Fundação da cidade de Diamantina

02-01-2011 00:00

    Ao certo não se sabe exatamente quem fora o primeiro descobridor da nossa querida cidade de Diamantina. Mas algumas Bandeiras que aqui estiveram já encontraram lavrando as lavras diamantíferas um tal de Jerônimo Corrêa. Sbemos que algumas Bandeiras partiram da Bahia, subindo o rio Jequitinhonha e até aqui chegaram, mais tarde outras vindo de São Paulo chegaram a confluência de dois córregos, os bandeirantes ficaram na dúvida, qual deles seguiriam, tirando na sorte lançando segundo a tradição um lenço ao vento e aonde o lenço caísse diria qual dos dois córregos subiriam. Decidindo então o da esquerda, examinaram o leito do córrego e encontraram um caibro grosso misturado com seixos miúdos, razão do qual batizaram o rio de Piruruca (têrmo, ao que parece, de origem indígena que os mineradores usavam para classificar certo corpo mineral aurífero. Com a descoberta do ouro espalhou-se e logo ajuntou muita gente, instalando-se e levantando ranchos. Estava fundado o Arraial. Outros aventureiros chegando-se a confluência dos dois córregos, e seguindo-se desta vez a direção da direita, uma vez da esquerda o Piruruca, já estava infestado de gente explorando-o, seguiram o curso dágua da esquerda que o chamaram de Rio Grande, por ser maior e mais caudaloso. Subiram o rio acima até chegarem num vasto brejo cortado por um riacho que nascia num morro e se perdia no rio. Achando o feio e sujo, apelidaram-no de Tijuco, vocábulo indígena que significa lama, líquido corrupto. A palavra original indígena é ty-yuc, segundo Teodoro Sampaio. Seguindo o curso deste córrego os primeiros ranchos começaram a espalhar em pontos que eram encontrados ouro. Os primeiros aglomerados foram surgindo em volta da atual cidade, começando no Piruruca, hoje Mola Machado, Brazão, Rio Grande, hoje Burgalhau ( existem algumas denominações para o nome dessa rua, segundo o viajante inglês Mawe, Burgalhau era o nome dado a seixos angulosos ou massas sólidas de quartzo; outros querem definir devido a origem européia de burgos - vilas européias cercadas por muralhas) e a rua do Rio Grande, Bicas, hoje próxima a Tapeçaria, Morro do Santo Antônio, Hoje na rua do Bicame até proximo ao Campo do Tijuco, rua São Francisco, da Caridade, e outros que foram formando até se fundirem numa vila só. Assim foram os primeiros passos para a fundação da nossa cidade de Diamantina.

    Segundo a tradição, houve lutas entre os portugueses e os indígenas daqui. Para contar este desfecho, Joaquim Felicio narra-se a dramática luta entre os brancos e os nativos. A lenda da história da Acaiaca, uma bela árvore sagrada adorada pelos índios, que eram os verdadeiros donos da região, numa noite de festa entre os indígenas comemorando o casamento da bela índia Cajuby, os portugueses lançaram a golpes de machado, derrubando a árvore. Perplexos, assustados e desorientados entraram em confrontos um com os outros. Os portugueses aproveitaram o desnorteamento dos índios e os atacaram. Porém o feiticeiro e a linda princesa Cajuby que perdera o noivo no próprio dia do casamento e seus familiares e amigos amaldiçoou os invasores, que mais tarde sabemos com a descoberta dos diamantes, o Distrito Diamantino, ficou mais conhecido como o "Distrito do Terror". O povo foi governado debaixo das mais severas leis com toques de recolher - as pessoas eram obrigadas a fecharem as tabernas e bares ao escurecer. A partir das 21:00 da noite não poderiam mais transitar nas ruas do Tijuco, se forem pegas eram condenados como suspeitos de contrabandistas de diamantes. Se ao escurecer as pessoas tivessem aglomerados em alguma taberna ou bar jogando ou batendo papo, eram também suspeitos de contabandistas e arriscavam perder tudo e serem degredados para a África. As pessoas viviam o terror e o medo de serem denunciadas. Bastava uma denúncia ou suspeita que eram expulsos do Tijuco e perderiam tudo. Não levariam nada, somente a roupa do corpo e o denunciante ficaria com a metade dos bens do acusado e a outra metade iria para leilão em benefício da Coroa.

    Conta-se que os mineiros que viviam da extração do ouro, encontravam pequenos seixos brilhante de forma peculiar, que separava para usar como tentos de jogos.

    Segundo o depoimento escrito de Martinho Távora de Mendonça Pina e Proença, delegado da Coroa, que veio ao Brasil em missão especial no ano de 1734, e cujo primeiro cuidado fora ir ao Tijuco verificar com se fizera a descoberta dos diamantes (Publicada na Revista do Arquivo Mineiro - vol VII pág. 251); sabe-se que um desse acontecimento coube a Francisco Machado da Silva e sua mulher Violante (1714), quando partiam cristais empregados como trempe na cozinha de seus ranchos. Mas contudo o descobridor dos diamantes ficou com o Bernardo da Fonseca Lobo, português de Santarém, que lavrando cascalho no Córrego dos Morrinhos, por volta de 1721, encontrouno fundo da bateia um seixo luminoso de grande beleza. Um certo Nicolau Gonçalves, encontando pedras no mesmo córrego, levou-as ao Tijuco e mostro-as a um ourives e a um frade italiano que visitava o arraial. Testaram as pedras e verificaram que até o próprio aço riscavam e não tiveram dúvidas do que se tratassem.

    Bernardo Fonseca Lobo continuava tirando pedras nos córregos de Morrinhos e de Caeté Mirim. Bernardo resolveu comunicar o fato á autoridade mais próxima que era o Ouvidor do Serro do Frio, Antônio Banha.

    O esperto e corrupto Ouvidor Banha, logo foi dizendo que não passasse de pequenos cristais. Até falsificou documentos para dizer a população que tudo não passasse de cristais. E enganando o Bernardo pedia cada vez mais estas pedrinhas brilhantes com desculpa de colecionar e de fazer fivelas e outras peças com pedras falsas.  Bernardo não desconfiou de nada, um dia foi a Vila Rica, onte teve ocasião de oferecer a Dom Lourenço de Almeida, então governador da Capitania de Minas Gerais uma coleção de tais pedras. Porém aconteceu um caso que o Bernardo sendo um grande mulherengo, voltou de Vila Rica levando na bagagem uma mulata por nome de Andreza, com a qual acabou querelando. O ouvidor Banha, que já não gostava de Bernardo por ter este se negado a lhe fornecer as "pedras bonitinhas", tirou partido desse fato e começou a persegui-lo. Outros historiadores já acreditavam que o Banha perseguindo o Bernardo para forçá-lo a vender as suas terras diamantíferas a prço irrisórios, e de fato ele vendeu e foi para as Minas Novas. Mais tarde foi desmascarado as tramóias do ouvidor Banha, como foi constatado " Êle ajuntou os que pôde, conservando em si o segrêdo do que eram, sem dar conta, nem a mim, nem a V. Majestade, como era obrigado, nem ainda ao seu sucessor, porque lhe disse que eram umas pedras que, examinadas em Lisboa, por sua ordem, não tinham valor nenhum". Bem, acabou a farsa do ouvidor Banha que foi expulso da comarca como intrigante, desordeiro e desviador dos quintos. Quanto ao Bernardo Fonseca Lobo, foi reconhecido por Sua Majestade como o legitimo descobridor oficial dos diamantes, recebendo por essa façanha o hábito de Cristo e os títulos de tabelião e capitão mor da Vila do Príncipe.

    Com a descoberta dos diamantes, a maioria dos mineradores trocaram a extração do ouro pelos diamantes.

    O primeiro documento oficial sobre o assunto foi a carta de Dom Lourenço de Almeida, governador da Capitania de Minas Gerais, comunicando a Sua Majestade, El Rei de Portugal em 22 de julho de 1729, o descobrimento dos diamantes na comarca do Serro Frio.

    Depois de comemorado em Portugal com festejos, bailes, fogos de artifícios, procissões e Te Deum, o Papa e os monarcas da Europa felicitavam ao Rei de Portugal pelo acontecimento.

    Ficou decidido que os diamantes seriam enviados para Amsterdam, onde se fazia a melhor lapidação da Europa.

    Logo foi organizado o primeiro regimento diamantino, sendo estabelecido o imposto de capitação de 5$000 por escravo ocupado em mineração. o Ouvidor da Vila do Príncipe (Serro) foi nomeado superintendente das terras diamantinas da comarca, ficando encarregado de repartir outra vez os rios e córregos entre os mineradores que o desejassem. Deveria escolher para a Sua Majestade uma "data" (área de terra) de trinta braças no lugar mais rico em diamantes "Ainda que alguém aí esteja minerando, porque primeiro que tudo está El Rei nosso senhor".

    Vieram escravos negros, laçados em Moçambique e Angola para o trabalho nas lavras.

    No início "Os diamantes da comarca do Sêrro do Frio ainda se tiram porém em três rios sómente que são o rio Jequitinhonha, porém neste rio, que é muito caudaloso, não se tiram em todo êle porque logo por baixo de onde há uma cachoeira de pedraria, fazem alguns pegos (abismos) mais fundos, sendo onde andam uma cobras de mais de trinta palmos de comprido, e tão grossas como um barril que têm tragado alguns negros, por cuja razão ninguém quer mergulhar de certa distância rio abaixo, etc,"

    Na mineração uma multidão de gente africanos, indígenas, europeus e o mestiço soavam no ar palavras africanas, indígenas, portuguesas e mais os dialetos criados.

    No Tijuco ao som dos tambores ecoavam o rufar de caixas, os bandos - os moradores já sabiam o que eram e ficavam já inquietos, pois era a voz do Rei: - num desses bandos transmitia ao povo do Tijuco oo decreto da Sua Majestade: as lavras deveriam ser imediatamente despejadas, uma parte delas divididas em lotes e postos á praça e arrematadas por quem melhor pagasse.

    E que ninguém tentasse desobedecer aquelas ordens, pois seria castigado com "pêna de degrêdo para Angola e confisco de todos os bens"...

    Houve pânico, medo, indignação, mas nada adiantava, numerosos soldados bem armados logo cercaram os rios, córregos e terras diamantinas a fim de garantirem a execução das determinações reais. Foram arrancados de suas roças, famintos e sem teto, ameaçados com chicotadas, alguns escravos que em sua miséria jamais poderiam pretender arrematar algum dos lotes das lavras, fugiram para os morros, embrenhando-se nas mata. Ali, escondidos em agrupamentos  - fundaram os quilombos - dedicavam-se á mineração clandestina. Nas caladas da noite, em que o povo do Tijuco dormia, os negros quilombolas saiam da sua toca para encontrarem os negociantes cúmplices que se arriscavam a trocar, geralmente por mercadorias, os diamantes. Esses diamantes secretamente ganhavam o litoral, onde os contrabandistas holandeses e ingleses já o esperavam.

    Devido o crescimento e a riqueza que corria na Comarca do Serro do Frio, o lombo dos burros, não paravam de trazer caixas e caixas com sêdas e rendas francesas, perfumarias e porcelanas das Ìndias, pianos, tudo aqui era copiado da Europa. Tanto que os viajantes estrangeiros quando chegaram ao Tijuco disseram que mais parecia uma pequena vila da europa. O povo se vestiam e se portavam como uns verdadeiros europeus. O segundo idioma mais falado aqui era o francês, e muito bem falado.

    Um boiadeiro na sua esperteza e de se tornar rico arranjou um modo de contabandear os diamantes, amarrou um saquinho de couro na cauda de bois mansos, para despistar a fiscalização.

    Para melhor se organizar e administrar o movimento das lavras diamantíferas, foi criada uma Intendência dos Diamantes no Tijuco, (1734). Novas alterações. Novas demarcações da zona aurífera sendo abolida a capitação. As novas ordens régias proibia toda mineração livre de diamantes no distrito, com pena de degredo por dez anos em Angola aos contraventores. Durante noventa anos vigorou essa determinação.

    Dentro de três meses todas as pessoas que guardassem pedras deveriam levá-las á Intendência, onde ficariam guardadas no cofre, até que seus donos ou algum comprador desejassem transportá-las para fora do distrito, o que só poderia ser feito depois das formalidades e debaixo da mais severa fiscalização. Passado os três meses, os diamantes que não estivessem no cofre da Intendência, deveriam ser confiscados em benefícios da Fazena Real. Também todos que morassem na demarcação das terras diamantinas não poderiam minerar sem a prévia consulta a Intendência. Se fosse constatado nos terrenos, lotes, roças, sítios alguma buraco seria confiscado a terra e expulso para fora da comarca ainda o sujeito a ser degredado para Angola.

    No ano de 1735. Gomes Freire de Andrade substituiu o Conde das Galvêas no goveno da capitania de Minas Gerais. Veio ao Tijuco a fim de examinar de perto os graves problemas que a situação criara. Logo em seguida foi modificado os métodos de exploração de diamantes: o sistema da Extração por Contratos (1739).

    O contratador arrematando o serviço era responsável por todo o trabalho da mineração o tempo que lhe durasse o contrato, pagando anualmente 230$000 á Fazenda real por escravo não lhe sendo permitido ocupar mais do que 600 negros no serviço. embora muitas vezes o número de escravos triplicavam nos serviços de extração de diamantes. O intendente  e o fiscal eram responsáveis pelo fisco e zelavam pelos interesses da Coroa portuguesa.

     Para os escravos fugitivos o rei decretou um alvará: "Hei por bem quen todos os negros que forem achados em Quilombos, estando nêles voluntáriamente, se lhes ponha com fogo uma marca em uma espádua com a letra F que, para este efeito, haverá nas comarcas; e, se quando for executar esta pena, fôr achado com a mesma marca, se lhes cortará uma orelha, etc".

    Felisberto Caldeira assume o terceiro Contrato da exploração dos diamantes, eram descendentes de João do Havre  Brant, nascido na Bélgica, filho natural de João III, Duque de Brabant, e de uma certa Mademoiselle Huldenberg. João de Brant morreu na Batalha de Bueswilder, no Linboung, em 1371, como "Senhor dos Morgados de Ayseau, no Hainaut e de Lannenbourg e Laquew, no Brabant." A família dos Brant mudaram para Antuérpia, de onde partiu para Portugal o quarto João de Brant, como cônsul do Luxemburgo em Lisboa. Casou-se com uma moça de alta linhagem portuguesa nasceu Ambrósio, que foi enviado ao Brasil por volta de 1700, como Mestre de Campo. Felisberto foi o primeiro filho de Ambrósio e de Branca, sua esposa, jovem paulista, bisneta de Lourenço Taques, o Velho de São Paulo. Rumaram para Goiás, depois aventurando-se pelo Sertão e depois chegaram á Minas Gerais, a procura de um legendário tesouro. Chegaram num local onde os córregos cheios de ouro e de peixes que deram o nome de Pyracatu (hoje Paracatu). Encontrando com o sertanista José Rodrigues Fróis, vinha notícias do Tijuco sobre a descoberta dos diamantes. Os irmãos Caldeira Brant para lá dirigiram, decididos a arrematar o contrato dos diamantes e que conseguiram sem dificuldade. Durou de 1748 a 1751 este contrato.

    Durante o tempo de seu contrato o Tijuco deu uma relaxada nas severas leis. Desenvolvia-se comércio, e professores de etiqueta vindos da Corte ensinavam como se entrava e saia de uma sala, como se fazia uma reverência, como se recebia um hóspede, como se vestia uma pessoa elegante.

    Felício dos Santos nos dá a referência dos costumes da época: "Os homens usavam cabeleiras trançadas em forma de rabicho, colete de cetim bordado e lantejoulas, chapéu tricórnio, casaca de veludo em cores, abotoaduras de pedras, largo calção de sêda apertado com fivela de outro por cima de meias cremes. Os sapatos era pretos e pontiagudos com fivelas em pedras preciosas. As mulheres empoavam os cabelos e usavam uma coifa de sêda branca. Um espartilho de barbatanas, afinava-lhes incrivelmente a cintura e o corpete era de veludo, as saias rodadas, com cauda. Cobriam-se de joias, geralmente de diamantes e crisólitos.

    Ao som do cravo, dançava-se o minueto, a valsa, o fandango. Quem tinha cabedal mandava o filho homem fazer os estudos superiotes em Coimbra, de onde voltava "letrado e cheio de prestígio".

    O Rei de Portugal não estava gostando nada da exagerada tolerância de Felisberto Caldeira Brant, que facilitava os abusos e os contrabandos de toda a espécie.

    No ano de 1751, preparando a Semana Santa no Tijuco, chega também no Serro do Frio o novo ouvidor Bacelar, que acabava de chegar de Lisboa. Felisberto entra na Igreja com sua mulher, filhos, e uma linda jovem, sua parenta. Mal pousara os olhos na moça, o Ouvidor dela não mais os pode tirar. Perturbado, fascinado, não soube conter um impulso e, arrancando a flor que trazia á lapela atirou-a ao colo da bela. O escândalo foi grande. Felisberto, indignado, retirou-se do templo a fima de esperá-lo fora. Terminada a festa, os dois homens se encontram e discutiram. Exaltado, Caldeira Brant deu uma punhalada no Ouvidor, mas o santo dele era forte: a lâmina resvalou num botão de metal, e nada sucedeu. Houve tumulto e, a pedido do Intendente, que bem conhecia o gênio violento de Felisberto, chegaram as tropas dos Dragões, que interveio, acalmando ambos, mas formaram-se dois partidos: o do povo, que acompanhara Felisberto, e o do Ouvidor que tinha junto de si o Intendente e alguns aduladores. Uma onde de perseguições desabaou sobre Caldeira Brant, que comunicou o fato ao governador Gomes de Freire de Andrade, pedindo-lhe socorro.

    Por tramas o cofre da Intendência onde estava guardado parte do ouro e diamantes pertencentes ao Contrato, fora roubado. E o cofre era trancado com três chaves que ficava com três pessoas. Este furto jamais soubera quem o fizera, muitos atribuem a trama entre o Ouvidor e a Intendência para prejudicar e impossibilitando de Felisberto Caldeira cumprir soldar o débito com a Fazenda Real no valor de Setecentos mil cruzados.

    Também dizem que fora perseguido porque só enviava para Portugal os diamantes pequenos, e os grandes ele o mandava lapidar secretamente para si. Dizem que era para tornar o Tijuco independente, entregando as terras diamantinas ao povo.

    O ouvidor lacrou a casa de Felisberto Caldeira, expulsou a sua esposa e filhos, tudo isso para evitar que o povo tijuquense viessem para libertar o amigo. Reforçaram a guarda na cadeia e durante toda a noite o silêncio foi quebrado pelos barulhos dos cascos dos cavalos e o tinir de armas pelas ruas e becos escuros e solitários.

    No outro dia sozinho e na miséria Felisberto seguiu para o seu destino, foi levado para as prisões do Limoeiro de Lisboa. Uma fato aconteceu no ano de 1755, houve um grande terremoto em Lisboa, onde prédios inteiros foram destruídos inclusive a prisão onde estava Felisberto Caldeira. Todos os presos fugiram, menos o Felisberto, que foi apresentar ao Marquês de Pombal. Tocado por este gesto leal, o ministro o perdoou-lhe e mandou-o para Caldas da Rainha, a fim de refazer a saúde abalada. Tarde demais. Felisberto morreu pouco depois.

    Chegou o último contratador João Fernandes de Oliveira Filho que durou de 1761 a 1771. Este contratador foi muito polêmico e audacioso pela fama que cercava no reino pela sua amante Francisca da Silva, a mulata vulgo mais conhecida como Xica da Silva ou Chica que manda. João Fernandes com muita sorte extraía do rio Jequtinhonha enormes quantidades de diamantes e dos córregos diamantinos tornando-se cada vez mais rico e poderoso.

    Xica da Silva nada tinha de boba, possuindo uma personalidade forte e abosorvente. Filha da negra africana Maria da Costa, escrava do sargento mor José da Silva e Oliveira Rolim ignora-se quem lhe fosse o pai, segundo alguns, o próprio sargento, segundo outros, o português Antônio Caetano de Sá, feitor deste. Foi mãe de dois filhos com o magistrado português Manuel Pires Sardinha que teve com ele dois filhos, sendo  o filho mais velho Simão Pires Sardinha, estudou na Europa, onde fez vários cursos, especializou-se me Cências Naturais. Simão recebeu o Hábito de Cristo, e, ao voltar  ao Brasil, tornou-se pessoa absoluta confiança do governador Luis da Cunha Menezes. O outro filho que Chica teve com o seu primeiro amante, há certos indícios de ter sido ele ordenado padre. 

    João Fernandes tomou-a para si logo depois e exibindo-a publicamente como sua amante. O fato é que toda gente que vinha ao Tijuco ia render homenagem á mulata.

    João Fernandes enfeitiçado pela mulata, cobriu-a de joias, e Chica sempre trazia o colo e os braços constelados de diamantes, lhe deu um palácio num lugar chamado Palha, hoje um bairro da cidade de Diamantina, com teatro particular, capela, jardins cheios de cascatas, árvores e frutas exóticas. Também mandou construir um lago artificial onde Chica da Silva passeava numa com seus convidados numa réplica pequena de uma galera que cabia 10 pessoas. Passava horas velejando neste lago e se divertindo. Acompanhados também de barquinhos dourados que deslizavam pela represa com os hóspedes a se divertirem em pescarias.

    No palácio da mulata realizavam-se banquetes fabulosos. Exibia-se o seu poder diante do povo, daquele mesmo povo que a desprezava, quando nada mais era do que simples escrava. Possuía banda de música particular que precedia nos lugares onde andava. Lembrando que o poder que Chica ostentava era somente dentro da Demarcação do Distrito Diamantino, saindo dele, ela era simples mulata e escrava. Dançavam o minuetes e fandangos acompanhada de sua côrte de mucamas. Conta-se também que Chica tinha era muito ciúmenta. Conta-se que num banquete onde uma escrava com um sorriso maravilhos e dentes perfeitos chamou atenção de João Fernandes e neste mesmo banquete foi servido de iguarias numa bandeja de ouro os lindos dentes que havia admirado.

    Para a Coroa portuguesa que era avarada nas riquezas do Brasil, não contentava com a forma que João Fernandes vinha enriquecendo e acabava prejudicando os interesses da Coroa. Trabalhando com muito maior número de escravos do que lhe era permitido, e se transformara num Creso, temido até pelo próprio intendente.

    Um belo dia chegou ao Tijuco de surpresa, como uma ave de rapina, com ar de que nada queria apenas apreciar as belezas do lugar e saber sobre a mineração seguindo as recomendações do Marquês de Pombal. Mas o Conde de Valadares, então governador da Capitania, já tinha em mãos a ordem de levar João Fernandes para Lisboa. Não queria outro escândalo como o fato ocorreu com o Felisberto Caldeira. Desconfiado e desejando conquistar a simpatia do governador, fêz questão de hospedá-lo em seu palácio na chácara da Palha. O fidalgo foi tratado como um rei: banquetes e mais banquetes, depois na sobremesa recebia como presente uma folha de outro, um diamante bem grande, uma caixa de rapé de tartaruga  loura. Nada adiantou, João Fernandes foi enganado pelo Conde que levou-o direitinho para Portugal.

    João Fernandes perpetuou sua memória vinculando os bens que possuía no Brasil e Portugal, e que viriam a constituir o Morgado do Grijó. Estava garantido o futuro dos muitos filhos que Chica da Sila lhe dera.

    A Coroa ambiciosa tratou de cancelar os contratos que facilitavam abusos, foi decretata a extração de diamantes por coanta da Fazenda Real. Esse novo sistema passou a chamar-se Real Extração, e com ele veio o famigerado Regimento Diamantino, o terror do povo tijuquense e mais conhecido como o Livro da Capa Verde - um livro especialmente criado de leis específicas para o povo do Tijuco. O regimento diamantino vigorou durante meio século, até a época da constituição.

    Por castigo, os diamantes escasseavam. A crise chegou a tal ponto que a administração não tinha fundos para comprar mantimentos ou pagar aluguel dos escravos. Vieram então de Lisboa os Bilhetes da Extração, espécie de letras a serem pagas quando chegassem os recursos da Fazenda Real. Foi esse o primeiro papel moeda que correu no Brasil.

    Os feitores para cumprirem o erário real exploravam e obrigavam cada vez mais horas de jornadas dos escravos para revirarem os solos diamantinos em busca dos diamantes. Chegou a tal ponto que muitos escravos morreram fatigados e doentes pelo esforço da frenética busca das pedras. O chicote do feitor não parava de estalar nos ares para apressar e ritmar os escravos no trabalho da exploração do cascalho. A alimentação a base de angu e feijão preto todos os dias, ás vezes colocavam toucinho  e canjica. Era servido no próprio carumbé, ferramenta de trabalho do escravo.

    Para cada dez escravos tinha um feitor que vigiava. Sentava diante dele o feitor debaixo de um guarda sol feito com folhas de palmeira, os negros semi nús ou nús iam lavando o cascalho em suas gamelas de madeira, sacudindo-as de um lado para outro a fim de separar o material, o ruim jogavam fora e o bom ficava no fundo da gamela ou do carumbé. Os pretos eram obrigados a de tempo em tempo elevar os braços, batendo palmas, a fim de provarem que não seguravam pedras. Apesar disso, os negros entoavam cantos melancólicos em que os feitores em determinados momentos cochilavam ou distraíam onde o negro escondia algum diamante na carapinha , na boca, ou atirava-o de lado, tencionando vir buscá-lo á noite, também se desse engolia o diamante, escondia atrás da orelha, entre os dedos do pé. De uma forma ou outra o negro sempre dava o seu jeitinho de levar uma pedra com ele. Porém quando um negro escravo encontrava um diamante de 18 quilates, os companheiros o coroavam com uma grinalda de flores campestres, e, em alegre procissão, o levavam até ao administrador, que lhe concedia a liberdade, dando-lhe roupas e o direito de minerar por conta própria. Se era de oito ou dez quilates  a pedra encontrada, o escravo recebia duas camisas e terno novo, além de uma chapéu de uma faca.

    A medida que os escravos separavam os diamantes, estes iam sendo recolhidos num saquinho de couro pelo feitor, e levado ao fim do dia para a Intendência, no Tijuco.  Na presença de funcionários de categoria, as pedras eram pesadas e separadas em lotes, de acordo com o tamanho e guardadas em saquinhos de seda numerados, os quais, por sua vez, eram depositados numa caixa colocada dentro de um cofre com três fechaduras. A produção anual era colocada numa arca forrada de marroquim vermelho presa por tachas amarelas, que seguia para o Tesouro do Rio de Janeiro, acompanhada por um empregado da absoluta confiança do Intendente, que viajava escoltado por destacamento do corpo de cavalaria e soldados. Estes abriam o cortejo, seguidos por pedestres conduzindo a mula que transportava a carga coberta de uma manta com as armas reais. Logo atrás vinham caminhantes e o comissário, que nunca perdia de vista o cargueiro. Um grupo de cavalarianos fechava a tropa. Chegada ao Rio de Janeiro, a caixa seguia para Lisboa. Este comboio deve ter sido seguido bem protegido e armado e muitos deveriam acompanhá-lo devido aos assaltos frequentes que corriam no trajeto da Serra da Mantiqueira.

    Enquanto no Tijuco idéias novas e revolucionárias chegavam aqui clandestinamente através das obras de Rousseau e Voltaire. Falava-se em justiça e direitos do povo, lia-se ás ocultas "O Espírito das Leis" e o Contrato Social. Enquanto nas minas a produção caía e a falta de pagamento no prazo determinado, os "Bilhetes de Extração" íam perdendo o valor.

    Com a morte de D. José I, cai o Marquês de Pombal, e sobe ao trono Maria I, a louca, os intendentes agora com poderes absolutos, um deles seguindo a ferro o famigerado Livro da Capa Verde, foi apelidado de "Cabeça de Ferro", por ter degredado uns dez tijuquenses para Angola.

    Em Vila Rica já ensaiava a Inconfidência Mineira, com a participação do Padre Rolim do Tijuco, fracassando a revolta, o padre Rolim foi perseguido. Fugiu para a fazenda do pai, indo viver no mato com o seu escravo Alexandre, mas nada adiantou, foi descoberto e preso. Foi embarcado na fragata Golfinho e foi para Lisboa que mais tarde foi libertado.

    João Inácio o novo intendente cumpridor da Livro da Capa Verde. O povo do Tijuco revoltou-se  e o médico naturalista José Joaquim Vieira do Couto foi a Lisboa com um abaixo assinado do povo do Tijuco pedindo a exoneração do Intendente.  Foi enviado para o Tijuco pessoalmente o Governador da Capitania, Bernardo de Lorena que recebera ordens do Príncipe Regente  - o futuro D. João VI para averiguar as ações do tal intendente.

    O João Inácio é demitido, retira-se pela madrugada, debaixo de vaias e ao som de uma extravagante orquesta de violas desafinadas, tachos rachados e cornetas de chifre de boi. Ao Tijuco sucedem-se bailes e fogos de artifícios festejando a vitória do povo e de Bernardo de Lorena. Joaquim Felício dos Santos nos descreve como foi esta festa: " Rompeu a orquesta em dois coros, tocando e cantando com a arebatadora harmonia certas letras que diziam respeito á açãopraticada por S. Excia. em Tijuco, á paz que restituiu á terra desolada pelo despotismo, ao orgulho que abateru e fez desaparecer, e a outros conceitos semelhantes - os quais, ao mesmo tempo que encantavam os ouvidos, davam que fazer ao atendimento. Acabada a música começaram a assomar por cima dos telhados, no meio de grande vozeria de marinheiros, as pontas dos mastros de uma embarcação, que daí a um instante apresentou-se toda inteira diante do Círculo. Vinha muito airosa, navegando com garbo, com todas as velas desferidas, ornada de flãmulas de variadas cores e com seus ricos paveses em torno. A um lado da praça levanta-se uma torre com suas ameias, armada tão ao natural, que parecia um verdadeiro forte. Da torre fizerampse a nau, por meio de uma buzina, as perguntas do costume, as quais, sendo respondidas, houve salvas de parte a parte; depois a nau se foi chegando mais para junto do círculo, onde deu fundo. Aqui, depois de muita grita, que bem fingiu a amarração de um navio e a tomada de panos, e feitas outras cerimônias mais que se praticam em tal ocasião e com que se gastou muito tempo em divertimento dos espectadores, saltou repentinamente no círculo uma bem vistosa contradança de marujos, vestidos todos em uniformes com graça e propriedade. Finda esta farsa, principiou ooutra vez a música a tocar, acompanhando o canto, de que já se falou com outras letras novas acomodadas ao assunto, enchendo por esta maneira os intervalos que intermidiavam de uma a outra farsa. Não tardou muito tempo, quando, por outro lado entrou no círculo um carro de triunfo tirado por uma ema brnca, de cujos pescoço pendiam para um e outro lado largas e longas fitas encarnadas, que eram levadas por quatro mancebos e quatro raparigas, todos ricamente trajados, e que serviam não só para abrilhantar o cortejo, como guiar e subjugar o grande pássaro. Em cima do carro vinha assentado com garbo e louçania, ricamente vestido na figura de Apolo, um lindo menino, filho do capitão Coura. O carro, depois de ter feito um semicírculo, em marcha pousada, postou-se bem defronte de S. Excias; então o pequeno Apolo recitou de cor muitas peças de poesia, em voz sonora e inteligível; tôdas discretas, bem feitas, e entendidas. Concluídas as quais, os guias de ema tendo lançado de mão as fitas, começaram a dançar uma engraçada contradança ao redor do carro de triunfo, como em obséquio ao pequeno Apolo. Esta dança ainda não era bem acabada, quando sentiu-se um grande reboliço no povo e, ao som de assobios vivos, curtos e fortes de de tons ásperos, tirados com repetidos embates de dois paus, feridos um contra o outro, apaeceu sôbre a cena uma tropa de pequenos caboclos. Um monstruoso e conchado jacaré vinha no meio desta maloca, e servia de montada ao seu cacique. De rebate, começaram suas danças ao som de ásperos mas engraçados instrumentos. Ora com cipós, em cujas pontas seguram dando saltos regulares e fazendo mil evoluções, formam e tecem esteiras, em que suspendem o cacique, e ora largam os cipós, tomam os arcos, fingem guerras, avançadas, retirada, morrem, ressuscitam, por meio de seus mágicos; ora o jacaré também dança, e com rasgaeda boca onde branquejam agudos e alvos dentes, já faz rir o povo, já o intimida. Assim brincava a gente de Conceição, e festejava a felicidade do povo do Tijuco, e quando S. Excia. o deixou, sendo já meio noite e devendo no outro dia continuar sua viagem."

    Em 1808, chegava no Brasil a Corte Real com D. João VI, refletiu-se logo no Tijuco a vinda da família real. Foi então criada uma diretoria diamantina. Começava a emancipação do Brasil.

    Foi nomeado o intendente dos diamantes Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt Aguiar e Sá, primeiro brasileiro nato a ocupar este posto. Bacharel formado em Coimbra, Alemanha, Boêmia, Escócia, Irlanda e Inglaterra. Homem de grande cultura e inteligência, idealista, amou sua terra e sua gente. Zelava pelos interesses da Fazenda Real, soube conquistar o povo que com carinho retribuía chamava o de "Pai". Câmara incentiou a agricultura, modernizou os processos mecânicos de mineração através de máquinas, o que permitia lavar o cascalho e os entulhos dos rios por meio de guindastes até grandes distâncias. Introduziu o uso de peneiras, macacos, sondas e bombas para a mineração. Promoveu o fabrico de pólvora para o uso local, aproveitando as abundantes minas de salitre existentes no lugar. Fundou a fábrica de fundição de ferro, no Morro do Pilar.

    Joaquim Felício também narra a este opisódio: "E havia quadros alusivos ao objeto da festa: no primeiro carro, e na dianteira da enramada caixa aparecia a adorável efígie de S.A.R., tirada muito ao natural rodeada de emblemas daquelas virtudes que mais ornam o trono. No segundo carro aparecia o intendente Câmara segurando a Órdem Régia que mandava erigir a fábrica. No continente de seu semblante se mostrava a alegria por aquela ocasião de bem público. Em seguida, vinha a fábrica, representada por uma dama semidesmaiada recebendo setas que lhe eram atiradas conta o peito ( os detratores do empreendimento), depois os ciclopes trabalhando em forjas e calcando a inveja, na figura de horrenda mulher lançando serpentes pela boca. Mais adiante, diz o documento: Cada um quer ver e pasma com o retrato de S.A.R. este é o nosso sobernao que mandou fazer o ferro."

    O cortejo foi ao armazém da Real Extração descarregar os primeiros ferros para o trabalho na mineração.

    Câmara governou o Tijuco durante 15 anos até 1823, foi nomeado deputado á assembléia constituinte.

    Fatos importantes marcaram o governo do intendente Câmara como o fim do despotismo no Tijuco pelo famigerado livro da Capa Verde, que era o terror da população do distrito. No ano de 1821, o povo se revoltou contra a Coroa e se libertou queimando o Livro da Capa Verde na praça pública, festejando a sua liberdade com danças, vivas, fogos de artíficios e bandas de músicas pelo Arraial. Missas e Te Deum marcaram o fim do terror no Tijuco.

    Importantes visitantes europeus chegaram ao Tijuco como o inglês John Mawe, o Wilhelm Ludwig Von Eschwege, Saint-Hilaire, Johann Baptista Von Spix e seu amigo , o médico naturalista Karl Friedrich Von Martius.

    A independência do Brasil logo em seguida no ano de 1822, "o povo do Tijuco afetados pela dança de São Guido ou de delírio erótico. Um riso geral animava os olhos e movia os lábios e o corpo de todos os homens: ninguém se via que estivesse ou mudo ou quieto: o melancolismo sério e frouxo desapareceu. Tem notícia então da primeira serenata em Diamantina: "Seguiu-se logo iluminação geral concorrendo para mais nobre fazê-la uma serenata composta de dois coros de música instrumental, de corda, etc. No adro da igreja se encheu de cidadãos vestidos luzida e decentemente da boca dos quais se ouvidam, não rumores, mas vozez muito inteligíveis entoando louvores ao Imperador brasileiro. E conta que um certo militar recitou uma curta, mas muito enérgica e sublime fala alusiva á data. As môças das janelas vizinhas modulavam vivas, arremessando ao ar seus lenços por lhes faltarem flôres: pareciam alegres passarinhos, pedindo alvíssaras, por terem anunciado o novo dia"

    Câmara muda-se para a Bahia, decai a Real Extração, a administração diamantina é extinta (1832), a população passa a garimpar concorrendo juntos com as companhias particulares. O Tijuco eleva-se a cidade com o nome de Diamantina. Do livro Passeio a Diamantina, Almeida, Lucia Machado de.