familia Mata Macahdo 1

19-07-2015 12:02

OS MATA MACHADO DE DIAMANTINA: NEGÓCIOS E POLÍTICA NA VIRADA DO SÉCULO XIX PARA O SÉCULO XX Marcos Lobato Martins (Professor das Faculdades Pedro Leopoldo e FAFIDIA – UEMG) Resumo: Este artigo analisa as ações políticas e empresariais dos poderosos irmãos diamantinenses Mata Machado, na virada do século XIX para o século XX, lançando mão de fontes documentais diversas – jornais de época, registros cartoriais, atas e discursos políticos, etc. O que se pretende é discutir as relações entre os negócios e a política na vida dos Mata Machado, o pioneirismo e os limites de suas iniciativas empresariais, bem como as diretrizes que nortearam o programa de desenvolvimento regional que eles formularam gradativamente nas tribunas de Diamantina, Ouro Preto, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Palavras-chave: Diamantina – Irmãos Mata Machado – Companhias industriais e comerciais – Política – Desenvolvimento regional Sessão Temática: H4 – Indústria e processo de trabalho em Minas Gerais – séculos XIX e XX. CEDEPLAR – FACE – UFMG Seminário Diamantina Os Mata Machado de Diamantina: negócios e política na virada do século XIX para o século XX Marcos Lobato Martins1 Introdução Em Diamantina, como de resto em várias partes do Brasil, havia estreita aliança entre os negócios e a política. Os interesses econômicos e a acumulação de fortunas abriam oportunidades de galgar postos na carreira política. E o desempenho de funções públicas e políticas propiciava inúmeras chances para participar de negócios, bem como favorecia a inserção do indivíduo em redes de relações pessoais pelas quais circulavam informações privilegiadas, influências, apadrinhamentos e créditos. Essa simbiose entre política e negócios é particularmente marcante na trajetória das famílias Felício dos Santos, Caldeira Brant e Mata Machado. Este artigo analisa precisamente o caso dos poderosos irmãos Mata Machado, na virada do século XIX para o século XX, lançando mão de fontes documentais diversas – jornais de época, registros cartoriais, atas e discursos políticos, etc. O que se pretende é discutir as relações entre os negócios e a política na vida dos Mata Machado, o pioneirismo e os limites de suas iniciativas empresariais, bem como as diretrizes que nortearam o programa de desenvolvimento regional que eles formularam gradativamente nas tribunas de Diamantina, Ouro Preto, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. O trabalho está dividido em três partes. Na primeira, examinam-se aspectos da atuação política dos Mata Machado. Na segunda parte, o foco da análise recai sobre os empreendimentos industriais e comerciais dos irmãos João, Álvaro e Pedro da Mata Machado. E, na última parte, aborda-se as linhas mestras das idéias sobre desenvolvimento regional do Norte de Minas compartilhadas por esses políticos e industriais diamantinenses, cuja formulação mais elaborada coube ao Dr. Pedro da Mata Machado. Os Mata Machado e a política regional No final do Império e no início da República, Diamantina projetava-se sobre as vastas regiões do Norte mineiro, devido à sua condição de um dos mais importantes centros urbanos de Minas Gerais. Entre as décadas de 1890 e 1910, Diamantina compunha com Ouro Preto, Juiz de Fora, Barbacena, São João Del Rei, Uberaba e Belo Horizonte a lista dos poucos pólos que galvanizavam a vida urbana, política e cultural nas terras mineiras2 . A vigência da representação majoritária, adotada tanto no período imperial quanto na Primeira República, garantiu a Diamantina posição destacada no cenário político regional, uma vez que o município foi cabeça de “círculos” eleitorais por quase cem anos. Na primeira República, a cidade comandava a sexta circunscrição (eleições estaduais) e o nono distrito (eleições federais). Por esta razão, Diamantina dirigia a escolha de seis deputados estaduais, compondo boa parte da representação norte-mineira na Assembléia Estadual. No plano das eleições federais, todo o Norte de Minas era comandado por apenas dois distritos: 1 - Doutor em História Econômica pela USP. Professor das Faculdades Pedro Leopoldo (FPL) e Faculdade de Filosofia e Letras de Diamantina (FAFIDIA/UEMG). 2 - Ver SENNA, Nelson de. Anuário Estatístico de Minas Gerais, 1907, p. 468. o de Diamantina (9.º) e o de Montes Claros (11.º). Por conseguinte, os diamantinenses acostumaram-se a contar sempre com representantes na Câmara Federal. No período 1870-1889, a região do Norte estava super-representada na Província, situação que se manteve relativamente pouco alterada no decorrer da Primeira República. Conforme Ricardo Maia, embora a região Norte detivesse apenas 21,52% da população provincial em 1873, os políticos originários dos Vales do Jequitinhonha, Mucuri, Doce e São Francisco – Montes Claros representavam 21,82% dos integrantes da elite mineira, ficando atrás somente da região central Metalúrgica – Mantiqueira, que detinha 22,98% da população e 46,06% da elite política provincial. O Sul de Minas, com 16,76% da população, respondia por 13,94% dos integrantes da elite; para a Zona da Mata, estes números eram, respectivamente, 16,72% e 11,52%. Em termos partidários, no Norte predominavam os conservadores. Os políticos saquaremas do Jequitinhonha – Mucuri – Doce perfaziam 48,39%, e os liberais representavam 29,03%3 . A política do Norte de Minas era dominada pelos grupos ligados aos Otoni (no Serro), aos Mata Machado e aos Felício dos Santos (em Diamantina) e a Gonçalves Chaves (em Montes Claros), que era ligado aos Mata Machado e havia estudado no Ateneu São Vicente de Paulo, em Diamantina e fora promotor de justiça nesta cidade. No antigo Termo de Minas Novas, a política era comandada pelo Coronel Inácio Carlos Moreira Murta, José Bento Nogueira, Francisco Coelho Duarte de Badaró e Manoel Fulgêncio Alves Pereira. O quadro seguinte fornece informações sobre os principais políticos de Diamantina no período 1870-1889: 3 - MAIA, Ricardo A. Liberais e conservadores na Província de Minas Gerais: identidade política e representação de interesses. In: LPH Revista de História. Mariana: DEHIS-UFOP, 2(1): 134-137, 1991. Quadro 1 – Elite política de Diamantina no fim do Império – 1870-1889 Nome Cargos Regionais Cargos Nacionais João da Mata Machado Jr. Deputado (1878-79) Deputado (1881-84 e 1886-89) Min. Dos Negócios Estrangeiros (Gabinete Dantas) Deputado (1891-1902) Álvaro da Mata Machado Deputado (1888-89) Senador (1880-94) Deputado (1909-10) Senador (1894-97) Teodomiro Alves Pereira Deputado (1866-69) Senador (1891-95) Deputado (1878-80) João Raimundo Mourão Deputado Francisco Correa Ferreira Rabelo Deputado (1868-70, 1878-80 e 1891-93) João R. Campos Carvalho Deputado (1874-76) Antônio Felício dos Santos Deputado (1868-70, 78-83 e 85- 87) Pres. do Banco do Brasil (1890) Joaquim Felício dos Santos Deputado (1864-66) Senador (1890-93) João Nepomuceno Kubitschek Senador (1891-98) Vice-Presidente (1894-98) Justino Ferreira Carneiro Deputado (1878-79) Diretor da Fazenda (1891) Secretário das Finanças (1892-94) Presidente da Paraíba (1880-82) Presidente do Grão-Pará (1882) Fontes: COUTO, Soter Ramos. Vultos e fatos de Diamantina. Belo Horizonte: Armazém de Idéias, 2002. MONTEIRO, Norma Góes. Dicionário biográfico de Minas Gerais: período republicano. Belo Horizonte, Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 1994. Atuando em Ouro Preto e na Corte, os políticos diamantineses do final do Império auxiliaram os homens de negócios locais nos seus pleitos, que giravam em torno, principalmente, da concessão de licenças, da isenção de tarifas sobre máquinas, insumos e transporte, da obtenção de créditos e da garantia de juros para investimentos. Vale destacar que, com exceção do Conselheiro João da Mata Machado Júnior e do Dr. Teodomiro Alves Pereira, todos os nomes do quadro anterior eram filiados ao Partido Liberal e aderiram ao movimento republicano, o que fez de Diamantina um dos redutos liberais-republicanos mais importantes de Minas Gerais. Por outro lado, todos os representantes de Diamantina defenderam a abolição da escravidão nas casas parlamentares da Província e do Império, bem como participaram da Associação do Patrocínio de Nossa Senhora das Mercês da Redenção dos Cativos, fundada pelo Bispo D. João Antônio dos Santos, na década de 1880 para comprar a alforria de escravos. A Proclamação da República trouxe alguma mudança no cenário político diamantinense. Houve o declínio político das famílias Felício dos Santos e dos Mata Machado, conhecidos por sua proximidade com os monarquistas. Declínio que foi muito mais rápido no caso da primeira parentela do que da segunda. Ascenderam as famílias Mourão e Caldeira Brant. No período 1890-1930, os líderes políticos diamantinenses tiveram como principais preocupações: a) a abertura de estradas de rodagem no Alto Jequitinhonha e a construção de ramal ferroviário que alcançasse a cidade; b) o controle da Administração dos Terrenos Diamantinos, impedindo sua transferência para a nova capital; c) a atração de órgãos públicos estaduais e federais para a cidade, reforçando o peso político-administrativo de Diamantina no Norte mineiro e; d) a viabilização de recursos para obras de melhoramentos urbanos na “Atenas do Norte”. O quadro seguinte reúne informações sobre os principais representantes políticos de Diamantina em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, no decorrer da Primeira República: Quadro 2 – Elite política de Diamantina na Primeira República 1890-1930 Nome Cargos Estaduais Cargos Federais Pedro da Mata Machado Senador (1907-22) Deputado (1912-14, 18-20 e 33-37) Augusto M. Caldeira Brant Deputado (1920) Deputado (1921) João E. Caldeira Brant Deputado (1935-37) Olímpio J. Oliveira Mourão Deputado (1899-1902) Senador (1903-30) Francisco Oliveira Lessa Deputado (1923-30) Herculano C. Pereira Silva Deputado (1906) Chefe de Polícia (1913-14) Deputado (1918-20) Pe. Celestino R. Chaves Deputado (1891-1902) Cônego Manoel A. Pereira Deputado (1891-98) João A. Lopes Figueiredo Deputado (1907-24) José R. Teles de Menezes Deputado (1897-99) Juscelino Barbosa Deputado (1897-99) Secretário de Fazenda (1908- 10) Deputado (1895-98) Antônio Olinto dos Santos Pires Presidente (nov. 1889) Deputado (1891-96) Min. da Viação (1894-96) Fontes: COUTO, Soter R. Op. cit. MONTEIRO, Norma Góes. Op. cit. No quadro anterior, convém observar que João Antônio Lopes Figueiredo era cunhado dos irmãos João, Álvaro e Pedro da Mata Machado e, como se verá adiante, foi um dos sócios fundadores da Companhia de Santa Bárbara. Evidencia-se, portanto, a destacada presença de integrantes da família Mata Machado na política diamantinense e do Norte mineiro. Em anexo, traços biográficos de João da Mata Machado Jr., Álvaro e Pedro da Mata Machado são apresentados. Na verdade, no período final do Império, os Mata Machado disputavam com os Felício dos Santos o controle da política regional, luta que também possuía um flanco importante na Câmara Municipal da cidade. Assim como os Drs. Antônio, João e Joaquim Felício dos Santos exerceram a vereança, os irmãos Mata Machado também foram vereadores com diversos mandatos. O Dr. Pedro da Mata da Mata Machado, por exemplo, foi Agente Executivo Municipal no período 1891-92, marcando sua administração pela reformulação integral do Mercado Municipal e pela construção do Cemitério Público. Os Mata Machado souberam valorizar a Câmara Municipal de Diamantina, porque perceberam que a atuação desse órgão era de muita valia para moldar o “ambiente de negócios” que desejavam ver implantado no Norte mineiro. Afinal, a legislação tributária municipal, os programas de obras levados a cabo pelos Agentes Executivos, a regulamentação da Intendência Municipal, o auxílio financeiro da Municipalidade para determinadas iniciativas particulares, a obtenção de créditos governamentais, a concessão de licenças e de privilégios, os cuidados com a educação e o policiamento dos logradouros, etc., tudo isso era do mais estrito interesse dos empreendedores diamantinenses. Entre os irmãos Mata Machado, não há dúvida sobre o enorme prestígio que desfrutou o Conselheiro João da Mata Machado Júnior em Minas Gerais e no país. Também em Diamantina, o Conselheiro era praticamente idolatrado, como se pode ver na referência que a ele fez a menina Alice Dayrel no seu diário pessoal, em 1.º de março de 1894: “Meu pai hoje veio da Boa Vista com tio Joãozinho para votarem no Presidente da República e no Dr. João da Mata para deputado. Na nossa família todos têm de mexer com política, por causa de tia Aurélia e tio Conrado que são muito influentes. Ele é irmão da mãe de Dr. Mata e muito amigo dele e pegou essa amizade na família toda. Eu mesma dou razão de todos o considerarem uma honra da Diamantina porque é um homem muito bom. Todos tiveram muita raiva quando Floriano o prendeu. Meu pai diz que espera que ele ainda vá eleito Presidente do Estado e depois da República”4 . Na sua atuação parlamentar, o Conselheiro Mata Machado obteve aprovação da Assembléia Provincial de Minas Gerais para lei de construção da Estrada de Ferro Filadélfia a Caravelas, de criação do município de Teófilo Otoni (com a elevação de sua sede, então simples arraial, à categoria de cidade). Apresentou ainda projetos para a criação da Escola Normal de Diamantina e do Liceu de Artes e Ofícios do Serro5 . Na Assembléia Nacional, João da Mata Machado Júnior aprovou a lei de garantia e privilégio para a navegação dos rios das Velhas e São Francisco. Em função de relatório apresentado pelo então deputado ao Ministro Rodrigo Silva, contendo dados sobre as populações ribeirinhas, o comércio na Bacia do São Francisco e a navegação precária, mas volumosa, conseguiu a subvenção anual de cem contos para a Empresa Viação do São Francisco (Pedro da Mata Machado. Traços biográficos do Dr. João da Mata Machado. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais. p. 16-18. BAT). Digna de nota foi a atuação de Álvaro e Pedro da Mata Machado na imprensa diamantinense. Nos jornais A Idea Nova e Cidade de Diamantina, os Mata Machado expuseram suas propostas sobre a política e o desenvolvimento regional, publicando artigos que constituíam uma espécie de “pedagogia” que objetivava civilizar a população da cidade e do Norte de Minas. Nas páginas da imprensa, Álvaro e Pedro da Mata Machado pugnaram pela instrução agrícola profissional, pela renovação do trabalho – “não o rotineiro, viciado e infecundo, que aniquila seus agentes, os empobrece e os desgraça, mas o inteligente, racional e progressivo, que remunere o esforço (...) e transforme nossa terra” (A Idea Nova, 10 de junho de 1906. BAT) – e exaltação de suas propriedades morais, pela difusão da disciplina do trabalhador e pela obediência das leis. Também procuraram convencer os leitores de que era necessário introduzir melhoramentos técnicos na produção regional, ao escreverem, por exemplo, que: 4 - MORLEY, Helena. Minha vida de menina. 16. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1988. p. 100-101. 5 - Ver COUTO, Soter Ramos. Vultos e fatos de Diamantina. Belo Horizonte: Armazém de Idéias, 2002. p. 336. “Os agricultores da região usam ainda dos processos rudimentares de cultura. Uma vez, porém, que reconheçam a necessidade, começarão a empregar os processos da agricultura moderna com seus instrumentos, etc. (...) Não se desenvolverão todas essas indústrias uma vez que se aufiram delas grandes proventos?” (A Idea Nova, 6 de dezembro de 1908. BAT). Da mesma forma que fizeram os Felício dos Santos no jornal O Jequitinhonha, os Mata Machado assumiram o papel de guias da opinião pública e de educadores das classes subalternas, tomando parte ativa no processo de difusão dos ideais de civilidade e urbanização6 . Visando moldar ambiente propício para seus empreendimentos, os Mata Machado atuaram ainda na associação de classe fundada em Diamantina, sob o nome de União Operária Beneficente de Diamantina, a qual foi modelo para a posterior de diversas outras organizações similares em cidades do Norte de Minas, caso de Montes Claros (União Patriótica de Montes Claros, criada em 1894). A União Operária Beneficente de Diamantina surgiu em 31 de maio de 1891, destinada a agregar oficiais lapidários, ourives, alfaiates, sapateiros, músicos, ferreiros etc. A agremiação objetivava congregar as famílias operárias, assistindo material e moralmente aos consócios enfermos, aos filhos e viúvas deixados pelos membros falecidos. Ela também faria a educação profissional dos seus integrantes, para o que instalou, em 1893, o Liceu de Artes e Ofícios de Diamantina, que chegou a ter, nas décadas seguintes, mais de 100 alunos matriculados. Na sua sede, construída na Rua Direita, com ampla colaboração da Câmara e da comunidade, funcionaram uma biblioteca e duas escolas noturnas, bem como uma cooperativa de consumo. Em 1893, a União Operária Beneficente de Diamantina totalizava 500 filiados. A partir de 1897, como resultado das injunções da Diocese e da influência das famílias Mata Machado e Felício dos Santos, a União Operária de Diamantina abandonou seu vago “projeto socialista” inicial para abraçar as doutrinas sobre o trabalho elaboradas por Dom Bosco. Tornaram-se, então, freqüentes as conferências sobre questões sociais proferidas na União Operária pelo Dr. Pedro da Mata Machado, com o objetivo de instruir os trabalhadores. Este também destinou verbas públicas estaduais para o Liceu de Artes e Ofícios da União Operária de Diamantina, conforme se vê na Ata de 17 de setembro de 1911 da organização: “O expediente constou de duas cartas: uma do senador Pedro Mata e outra do senador Olimpio Mourão, ambas comunicando ter sido mantido no orçamento os dois contos de réis provenientes do auxílio que o Estado dispensa ao Liceu de Artes e Ofícios desta União” (Ata da sessão de 17 de setembro de 1911. Livro de Atas n. 3, 1910 a 1915. Arquivo da União Operária Beneficente de Diamantina). Enfim, os irmãos Mata Machado tiveram atuação política ampla, para além dos parlamentos. Participação política cotidiana na cidade de Diamantina, orientada para a agregação de interesses e a formulação de reivindicações caras aos norte-mineiros, como também visando promover idéias e valores novos, que julgavam necessários ao processo de modernização do interior de Minas Gerais. Sempre na direção do que havia publicado o jornal A Idea Nova, porta-voz da família: “pelo trabalho livre e fecundo, marchamos sempre para a Cidade da Verdade e da Justiça” (A Idea Nova, 5 de maio de 1907. BAT). 6 - Para discussão detalhada acerca da atuação dos homens de imprensa em Diamantina, no período em tela, ver: GOODWIN Jr. James. Cidades de papel: imprensa, progresso e tradição. Diamantina e Juiz de Fora, MG (1884-1914). Tese (Doutorado em História Social). São Paulo: FFLCH – USP, 2007. Os Mata Machado e os negócios Como os Caldeira Brant e os Felício dos Santos, a fortuna da família Mata Machado foi formada na lida com as lavras diamantinas. A extração de diamantes e a comercialização dessas pedras, brutas ou até mesmo lapidadas, forneceram os capitais que os Mata Machado empregaram em diversos negócios no Norte mineiro. A vinculação da família com a mineração era antiga. Após o desimpedimento oficial das lavras decorrente da extinção da Real Extração, ocorrida no ano de 1845, houve um boom do garimpo no entorno de Diamantina. Os trabalhos minerários prosperaram nas margens do Jequitinhonha e em novos descobertos, como os de São João da Chapada e de Curralinho. Entre os homens que souberam tirar bom proveito dessa nova conjuntura estava João da Mata Machado, um comerciante de diamantes descendente dos Machados paulistas, e ligado aos poderosos Caldeira Brant de Diamantina. Um sinal de suas atividades é fornecido pela escritura de locação de serviços, de 30 de setembro de 1871, feita por Maurício José de Mello a João da Mata Machado e seus sócios – Comendador Serafim Moreira da Silva, Bernardino da Cunha Ferreira e Procópio Gomes Ribeiro – para pagamento de 900$000 rs (Livro de Notas n. 1, 3.º Of., Maço 162, p. 33-35. BAT). Esse documento revela que João da Mata Machado, além de negociar diamantes em sociedade com o Comendador Serafim Moreira da Silva, um dos maiores mineradores da região, também emprestava dinheiro. Outro sinal dos negócios, dessa vez minerários, de João da Mata Machado aparece na escritura de venda, datada de 26 de fevereiro de 1874, que lhe fez Cassiano Feliz Ferreira de uma casa coberta de capim, com chácara e água, sita no lugar denominado Baú, subúrbio de Diamantina, e bem assim do direito que tinha em dois lotes de terrenos diamantinos localizados no Córrego do Baú, tudo pela quantia de 500$000 rs. Um dos lotes media seis mil braças quadradas, e o outro oito mil braças quadradas (Livro de Notas n. 6, 3.º Of., Maço 162, p. 6-8. BAT). Parcela dos recursos obtidos em Diamantina, João da Mata Machado investia em títulos na praça do Rio de Janeiro, como demonstra a procuração passada por ele em 26 de agosto de 1879, na qual: “nomeia e constitui seus bastante procuradores na Corte do Rio de Janeiro a Santos Irmãos com poderes especiais de haver da Associação Protetora das Famílias, gerida pelo Banco Rural e Hipotecário daquela praça, o que lhe couber na liquidação dos contratos feitos pela mesma em benefício de suas três filhas, Maria Amélia da Mata, Virgínia Amélia da Mata e Amélia Senhorinha da Mata, os quais foram feitos em 19 de outubro de 1869 e constam das respectivas apólices sob os números 7:089, 7:090 e 7:091, podendo aceitar em pagamento tanto apólices da Dívida Pública como dinheiro” (Livro de Notas n. 36, 2.º Of., Maço 161, p. 86v-87. BAT). A fortuna do velho João da Mata Machado garantiu primorosa educação para seus filhos e os meios necessários para que eles começassem suas vidas profissionais, nas quais misturaram carreiras liberais com a promoção de novos negócios. Os filhos João da Mata Machado Júnior, Álvaro da Mata Machado e Pedro da Mata Machado também mantiveram relação com a extração e a comercialização de diamantes durante a maior parte de suas vidas. No garimpo do diamante, tal como seu pai, os filhos formaram estreita sociedade com membros da família Caldeira Brant. Um indicador da perenidade desses laços com o garimpo está no contrato de transferência, datado de 7 de fevereiro de 1903, para o Sr. Luiz Furtado, sindicato ou companhia por ele indicado, da Lavra do Cabral, que media 43 bilhões de metros quadrados (sic). Por este contrato, Luiz Furtado teria no máximo nove meses para negociar a lavra, sob pena de incorrer em multa de dez contos, afiançada por William G. Meyer, empresário americano que ficou conhecido na região como o “Rei dos Diamantes”. A lavra deveria ser vendida por cem contos de réis, dos quais 50 contos em moeda do país e 50 contos em ações da companhia que adquirisse o dito lote. Assinaram o documento Pedro e Álvaro da Mata Machado, Augusto Afonso Caldeira Brant, José da Silva Machado e João Antônio Lopes de Figueiredo (Livro de Notas n. 25, 1.º Of., Maço 496, p. 140v-142. BAT). Mais do que garimpar, comprar e vender diamantes, os irmãos Mata Machado foram pioneiros da indústria da lapidação em Diamantina. Diante da crise internacional de preços iniciada em 1867, decorrente da entrada no mercado europeu das pedras extraídas nas minas subterrâneas da África do Sul, alguns mineradores do Alto Jequitinhonha perceberam que era preciso agregar valor às gemas da região, bem como conhecer mais acuradamente os meandros do mercado nacional e estrangeiro de pedras preciosas7 . Entre eles estava o Dr. João da Mata Machado Júnior. Em 1873, ele possuía o projeto de montar uma lapidação na área da Formação, subúrbio de Diamantina, de modo que já encomendara o maquinário (Livro 6, Caixa 8, f. 40, Acervo José Teixeira Neves. BAT). Dois anos depois, foi inaugurada a “Fábrica da Formação”, dirigida por Luiz Paulino de Oliveira Miranda, mestre lapidário de origem portuguesa, trazido do Rio de Janeiro. O preço da lapidação do quilate de diamante girava em torno de 12$000 rs, baixando, no ano seguinte, para 10$000 o quilate. A lapidação do Conselheiro João da Mata Machado começou com maquinismo movido por uma roda hidráulica, que alimentava 12 rodas de lapidar (Envelope 5, Caixa 7, f. 4 e 6, Acervo José Teixeira Neves. BAT). A Lapidação da Formação foi a mais longeva de Diamantina. Após a morte do Conselheiro Mata, a essa lapidação passou a ser administrada por sua viúva até que, em 1915, foi comprada pelo Coronel José Neves Sobrinho, negociante de diamantes e proprietário da casa comercial “Cruzeiro do Sul” (O Momento, 15 de janeiro de 1922, p. 3. BAT). O novo proprietário ampliou o número de rodas para 36, empregando 36 operários que produziram, em 1922, 400 quilates de diamantes lapidados com valor estimado em 350 contos de réis (idem). A Fábrica da Formação recebeu luz e telefone em 1919, bem como escola para os filhos dos operários. Em 1930, essa lapidação e seus terrenos foram avaliados em 100 contos de réis, na época de cessação de suas operações (Concordata Preventiva de José Neves Sobrinho, 2.º Of., Maço 216, 1930. BAT). Os irmãos Mata Machado também foram sócios destacados de empresas instaladas no vasto município de Diamantina, que procuraram ampliar e modernizar setores econômicos tradicionais. É o caso da Companhia Industrial Rio Pretana, sociedade anônima constituída em 8 de fevereiro de 1893, com sede no distrito de Rio Preto8 . Com capital social de 50 contos de réis, dividido em 250 ações de valor nominal de 200$000 cada uma, a Companhia Industrial Rio Pretana dedicou à produção de açúcar e álcool, por meio de um sistema aperfeiçoado de engenho e destilaria, e também beneficiava algodão, com o emprego de descaroçadores. O algodão tratado pela Companhia era plantado em terras 7 - Segundo Roberto Borges Martins, “na década de sessenta as jazidas já davam sinais de esgotamento e o setor foi duramente atingido, a partir de 1867, pela descoberta dos imensos depósitos da África do Sul, que abarrotaram o mercado mundial, deslocando a produção brasileira para uma posição inframarginal”. MARTINS, Roberto B. Minas e o tráfico de escravos no século XIX, outra vez. In: SZMRECSÁNYI, Tamás e LAPA, José Roberto do Amaral (orgs.). Histórica econômica da Independência e do Império. 2. ed. São Paulo: Hucitec/Edusp/Imprensa Oficial, 2002. p. 118. 8 - Conforme MACHADO, Fernando da Mata (org.). A Companhia de Santa Bárbara: um caso da indústria têxtil em Minas Gerais. Rio de Janeiro: Topbooks, 2006. p.37. próprias e obtido de fazendeiros da região. Em 1896, o jornal O Município publicou anúncio dessa Companhia, que se reproduz a seguir: “Álcool superior da Companhia Industrial Rio Pretana. Esta Companhia dispondo de aperfeiçoados aparelhos de destilação, acaba de iniciar a fabricação de superior álcool de 32 a 40 graus, igual ao que é importado do Rio, podendo fornecê-lo por preços relativamente muito inferiores ao deste. Espera portanto que os srs. Comerciantes e industriais tanto deste município como do Norte, darão preferência aos seus produtos realizando assim suas compras com grande vantagem. Encontra-se a varejo no depósito nesta cidade, em casa do sr. Coronel Manoel Cezar Pereira da Silva que também aceita encomenda de barris ou de qualquer outra porção” (O Município, 21 de agosto de 1896, p. 4. BAT). Alguns anos depois, em viagem pela região, o Segundo Secretário da Legação Britânica no Rio de Janeiro, H. D. Beaumont, visitou as instalações da referida Companhia. Beaumont escreveu, em 1899, que ficara muito bem impressionado com as lavouras de algodão e cana-de-açúcar existentes na fazenda da Companhia e na região de Rio Preto. Porém, notara que o maquinismo do engenho estava deteriorado, fato que atribuiu a erros verificados na operação do equipamento pelos empregados, levando a paralisações constantes e demoradas (O Município, 16 de junho de 1900. BAT). O investimento dos Mata Machado na Companhia Industrial Rio Pretana indica a preocupação deles com o abastecimento regular de matérias-primas necessárias aos demais empreendimentos que comandavam. No caso específico do algodão, os dirigentes das fábricas têxteis do Norte de Minas procuravam fazer acordos com fazendeiros e, por meio da montagem de entrepostos comerciais em pontos estratégicos do território, obter o algodão de que precisavam. Assim agiam, por exemplo, a Companhia Cedro e Cachoeira dos Irmãos Mascarenhas – que praticamente fundaram, com a instalação de seu entreposto, a cidade de Pirapora – e a Santos & Companhia, dos irmãos Felício dos Santos, proprietários da Fábrica de Biribiri. Nesse sentido, a participação dos Mata Machado na Companhia Industrial Rio Pretana configurou, no centro-norte mineiro, uma novidade em termos de estratégia empresarial, que hoje denominamos de integração vertical da cadeia produtiva. A ousadia dos Mata Machado fica bem evidente na iniciativa de aproveitar os potenciais das terras do Norte, combinando a reorganização dos modelos de gestão e comercialização com ações decididas de diversificação da produção. Eles pretenderam ir além das fazendas tradicionais e das casas de “secos e molhados”, cujas atividades rotineiras dominavam a economia regional. Os Mata Machado quiseram agregar capitais dispersos, colocá-los a serviço de atividades planejadas, integradas por meio de uma única estrutura de gestão, transporte, financiamento e comercialização, cujo centro nevrálgico seria a cidade de Diamantina. Assim, surgiu a Companhia Indústria e Comércio do Norte de Minas. O Dr. Álvaro da Mata Machado foi o idealizador, animador e principal dirigente da Companhia Indústria e Comércio do Norte de Minas, criada no ano de 1891 e sediada no Rio de Janeiro. Tratava-se de um holding reunindo empreendimentos dispersos na região norte-mineira. O capital inicial da Companhia era de dois mil contos de réis e havia projeto de ampliação para cinco mil contos. A empresa atuaria na mineração de ouro e diamantes, criação de gado, produção de charque e comércio de animais, cultura da uva e indústria vinícola, pesca e indústria pesqueira, indústria de velas, ceras, curtumes, solas, borracha de mangabeira, cultivo de cacau, café e baunilha, exploração de matas e serviços públicos (tais como iluminação elétrica, água e esgotos, linhas de bonde e vias férreas) e na colonização e assentamento de “classes pobres” (O Serro, n. 2, ano 1891. BAT). A Companhia Indústria e Comércio do Norte de Minas pretendia atuar em Guanhães, Peçanha, Minas Novas, Itamarandiba, Montes Claros, Bocaiúva, Vale do São Francisco e Vale do Rio das Velhas, a partir de escritório regional instalado em Diamantina. Embora encontrasse muitas dificuldades para funcionar, uma vez que não recebeu a resposta que Álvaro da Mata Machado esperava das “classes conservadoras” da região, a Companhia Indústria e Comércio do Norte de Minas realizou alguma coisa. Por sua iniciativa, surgiram parreirais nos campos desde Rio Preto, passando por Diamantina, Datas e Gouveia, até alcançar o Serro. Os vinhedos próprios da Companhia alcançaram a cifra de 35 mil pés em boas condições, mas havia carência de pessoal habilitado para a viticultura (Caderno 3, Caixa 2, Arquivo José Teixeira Neves. BAT). Centenas de alqueires de milho foram plantados pela empresa nos campos do Serro (O Município, n. 89, 1896. BAT). As fazendas do Bananal e do Capão Grosso, pertencentes à Companhia, ficaram famosas por suas lavouras de café e seus rebanhos bovinos. Numa chácara a seis quilômetros de Gouveia, onde ficava situada cachoeira de quase trinta metros de altura, a Companhia instalou uma “fábrica de curtume” de couros, montada com todos os acessórios e obras de estabelecimentos congêneres, que, em pleno funcionamento, entrou como parte das garantias oferecidas pela firma na ocasião da tomada de empréstimo, em 1895, no Banco de Crédito Real do Brasil, no valor de setenta e cinco contos de réis (Livro de Inscrição Especial, n. 2, inscrição n. 280, de 1.º de novembro de 1895, p. 168. BAT). A seção bancária da Companhia chegou a fornecer pequenos créditos a moradores de Diamantina, como ilustram os seguintes registros (Livro de Inscrição Especial n. 2, BAT): • Inscrição n. 259, 15 de junho de 1891. Devedores: Maria Josefina da Silva, Tereza Josefina da Silva, Francisco Antônio da Silva, Júlia Augusta da Silva e Luis Antônio da Silva. Valor do empréstimo: 500$000. Prazo: 18 meses. Juros: 10% ao ano. Garantia: casa com quintal, pasto e água de mina (p. 144). • Inscrição n. 262, 13 de outubro de 1891. Devedor: Antônio Augusto de Queiroga. Valor do empréstimo: 500$000. Prazo: 1 ano. Juros: 10% ao ano. Garantia: casa baixa coberta de telhas (p. 148). • Inscrição n. 263, 16 de outubro de 1891. Devedor: José Martins de Oliveira. Valor do empréstimo: 200$000. Não consta prazo. Sem juros. Garantia: cômodo de negócios situado no Beco do Mota (p. 148). • Inscrição n. 266, 5 de agosto de 1893. Devedor: Joaquim José Pedro Lessa e sua mulher. Valor do empréstimo: 4:300$000. Prazo: dois anos. Juros: 10% ao ano. Garantias: cinco casas (p.150). Em Diamantina, a Companhia Indústria e Comércio Norte de Minas possuía um Depósito Geral e Armazém, localizado em casa cedida por contrato pelas Irmandades de Santo Antônio, São Miguel e Almas, eretas na Sé Catedral, onde realizava a comercialização de fazendas, móveis, utensílios e “gêneros do país”. No ano de 1894, o Depósito e o Armazém foram vendidos para a Sociedade Mercantil Líbano & Francelino (Livro de Notas n. 22, 1.º Of., Maço 43, p. 19v-21v. BAT). Inegavelmente, o empreendimento mais conhecido dos irmãos Mata Machado foi a Companhia de Santa Bárbara, fábrica de tecidos construída na fazenda de mesmo nome, em Curimataí. Idealizada pelo velho João da Mata Machado, a Fábrica de Tecidos de Santa Bárbara foi iniciativa liderada pelo Conselheiro João da Mata Machado Júnior. Fundada em 1886, a Companhia de Santa Bárbara foi a segunda fábrica de tecidos construída no município de Diamantina, nove anos depois da inauguração da Fábrica de Biribiri. Organizada sob a espécie de comandita simples, com capital inicial de 160 contos de réis, a sociedade Mata Machado, Moreira & Companhia levou dois anos para construir as instalações e adquirir os equipamentos. Em 22 de maio de 1888, a Fábrica de Santa Bárbara começou a funcionar com 60 teares. A 2 de dezembro de 1889 transformou-se em sociedade anônima, sob o nome comercial de Companhia de Fiação e Tecidos Santa Bárbara, com capital elevado para 500 contos de réis. Em agosto de 1895, a fábrica possuía 72 teares, dos quais 60 para algodão liso e trançado, dez para xadrez e 2 para Jacquard9 . Sobre o projeto da Fábrica, em 1885 o Conselheiro João da Mata Machado Júnior publicou no Rio de Janeiro opúsculo intitulado “Fábrica de Tecidos de Algodão em Santa Bárbara (Vale do Rio das Velhas)”. Seu objetivo era duplo: anunciar o projeto empresarial da família e estimular capitalistas da Corte a investirem capitais nesse empreendimento. O Conselheiro iniciou o texto discutindo o cenário mineiro que ele julgava promissor para a indústria têxtil. Segundo ele, diversos fatores contribuíam para a rentabilidade das fábricas de tecido de algodão na província mineira. A ampla disponibilidade de matéria-prima, já que o Norte de Minas era zona algodoeira por excelência. Esse algodão, encerrada a Guerra de Secessão nos Estados Unidos, tornara-se inviável para exportação devido aos elevados custos de transporte para fora da Província. O mercado mineiro, por outro lado, era de porte razoável (cerca de 3 milhões de habitantes) e, nele, o consumo de algodão era “largo e forçado”. Nas Minas Gerais, escreveu o Conselheiro, os salários eram inferiores em 50% aos da Corte e havia “meios de subsistência obtidos a preços ínfimos”. Mais importante: no Norte de Minas, uma “grande massa de povo moralizado e trabalhador” existia para abastecer de mão-de-obra as fábricas. Por outro lado, a lavoura regional de algodão possuía a vantagem de não depender do braço escravo, porque era realizada por pequenos lavradores – algo decisivo na conjuntura de transição dos anos 1880. Ademais, os preços baixos dos terrenos e das aguadas para os motores e a barateza das construções contribuíam para reduzir os investimentos iniciais na montagem das fábricas no Norte de Minas. O Conselheiro ainda se referiu à crise da economia do diamante, que assolava muitos municípios do Norte, fator que forçaria a realocação de capitais e de mão-de-obra em outros setores econômicos, o que certamente beneficiaria as iniciativas no ramo têxtil. Finalmente, João da Mata Machado Júnior escreveu que existia uma “circunstância que protegia a indústria de fiação naquela zona”: o custo elevado do transporte de cargas para o Norte de Minas, causador de sobrelevação de preço do pano importado do Rio de Janeiro em pelo menos 15 ou 20%. Por essas razões, o Conselheiro julgava que era hora de investir em fábricas de tecidos no Norte de Minas, para o que convinha “despertar nos capitalistas da Corte a idéia de aplicarem alguma pequena parte de seus fundos” nesses investimentos. Assim, seria superado o principal obstáculo para a multiplicação das fábricas de tecidos no interior, “a completa deficiência de capital nessa região”. Se os capitais locais eram insuficientes, a 9 - As informações sobre a Companhia de Santa Bárbara, salvo menção explícita, foram tiradas de MACHADO, Fernando da Mata. Op. cit., p. 29-45.