Fazenda da Dona Joaquina

16-03-2011 23:15

 

Coincidências – Ao Revmo. Padre José Pedro Costa

Entre Diamantina e o Serro, em formosa baixada, cercada por um círculo de altas montanhas, ficava a Fazenda da D. Joaquina.

A casa principal era uma magnifica construção do século XVIII, tendo do lado do nascente uma explêndida varanda larga a que se tinha acesso por uma escada exterior. Nessa varanda estava a rede da dona da fazenda, onde, assentada ou deitada, ela administrava a casa com draconiano rigor e severa vigilância.

Ao redor, havia várias dependências: senzalas, roda dágua e engenho, fábrica de queijo e manteiga, prensa de mandioca, galinheiro, cocheiro, etc.

A D. Joaquina tinha uma enorme escravatura e, á tarde, quando voltavam do serviço acompanhado do feitor, os escravos, passavam um a um sob a varanda e, respeitosos, tiravam o chapéu para murmurar a saudação: - Louvado seja Nossinhô Jesú-Cristo, Sinhá.

Alguns diziam mais abreviados ainda: - Soscristo, Sinhá!

E iam tomar a refeição da tarde, composta de feijão, angú, e torresmos, ás vezes acompanhados de um pedaço de carne de porco ou seca.

Á noitinha, a dona da fazenda permitia que os negros tocassem os seus instrumentos rudes com que acompanhavam canções barbaras e dolentes, chorando as saudades da terra africana.

D. Joaquina era viúva e riquíssima. O falecido marido, Seu Bernardo, havia enriquecido de uma forma curiosa, vinte anos antes, não em exploração de fazenda, porém graimpando.

Ele e seu irmão Pedro haviam perdido tudo que tinham na procura dos diamantes, sem resultado.

Certa tarde, voltavam do trabalho, tristemente, depois de terem gasto os últimos cobres, restando-lhes apenas o burrinho carregado das ferramentas com que exploravam os terrenos. Vinham silenciosos. Anoitecia. Em certo trecho do caminho, o Pedro apontou para uma grande pedra que ficava mais abaixo, á beira do córrego:

-                     Mano, vamo virá aquela pedra?

-                     Qual nada Pedro, pra que?

-                     Tô cismado que ali tem coisa.

-                     Num custa, podemos esprementá.

E viraram a pedra. Por baixo encontraram um barro piçarrento, misturado de cascalho. Tomaram dele algumas pás e lavaram na bateia, no córrego próximo. Ficaram deslumbrados: os diamantes estrelaram!

Assim enriqueceu o seu Bernardo, mas não querendo continuar na aventura de procurar os tesouros da terra, adquiriu a fazenda com que consolidou a sua fortuna.

Quando morreu, a mulher continuou administrando a propriedade. Lá vivia ela com alguns filhos solteiros, uma filha casada, cheia de filhos e separada do marido. Na casa próxima, morava outro filho casado e a respectiva mulher.

Toda aquela família foi sempre muito superticiosa e acreditavam que os sonhos encerravam avisos.

O fato que se deu posteriormente veio aumentar a sua crença ingênua.

Certa manhã a D. Amélia, nora da dona da Fazenda, veio procurá-la preocupada:

                    - D. Joaquina, tive um sonho muito esquisito esta noite!

                    - Que foi? Pode contar, minha filha.

                    - Não vê a senhora que sonhei que os escravos mataram um porco muito grande e não sabiam onde Pô-lo. Eu então disse que o levassem para a tenda do ferreiro para salgá-lo lá. A Marcelina me respondeu então que não podia salgá-lo, porque não havia sal na Fazenda. Fiquei muito preocupada e chamei o Demetrio a quem ordenei:

                    - Monta a cavalo e vai a Diamantina buscar sal.

Mal tinha mandado, quando ouvi tropel de animal. Fui para a varanda e vi chegar o Sebastião, escravo do tio Pedro, que apeiou e foi dizendo:

                    - Meu sinhô manda buscá sá qui farta lá in Diamantina.

Fiquei atarantada e falei com a senhora:

                    - Minha sogra, que é que vamos fazer?

A senhora abriu a boca para me responder, mas, nesse momento, acordei.

                    - Que é que acha desse sonho, D. Joaquina?

                    - Não sei, minha filha, coisa boa não é. Isto de matar porco não me cheira bem.

Até a hora do almoço, as duas senhoras continuaram preocupadas com o sonho. Entretanto, se distraíram com as providências que tomaram sempre para a distribuição da refeição dos escravos e do pessoal da casa.

Ao meio dia, foram ambas para a varanda fiar nas rocas, enquanto conversavam.

Dentro em pouco, ouviram um grande vozerio do lado do engenho. Olhando para lá, viram, o feitor com quatro escravos conduzindo um corpo, em direção á casa. A nora, lembrando-se do sonho, perguntou assustada:

                    - Que será D. Joaquina?

                    - Não sei, parece que trazem um homem carregado.

Quando chegaram próximo á varanda, o feitor explicou:

                    - D. Joaquina, trouxemos aqui um corpo de um homem que acabou de ser assassinado na estrada. Não podemos deixá-lo lá. Onde vamos pô-lo?

                    - Valha-me Nossa Senhora! Que vamos fazer com ele?

                    - Não sei, D. Joaquina, a senhora manda que eu faço logo.

                    - Olha feitor, leva-o para a tenda do ferreiro, enquanto vamos deliberar.

                    - Nesse momento, entra na varanda a escrava Marcelina que diz:

                    - Sinhá, a cozinheira manda dizê, qui num tem sal, nem prá janta.

                    - Será possível? Exclama a fazendeira alarmada e acrescenta:

                    - Diga logo ao Demétrio que vá a Diamantina buscar sal.

Mal tinha acabado de falar, quando chega ao pátio um preto, a cavalo. Era o Sebastião que vinha de Diamantina. O negro chegou todo respeitoso, tirou o chapéu de couro, e foi dizendo:

                    - Soscrito, sinhá. Meu sinhô manda buscá sá, qui num tem in Diamantina...

MOURÃO, Paulo Krüger Corrêa, Voz de Dtna, 1948.