiros.
Se por um lado a ferrovia ia avançando, por outro os planos de Percival Farquhar estavam estagnados. Não se chegava a um acordo entre os governos federal e estadual para a operação da Itabira Iron Ore. Quando parecia tudo acertado, o mercado financeiro mundial entrou em colapso com a crise de 1929 e a empresa não conseguiu se capitalizar.
Passos lentos
Em meio à crise internacional, Getúlio Vargas ascende ao poder em 1930. Com uma política de forte caráter nacionalista, o presidente empreendeu o que pode para impedir que as jazidas de minério de ferro de Itabira continuassem nas mãos de empresários estrangeiros.
Mesmo com poucos recursos, as obras da Vitória a Minas agora seguiam timidamente. Em 1932, a estação de Desembargador Drummond – a mais próxima das jazidas de Itabira – foi inaugurada. Quatro anos mais tarde foi a vez da de Nova Era.
Durante toda a década de 1930 Percival Farquhar tentou iniciar a exploração das minas de ferro. Em 1939, associou-se a empresários brasileiros para formar a Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia. A nova mineradora atendia às exigências legais determinadas no Código de Mineração de 1934, no qual somente poderiam ser proprietários de jazidas minerais brasileiros e empresas constituídas no país.
O término
O primeiro carregamento de minério da Companhia Brasileira de Mineração chegou ao Porto de Vitória em 1940. As pedras foram carregadas de caminhão de Itabira até a estação de Desembargador Drummond e dali seguiram na EFVM. Enfim, a ferrovia transportava o minério em nome da qual foi construída.
A empresa, porém, não tem vida longa. Em meio à Segunda Guerra Mundial, o governo brasileiro assina acordos com os Estados Unidos e a Inglaterra e estatiza as jazidas de minério de ferro e cria aCompanhia Vale do Rio Doce. A EFVM é incorporada à mineradora e tem a estação de Itabira inaugurada, em 1943. Quarenta anos depois das primeiras obras, a ferrovia chega ao seu ponto final.
Nos primeiros anos, a CVRD investiu na modernização e na ampliação da malha ferroviária. Muitos trechos tiveram que ser readequados. No comando dessas reformas estava o engenheiro ferroviário Eliezer Batista, que mais tarde se tornaria presidente da Vale.
Na década de 1960, quando a CVRD já havia se tornado uma das maiores mineradoras do mundo, novos ramais passam a ser integrados à ferrovia, como o que ligava as minas da região de Mariana e Ouro Preto e da região do Rio Piracicaba. A EFVM crescia junto com a Vale. Na década de 1980, ela chegou à marca de um bilhão de toneladas transportadas. Em 1994, já eram dois bilhões. Em 1992, o ramal ferroviário chegou a Belo Horizonte e a ferrovia tomou a dimensão que tem hoje.
Por meio daqueles trilhos, o minério de ferro seguia para todo o planeta. Sobre eles, Carlos Drummond de Andrade, poeta de Itabira, escreveu:
O maior trem do mundo
Leva minha terra
Para a Alemanha
Leva minha terra
Para o Canadá
Leva minha terra
Para o Japão
A ferrovia hoje
Em 1997, a Companhia Vale do Rio Doce foi privatizada e os novos donos receberam a concessão do governo federal para exploração da Vitória a Minas por 30 anos.
Cerca de 30% de todo o transporte ferroviário nacional é feito pela EFVM. Quase 90% da carga que ela transporta é minério de ferro. Mas outros produtos também são transportados pela ferrovia.