Fazenda Capitão Felizardo

19-07-2015 14:23

Minha narrativa tem inicio no século passado, ali pelos anos cinquenta. Trata-se de relato sobre um grupo alegre de jovens, moças e rapazes, constituído pelos “Miranda” de Camilinho, os “Dumont” do Vassalo, os “Pinto de Oliveira” de Capitão Felizardo e os “Rodrigues” do Braz, nas proximidades de Costa Sena. 
Este grupo, principalmente, no período de férias escolares, estava sempre reunido, o motivo era o que menos importava, isto é, a festa podia ser religiosa ou profana. Reuníamos no Vassalo, no Camilinho ou em Capitão Felizardo . 
Os jovens, dos anos cinqüenta, são os avós de hoje, que por questão de trabalho ou de família acompanharam o êxodo rural em direção às áreas urbanas, principalmente, das grandes cidades. 
Hoje, em Camilinho, apenas, Zico; no Braz, apenas, Juquita; no Vassalo, Olga e Dalmy, este representante da segunda geração do grupo original. Em Capitão Felizardo a situação é totalmente diferente. Os “Pinto de Oliveira” mantêm propriedades rurais nas proximidades. 
Lá estão estabelecidos: Daniel, o Bié que reside em Gouveia, com propriedade nas Contendas; Chico, faleceu recentemente, mas a família tem propriedade nas imediações; Anita, casada com Luiz Rodrigues, reside numa grande fazenda no vale do Rio Congonhas. 
Outro grupo optou por residir em Belo Horizonte e Contagem, mas mantêm, na localidade, boas residências onde passam temporadas e animam as festas religiosas locais, Ali estão: o Padre Carlos, pároco em Contagem, onde reside, hoje aposentado, é o guia espiritual da comunidade, tem bela residência bem no alto, ao lado da Igreja. Terezinha, casada com João Mulambo, de Gouveia, ele parente de nosso diretor social Geraldo Augusto; e, Lilina, casada com Eli de Beco, de Costa Sena, ambas, residentes em Belo Horizonte, mantêm suas casas para temporadas em Capitão Felizardo. Vininho é um caso à parte. Casado com Zoé, filha de Joaquim Malaquias, de Costa Sena, dono, com o filho João de grande fazenda circundando toda a comunidade. 
Falta arrolar dois irmãos, que estão mais distantes: Antônio, já falecido, foi casado com Dalva de Cupertino Ribas, a família mora em Belo Horizonte, e, José Eugênio, que encontrei no Seminário de Diamantina, onde era conhecido como fazendeiro, bom estudante e bom esportista, era o conceituado centro avante do time de futebol da instituição. Eu tinha o conceito de fazendeiro como o dono de grandes glebas, com muito gado, e, o senhor Levindo Pinto de Oliveira, o pai desta turma, não possuía mais do que poucas vacas numa pequena propriedade. O ganho maior dele era como caixeiro viajante, conhecido, naquela época, como “cometa”, além de pequena casa comercial. Mais tarde, caiu a ficha, José Eugênio, o Zezé era originário da Fazenda Capitão Felizardo, por isso, era fazendeiro. Hoje, reside, com a família, em Contagem. 
Toda esta descrição é com o objetivo de mostrar como esta família originária de Levindo e Chiquita, conseguiu transferir para os filhos e com a ajuda deles transmitirem para os netos o sentimento de família e de comunidade; o interesse na preservação das origens, dos costumes e da cultura. 
Foi junto deste pessoal que fui passar o sábado, dia 10. 
O primeiro encontro, com o Padre Carlos Geraldo, na sua residência, onde Terezinha, que estava presente, nos serviu um delicioso café. Dalí, eu, com minha comitiva de Amarildos, agora, enriquecida com a presença de Luiz Rodrigues, fomos à residência de Vininho. 
Vininho, rodeado pela família, nos recebeu com atenção e carinho e falamos de reminiscências e de coisas da atualidade; os assuntos vinham em catadupa, conforme gosta de escrever nosso professor Moreira. Interessante que os filhos estavam ali ouvindo as histórias, coisa rara para a mocidade de hoje. Vininho se lembrou de um pré-livro, que escrevi sob o título: Camilinho – a Origem e a Escola e comentou, também, sobre o Boletim da Afago, que chega até eles através de dois de nossos associados: álvaro Nelson e Ivo Andrade, são casados na família. Falamos de parentes, de antepassados, e da origem comum: Chiquita, a mãe dele, era prima de Zenilia, a minha mãe. Chiquita, filha de Chico Pinto; Zenilia, filha de Manoel Pinto de Miranda, o Niquinho Miranda de Camilinho. Filhos, de casamentos diferentes, de Mundéo, conhecido como Pai MUndéo, eram, portanto, meio-irmãos. Tal era nossa empolgação e criatividade que já falávamos de uma parente, filha bastarda de um conde austríaco, Cavaleiro Templário que fora à terra santa em companhia do Rei Ricardo, o Coração de Leão. Seguíamos, por esta trilha, e, possivelmente, chegássemos a dirimir as dúvidas sobre a viagem de Maria Madalena que, sob a proteção de José de Arimatéia, dizem, havia embarcado, às escondidas, para a França, protegendo o Santo Graal. Nesta altura da conversa Luiz Rodrigues, com a autoridade de fazendeiro, nos interrompeu dizendo que ia começar o desfile de carros de bois. 
Sobre o dito desfile, fiz uma reportagem fotográfica que será apresentada depois que eu terminar a minha narrativa. 
Após o desfile nos dirigimos à fazenda de Luiz. Lá, conduzidos por Anita para uma ampla cozinha, onde saboreamos delicioso frango caipira, bem junto do fogão de lenha. O grupo, agora, acrescido com a presença de Anita e Luiz, o neto. Se Já tinha dois Amarildo agora tinha, também, dois Luiz. Gosto quando as mães batizam seus filhos com nome do pai ou do avô. 
Durante o almoço a conversa rolou solta, eu ouvia e falava com Anita, ouvia e falava com Luiz, os mais novos, agiam com sabedoria, apenas observavam. Luiz e eu fomos colegas de ginásio no Colégio Diamantinense e servimos ao glorioso exercito, como membros destacados da tropa de elite, sediada em Diamantina, com o nome de TG 73. Ele insiste em afirmar que é mais novo, afinal, ele é de dezembro e eu de maio. Aceito e concordo que ele está mais forte, também, queimado de sol e respirando o ar limpo daquelas campos, enquanto, eu fico aqui em BH, escrevendo minhas histórias. Falamos de bois e de búfalos, falamos da mocidade e da velhice, das mulheres e dos homens de hoje e de ontem. 
Com Anita, uma conversa mais intelectualizada. Ela é o ícone de educação naquela e nas comunidades vizinhas. Professora aposentada, com condições para curtir a vida, foi contratada, pela prefeitura de Conceição do Mato Dentro, para supervisionar as escolas daquelas paragens, e o fez, com dedicação e competência, durante dez anos, visitando, cada escola, sempre à cavalo pelas trilhas. Anita é daquelas mulheres que, no meio rural, cuidam da educação, da saúde da cultura e da religiosidade das comunidades. As comunidades rurais devem muito à estas mulheres, cujas hitórias precisam ser contadas. 
Cachaça? Naturalmente, foi servida, com raiz e sem raiz. Minha opção foi pela última, comigo, nem raiz ajuda. A cachaça era do alambique de João de Vininho e eu, ainda, não comentei a respeito deste personagem. Só, naquele dia, tive o prazer de conhecê-lo, embora, já tivesse ouvido muitas referências a ele. João, associado ao pai Vininho, é importante proprietário rural, com casa comercial na comunidade e indústria de cachaça. único filho homem de família de nove filhos do casal Vininho e Zoé; certamente, foi muito paparicado, mas a influência das luluzinhas foi positiva. Meu pai, João Baiano, se referia a homens como João de Vininho dizendo que “têm lance”; significa que “têm presença” ou melhor a presença destas pessoas, homens ou mulheres, é notada onde quer que estejam. 
Depois de tudo isto voltei para Camilinho, onde, no mesmo dia receberia uma bela homenagem da minha comunidade, na pessoa do prefeito municipal de Gouveia, Geraldo de Fátima. ás 18:00 horas seria inaugurada a quadra poliesportiva que leva o nome de Raimundo Nonato de Miranda Chaves. é, portanto, um dia para ser lembrado.

Post-Scriptum

Meu amigo Roberto Alves Nunes, residente em Santa Maria da Vitória - BA e associado à Afago, dos mais atuantes, está reivindicando posição nesta narrativa. A esposa dele, Marilene, felizardense autêntica, é neta de Levindo e Chiquita, filha de Zezé, o fazendeiro e Natália. Natália é originária da Serra Talhada, ao sul de Capitão Felizardo. 
Naquelas redondezas, o guru maior era Luiz Brandão, conhecido como Luiz da Serra que se tornou famoso caçador de onças. Luiz Brandão avô de Natália é, também, avô de Luiz Rodrigues que, nesta narrativa, ocupa a posição de avô e andou, no passado, exercitando-se como caçador

O Desfile de Carros de Bois

Felizardo, de nacionalidade portuguesa, com patente de Capitão, era proprietário de grande fazenda na margem esquerda do Rio Paraúna, pouco acima da foz do Ribeirão de Areia e, também, próximo do Rio Congonhas. A propriedade original está subdividida, mas conserva o núcleo central com uma bela Igreja Católica, Escola Municipal e residências, quase todas de filhos do casal Levindo Pinto e D. Chiquita. Alí fazem, anualmente, a Festa de São João Batista, com celebração de missa, batizados e casamentos; Na véspera, fazem o levantamento do mastro, solenidade realizada à noite, com grandes fogueiras iluminando o caminho por onde passa a bandeira, levada em procissão até o local onde é hasteada. Hoje, apesar da iluminação elétrica a tradição das fogueiras é mantida. Durante o dia há, então, o desfile dos carros de bois, transportando a lenha necessária às fogueiras. Esta foto é da área de concentração, onde são enfeitados, com fitas e lenços, os animais e os carros.
Este é o carro de boi típico, todo construido em madeira, por carpinteiros da região. As rodas são ligadas por um grosso eixo de madeira. A mesa é fixada no eixo por quatro "cunhas" prõximo das rodas, duas à direita e duas à esquerda, distribuidas à frente e atráz do eixo. funcionam como mancal e são chamadas cocão. Estas peças são responsaveis pelo som produzido quando o carro é arrastado. Os cocãos apertam o eixo e produzem o som quando o eixo atrita ao girar entre peças apertadas de madeira. Os carreiros usam, para lubrificar, graxa feita por eles mesmos à base de sebo e azeite de mamona. Também usam pó de carvão para o eixo mais liso possivel. Maior aperto do cocão, maior o atrito, mais continuo o som, mais pesado o carro. ás vezes, chega a produzir fumaça tal o nível de aquecimento da madeira com o atrito entre a peça movel e as peças fixas. Este tipo de carro não tem freio. Nos declives a junta de coice, seja os dois bois mais próximos do carro são os responssaveis por segura-lo e o fazem levantando a cabeça e escorando nas patas trazeiras.
Nesta foto deve-se observar os enfeites, em vermelho, nos chifres da junta de coice e nas pequenas peças de madeira, em posição vertical, escorando a lenha. Estas peças são chamadas fueiros. Observem, também, que o veiculo da frente é um carro de boi típico, dos que cantam quando em movimento; vejam a expessura do eixo; normalmente, tracionado por seis ou até oito bovinos. O veiculo seguinte é um carroção, que já é uma evolução do carro, com eixo de ferro, rodas de ferro ou pneus, por isso um veiculo mais leve, tracionado por apenas uma junta, com atenção, dá para ver uma peça de madeira na horizontal, na frente da roda. Esta peça é ligada a um parafuso sem fim, na trazeira do veiculo, tal que ao girar um tipo manivela pode-se precionar a peça junto às rodas para freiar o carro. O último veiculo é uma carroça de burro, é tambem veiculo mais leve, tracionado por um unico muar. Dá para calcular que a quantidade de lenha na carroça é a igual à do carro. A forma de tração é diferente. O veiculo tracionado por bovinos tem um unico tirante que trabalha entre a junta de bois. o veiculo tracionado por muar tem dois tirantes e o animal é posicionado entre eles. Então, o carro é o veiculo mais primitivo. Há outro tipo de carro, mais rudimentar, denominado carretão. Não tem mesa, é apenas o tirante apoiado sobre o eixo; utilizado para arrastar madeira.Praticamente, inexistente hoje.
Mais uma foto da área de concentração, onde os carreiros se reunem e onde enfeitam animais e carros
O carreiro de chapéu de abas largas, à direita, trabalhou com o pai Geraldo Neves, para João Baiano nas fazendas de Camilinho e de Rodeador. Esta referência é para lembrar que, no passado, Capitão Felizardo não tinha a pujança que tem hoje, as áreas de pastagens de braquiária, de hoje, eram de capim nativo, com pequena capacidade de pastoreio. Encontrei lá diversas famílias de homens que trabalharam com meu pai João Baiano na fazenda de Rodeador, onde permaneciam até dois meses sem ver os parentes. Lá encontrei além de descendetes de Geraldo Neves, os de Gasparino, os de Gumercino e Augusto Teodoro, os parentes de Carmélia, apanhadora de café no Camilinho. 
Observe, o detalhe na frente do boi de guia vermelho; a peça é um facão com cabo de osso; usado para cortar algum galho ou cipó que possa embaraçar a passagem do carro.
Ainda na área de concentração.
Este moço é deficiente mental, amigo e protegido por todos. A Imagem que ele segura seguirá na frente do desfile.
Sobre a carroça, duas crianças seguram a bandeira que acompanha o desfile e, à noite, será hasteada, sob a luz das fogueiras.
O mestiço preto, miniatura de boi de carro, carrega no lombo, uma capanga de pano, tipo alforge, com litrão de cachaça de cada lado. Os condutores distribuem a bebida para todos os participantes. Eu bebi e gostei, ainda, derramei um pouquinho para o santo. Atrás daquela adega ambulante está Luiz Rodrigues próspero pecuarista local, e meu cicerone.
Inicio do desfile, carreiro com suas famosas varas de toca gado na mão.(o cacofono é proposital)
Continuação do desfile. Detalhe: cachorro amarrado na canga, ou no canzil da junta de coice.
Na frente, uma caminhonete conduz a bandeira e imagem de Nossa Senhora.
Padre Carlos Geraldo, pároco em Contagem, onde reside. Hoje, aposentado, mantem uma bela casa no alto junto da Igreja onde passa temporadas e cuida da vida religiosa da comunidade. é filho de Levindo e Chiquita. Com o sistema de alto-falante ele está aplaudindo e agradecendo aos carreiros. Junto dele está o cunhado Luiz Rodrigues.
Os bois são mestiços zebu ou mestiços da raça holandeza, conhecidos como curraleiros. O animal do lado esquerdo do carro é um belo exemplar mestiço da raça gir.
Concentração na frente da Igreja
Salientando, ao fundo, a bela Igreja da Comunidade Capitão Felizardo
Professora Anita e seus dois Luizes.