Galo de trinta anos

16-03-2011 07:57

Um de seus amigos residente num distrito da cidade, o convidou e mais alguns companheiros, para comerem um puxado molho pardo e apreciarem uma pinga de mais de trinta anos. Este era o ponto alto do almoço, conferir a certidão de idade da branquinha, que viera pela boca do fabricante ao anfitrião. No dia marcado apareceu com os outros convidados, para degustarem o delicioso uísque nacional.  Depois das apresentações do estilo a todos familiares com o clássico muito prazer, as mais dez vezes uma mentira convencional, começaram a provar a caninha que envelhecera três décadas para regalo dos apreciadores. Tomada aos goles como néctar dos deuses o nosso hábil artista, fabricante de taças para conter estes preciosos líquidos, e que se gabava de conhecê-lo pelo paladar á idade, duvidou da velhice da cachaça. Enquanto o aperitivo corria na sala nos cálices transparentes, lá dentro na panela chiava o velho galo. Destronado, por um frango ousado e atrevido, agora sem império no galinheiro, seu fim seria aquele, acompanhar o farrancho do natalício da “azulzinha” e ser sacrifício em holocausto aos visitantes. De carnes duras atiçavam fogo a vontade, puseram prego, folha de mamão, bicabornato para que cozinhasse depressa, mas a ave resistia . Que esperavam de um galo que já perdeu as esporas em pernas cheias de escamas, cristacaldas e encaroçada, mal cantando pela madrugada e assim mesmo olhe lá, sem repinicar. Não tinha mais fôlego para dar um nó de peito com substância e entusiasmo. Como nos velhos, agora tudo era bagaço. Os músculos perdem a elasticidade e se enrijessem, as artérias endurecem e calcificam, a pele escorrilha e pergaminha. Os pêlos caem e entra a série dos postiços com alguma babados cantos da boca. Da peruca ao olho de vidro, da dentadura a funda, tudo anuncia a velhice maior castigo de Deus dá ao homem. Fica na vida como inútil, ora batendo as dentaduras ou se coçando, implicando com tudo e arrastando os chinelos enfiado num pijama. Para a terra consumir gente de mais janeiros, tem que dar um durão, porque a carne não tem sabor e já cheira a mofo. Assim era o pobre galo. O almoço atrasara porque teimava em não se deixar cozinhar. Lá pelas tantas o puseram assim mesmo na mesa, meio lá meio cá porque o pessoal já tinha o estômago gritando. Nosso artista do buril era também artista no comer e aferrou-se com unhas  e dentes ao molho pardo com angu. A empreitada estava difícil. Nisto dele se aproxima o anfitrião e vendo o tomar um gole da pinga perguntou-lhe! Que tal a cachaça de trinta anos? Ele pelejando para cortar um pedaço do galo que lhe tocara, ainda bem duro e gaguejando um pouco, respondeu sem rebuços: “O galo pode Ter trinta anos, mas a cachaça não tem não”.

Salus, Voz de Dtna,  1970.