Isidoro, o Mártir

29-08-2013 23:50

No meu tempo de estudante em Diamantina, contou-me o velho Raimundo, cozinheiro do Seminário desta cidade, a interessante lenda dos diamantes do escravo Isidoro.

 Esse tal Isidoro, era um negro que tinha sido escravo, e que passou a minerar, por conta própria em vários ribeirões que banha a lendária cidade de Diamantina e região, lá pelo ano de 1800.

 Apanhado e processado como contrabandista foi o Isidoro remetido ás galés. O negro tratou de disfarçar os seu sentimento, o seu ódio e sua vida, para depois fugir para vingar-se. Aparentou resignação e submissão, de modo que os guardas, aos poucos, tinham-no em conta de preso exemplar e de confiança. E foi, então, que Isidoro limou as algemas e...meteu os pés ao mundo... Viva a Liberdade! Voltou á vida de garimpeiro, ele que era mestre naquela arte, e me breve se tornou chefe de outros negros que também tinham fugido das galés.

 Isidoro tinha sentimentos de honra e de honestidade, e nunca permitiu que os seus homens garimpassem em terras que tivessem dono. Mestre, como já dissemos, na arte de garimpar, conseguiu em pouco tempo ajuntar numerosos e explêndidos diamantes, que o tornaria mais rico do que o próprio rei de Portugal, então senhor daquelas terras.

                                   Ao fundo o Pico do Itambé e a Mata do Isidoro - foto Erick/2010

 Um dos companheiros, entretanto, o traiu denunciando-o ás autoridades de Diamantina. Os guardas assaltaram-no nos arredores da cidade. Isidoro resistiu, como uma fera, mas acabou sendo ferido e amarrado á barra do tribunal. 

 O Intendente Câmara mandou atormentar o negro para que lhe dissesse onde tinha garimpado e onde estavam os diamantes e quem era os brancos que compravam os seus diamantes. Queria também que revelasse o esconderijo dos seus companheiros.Os duzentos açoites, no Largo do Rosário, em chagas, Isidoro resistia em silêncio. O negro negou-se a fazê-lo. Depois de  várias sessões de tortura, flagelado nas piores formas desumanas de castigo e para que os tormentos não os obrigassem a trair os seus companheiros, ele mesmo cortou a própria língua. No dia seguinte quase moribundo, o Intendente Câmara fustigado pelo remorso pediu-lhe perdão. Nos últimos momentos  de agonia quis falar qualquer coisa ao Intendente e morrendo pouco depois na prisão e levando para a eternidade o segredo dos diamantes que nunca apareceram. 

  Neste dia da morte de Isidoro, os tambores ecoaram nos vilarejos, nos quilombos, nas grupiaras, nos ribeirões, era o chamado dos seus ancestrais que vieram para levar a alma de Isidoro. Os batidos dos tambores foram tão ritmados que os batuques não pararam por vários dias. E ás noites, os sons de pilões socando a terra, é o chamado da alma de Isidoro aos seus companheiros fiéis escravos que ficaram. Talvez para revelar onde está escondido os diamantes, talvez para lhe contar o que atormentou o Intendente Câmara que ficou triste pelo resto da sua vida cheio de remorso com a morte do escravo Isidoro.

 Em Diamantina é comum saírem pessoas por aquelas serras procurando o tesouro do Isidoro.  

NEIVA, R. Frei Silva, Voz de Diamantina, O Tesouro do Isidoro, pág. 1. nº5, 1961.

  "O mito do escravo Isidoro era uma forma de intimidar o branco e encorajar o negro a lutar pela sua liberdade. Muitos conflitos também foram resolvidos nos campos de batalha onde o branco conseguiu derrotá-los, mas não matar os seus heróis.O mito do Isidoro fortalecia a comunidade escrava negra a continuarem a resistirem. Talvez muitos Isidoros surgiram pela região.  

   O povo dizia: Morreu um mártir, um santo no céu e era um garimpeiro de bom coração".