João Kubitschek e outros

15-03-2011 22:53

Preliminarmanente declaro que as seguintes reminiscências, de mais de 60 anos, tiro-as de minha memória, que tenho boa, graças a Deus.

            Em 1890, viviam em Diamantina, Minhas, três irmãos: Justiniano Fernandes de Azevedo, conhecido pelo alcunha de Cadete, Augusto Kubitschek e João Nepomuceno Kubitschek. O primeiro contava pouco menos de 30 anos de idade, os dois últimos pouco menos de 40. O Cadete era prestigioso chefe político, negociante de fazendas e explorador de diamantes; Augusto, negociante também era dado á literatura, possuindo numerosos romances, que emprestava aos rapazes da cidade; por causa do romance de Zola, deu á sua casa comercial o nome de “Au Bonheur des Dames”.  Vivia sempre lendo. João Nepomuceno Kubitschek, que cursara a Faculdade de Direito de São Paulo, era professor de francês no Externato Diamantinense . Quando saiu do romance de Alexandre Herculano “Eurico o Presbítero”, dois diamantinenses , estudantes em São Paulo , ambos poetas, João Júlio dos Santos e João Kubitschek, apostaram qual deles seria capaz de reduzir a um poema aquela notável obra. Dias depois, quando leram o trabalho perante os colegas da república, João Júlio rasgou os originais do seu, dizendo: “Confesso, venceste, Kubitschek!”. Foi assim que surgiu o brilhante poema de Kubitschek “Hemenergada”.  Disseram-me em São Paulo que, nessa ocasião, Alexandre Herculano feclicitou o jovem poeta por seu poema.

            Sobre João Júlio dos Santos publicou o professor Dr. Américo Pereira, um interessante trabalho, “Auroras Diamantinenses”.

            Em 1894, houve em Minas uma disputadíssima campanha eleitoral, para eleição de Presidente do Estado. Candidatos oficiais: para presidente Crispim Jacques Bias Fortes; para vice-presidente João Nepomuceno Kubitschek; candidatos da oposição: para presidente Fernando Lobo Pereira; para vice-presidente Américo Ribeiro da Luz. Venceram, como era de esperar, os candidatos oficiais.

            João Nepomuceno Kubitschek faleceu em Belo Horizonte, de pneumonia em 1899, sendo então diretor da imprensa oficial.

            Augusto Kubitschek, teve os seguintes filhos: Júlia, casada com João Gomes de Oliveira, (João César, como era conhecido); Maria (Mariquinha), casada com o sr. Hilário Sebastião de Figueiredo; Virginia casada com o professor Juscelino da Fonseca Ribeiro Júnior (o Sica) e João Kubitschek Sobrinho, falecido em São Paulo, aos 18 anos em 1897.

            Nessa mesma época, viviam em Diamantina dois irmãos: Manoel César Pereira da Silva, abastado comerciante, prestigioso chefe político, chefe de numerosa família, e seu irmão muito mais moço, Teófilo Gomes de Oliveira, geralmente conhecido por “Teófilo César”, comprador de diamantes, assim chamado por influência do nome do irmão mais velho. O seu filho, João Gomes de Oliveira (João César) foi pai do sr. Juscelino Kubitschek, nascido em 1902.

            João César, funcionário público do Estado de Minas, faleceu em Diamantina (1904 ou 1905?), de uma moléstia do peito. No dia de seu falecimento, cercado de numerosos amigos, Elisardo Eulálio de Souza, Herculano César, Zezé Menezes e outros, em perfeita lucidez de espírito e com admirável  coragem, ergueu-se no leito e disse aos amigos: “Daqui a pouco vou morrer. Quero me despedir de vocês! Mandem vir champanhe!”  Vindo a garrafa de champanhem mandou encher os copos, empunhou um, levando-o aos lábios, dizendo aos circunstantes: “Á  saúde de vocês... Para que se lembrem de mim!”

            Pouco depois faleceu.

            Em 1903, houve em Diamantina um crime sensacional, que nunca foi devidamente apurado, apesar dos esforços da polícia, sendo então João César delegado. Cinco ou seis suspeitos foram presos e submetidos a julgamento, sendo absolvidos pelo juri, por absoluta falta de provas. Após vários incidentes judiciais – anulação do feito pela Relação de Belo Horizonte, novo júri, o processo fora aforado da comarca de Diamantina para a do Serro. Só um deles foi condenado a 30 anos, por Ter confessado cinicamente o crime, negando-se a denunciar os cúmplices-o “Quinquim da Lucas”.

            O crime foi o seguinte: apareceu morto e mutilado no subúrbio da Palha o jovem Júlio da Fonseca Ribeiro, rapaz muito estimado em Diamantina, filho de importante família, irmão do professor Juscelino da Fonseca Ribeiro Júnior.

            “Quinquim da Lucas”, depois de cumprir vários anos de prisão, requereu indulto ao Presidente do Estado, juntando como documento uma carta da veneranda mãe da vítima, concedendo-lhe o perdão. O Presidente deferiu o pedido do cirminoso que havia cumprido mais de metade da pena. “Quinquim de Lucas” manteve-se sempre em absoluto mutismo quanto aos seus cúmplices, que deviam ser vários, tais circunstâncias do crime, que devia Ter sido cometido no bairro da Samambai, tendo sido depois carregado o cadáver para uns penhascos na Palha, distante uns quatro quilômetros. Como dissemos acima, por falta de provas tinham sido absolvidos pelo Juri os outros suspeitos Maria “Bicicleta”, “Raimundo Perta-Pé” e “Modesto da Corte”. Detalhe interessante: Maria “Bicicleta”, paupérrima, pobre mendiga, foi defendida por caridade, pelo brilhante poeta, Edgar da Mata Machado, que faleceu quatro anos depois, em 26 de fevereiro de 1907, contando 28 anos de idade.

            Nota interessante. A mais importante casa comercial de Diamantina e do Norte de Minas durante mais de meio século. “O Grande Empório do Norte”, de Mota & Companhia, que se dissolveu há mais de 50 anos, pelo falecimento de seu fundador, o honrado português João Francisco da Matta, tinha como marca secreta o nome Kubitschek, para marcação dos preços das compras feitas no Rio e alhures. As letras desse nome era considerados como algarismos: 1,2,3,4,5,6,7,8,9, desprezado o último K. O zero era representado por uma pequena cruz. Exemplifiquemos. Se um objeto fora comprado no Rio por 455$000, era marcado: itt +++; 690$000, se ++++ e assim por diante.

Arno Ciro, Voz de Diamantina, Tempos Idos, pág. 1, 1957.