Joaquim Felício dos Santos

12-06-2012 18:21

JOAQUIM FELÍCIO DOS SANTOS

 
Texto produzido por Luciana Alves França e Raquel Elisa Vianna
 
Dados biográficos
 
Joaquim Felício dos Santos nasceu na Vila do Príncipe, atual cidade do Serro/MG, a 1º de fevereiro de 1828. Seu pai era funcionário da Real Fundição de Ouro Preto, teve cinco irmãos, dentre eles, Dom João Antônio dos Santos - primeiro Bispo de Diamantina.
 
Cursou os preparatórios no Colégio dos Lazaristas, em Congonhas do Campo / MG e, aos 22 anos, bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de São Paulo, em 1850. Após a conclusão dos seus estudos, retornou à Diamantina, entregando-se à Advocacia, tendo adquirido notoriedade como reputado causídico, especialmente defendendo a causa dos pobres.
 
Casou-se com sua sobrinha, em 1855, com quem teve cinco filhos. Lecionou História, Geografia, Francês e Matemática no Ateneu de São Vicente de Paulo (1852-1863). De parceria com seu cunhado, funda o periódico "O Jequitinhonha", cujo primeiro número circula na data de 30/12/1860, sendo veículo de forte crítica à política no Império. Sem matéria paga, com as colunas franqueadas gratuitamente, a publicação visava interesses coletivos.
Apresentou, ainda, intensa atividade literária, publicando um conjunto de obras, das quais se destacam: Acaiaca, romance indígena (1868), Memórias do Distrito Diamantino (1868), novelas e contos como Cenas da vida do garimpeiro João Costa (1862), Os invisíveis (1861), Braz (1862), Poção do Moreira (1862), Um manuscrito velho (1863), para o teatro, O intendente dos diamantes (1861) e John Bull (1863) e sátiras políticas como Páginas da história do Brasil escritas no Ano 2000 (1868) e Inferno (1874).
 
É um dos fundadores da Sociedade Patrocínio de Nossa Senhora das Mercês, criada a 11/06/1870, destinada a auxiliar na emancipação dos escravos e do Clube Republicano, organizado em outubro de 1888.
 
Em 1863, na condição de filiado ao Partido Liberal, elege-se Deputado Geral pelo sexto Distrito de Minas Gerais. Em 1864, apresentou projeto de reforma constitucional propondo a extinção da senadoria vitalícia, a adoção do mecanismo de eleição popular para a escolha dos senadores e a abolição do Poder Moderador, mas seu projeto não foi julgado objeto de deliberação na Câmara.
 
Em 1889, recomendado pelo Partido Republicano, é classificado em 1º lugar, na chapa do partido, e em 2º no resultado geral da eleição, figurando na lista tríplice. A escolha do Imperador recai no menos votado, pois Felício dos Santos era ardoroso crítico da Monarquia.
 
Proclamada a República, o Governo Provisório designou Felício dos Santos para integrar a comissão que redigiria a lei eleitoral, porém o Governo rejeitou seu parecer, devido às ideias liberais nele introduzidas. Elegeu-se Senador Constituinte Federal em 1890, tendo presidido os trabalhos da Assembleia até a eleição do Presidente efetivo. Exerceu o mandato até 1893, devido à precariedade de seu estado de saúde. Acompanhou os trabalhos de elaboração da Constituição de 1891, mas não a subscreveu.
 
Falece em Biribi, no dia 21 de outubro de 1895, sendo ali sepultado.
 
Produção bibliográfica de Felício dos Santos em Direito Civil
 
1) Apontamentos para o Projeto de Código Civil Brasileiro (1882)
2) Projeto do Código Civil e Comentários (1884-1887)
3) Projeto do Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil (1891)
 
Contexto histórico da elaboração dos "Apontamentos"
 
Felício dos Santos remete ao Ministério da Justiça, em março de 1881, manuscrito dos Apontamentos para o Projeto do Código Civil Brasileiro, tendo consumido três anos para elaboração e redação deste. Em 04/07/1881, uma comissão de jurisconsultos, composta por Lafayette, Ribas, Coelho Rodrigues, dentre outros, é incumbida pelo Imperador de opinar sobre os Apontamentos, emitindo Parecer a 27/09/1881:
 
"Os apontamentos conquanto de muita valia e grande mérito, se no tocante ao método não atendeu cumpridamente aos reclamos de uma classificação científica, redime-se em algumas disposições com a qualidade da concepção jurídica, concluindo que tendo os Apontamentos para o Código Civil Brasileiro subido mérito como trabalho preparatório, pode seu autor, retocando-os com arte, aparelhar um projeto em condições de franca revisão; no ponto em que param não subministram base suficiente."
 
O Projeto "Apontamentos" de Felício dos Santos caracterizou-se pela minúcia expositiva, mas sem método próprio e sem concepção de conjunto.
 
A Comissão é considerada permanente a 09/11/1881 e, integrada com o autor Felício dos Santos, recebe o encargo de elaborar o projeto definitivo. Mas, diante da constatação da inutilidade de qualquer esforço para que a Comissão funcione, Felício dos Santos pede a sua demissão em 03/03/1882. O autor não recebeu qualquer remuneração por seu trabalho.
 
Decepcionado com a morosidade administrativa, em ofício de 16/03/1882, oferece à Assembleia Geral um Projeto de Código Civil que em 21/03/1882 é apresentado por um grupo de deputados mineiros. Julgado objeto de deliberação, ficou o Projeto retido na Comissão Especial até 1886, quando um parecer contrário, deu causa à sua rejeição.
 
De 1884 a 1887, revidando críticas, Felício dos Santos aprefeiçoa sua obra jurídica com os Comentários ao Projeto do Código Civil Brasileiro, em 05 volumes.
 
Em sessão do Senado, de 11/07/1891, Felício dos Santos apresenta como projeto o Código Civil de sua autoria, revisto e adaptado ao novo regime. Subscrevem o projeto, entre outros, os senadores Rui Barbosa e Amaro Cavalcanti. Da comissão de Legislação e Justiça, o projeto é enviado a uma comissão especial, cujos membros deixam esgotar o tempo do mandato sem dar o parecer.
 
Outra proposição apresentada ao Senado, em 19/09/1891, mandando adotar o projeto de Felício dos Santos chega a ser aprovada em 1ª discussão, mas entende a comissã0 técnica e o plenário que se deve aguardar o projeto que o Governo Provisório encomendou a Antônio Coelho Rodrigues. Também na Câmara, em 1894, renova-se idêntica providência, prestigiada por 43 deputados, porém, a Comissão, em Parecer de 07/06/1895, impede que o Projeto converta-se em lei.
 
 
 
Trechos da Obra do Civilista e Comentários
 
A comissão de juristas de 1881, ao dar parecer sobre o Projeto "Apontamentos" de Felício dos Santos, propusera a classificação chamada alemã. No projeto apresentado pelo civilista, a classificação era a seguinte:
 
I - Direito Civil (propriamente dito)
a) Direito das coisas
b) Direito das Obrigações
 
II - Direito de Família
a) No presente: puro e aplicado (direito de família propriamente dito)
b) No futuro: sucessão legítima e sucessão testamentária
 
A comissão, porém, atacou com violência essa divisão.
 
O Projeto "Apontamentos" de Felício dos Santos dispunha, em seu art. 4º, in verbis:
 
"Não se considera revogada a lei com o seu desuso, com o uso em contrário ou por ter cessado a sua razão de ser."
 
Norma essa, cujo conteúdo parece ter sido retomado, numa redação diversa, no art. 2º da LICC.
No seu projeto, também, pôde ser percebido um recuo ao direito natural, notado em seu art. 53 sobre os "princípios gerais do direito natural".
 
Os artigos 2136 e 2137 do Projeto "Apontamentos" de Felício dos Santos inspiraram o art. 1232 do Código Civil de 1916 que se referia à "Locação de Serviços".
 
Na Parte de "Privilégios", o art. 1559, que provém com o art. 1558, também inspirados do Projeto de Felício dos Santos (arts. 2513 e 2514), não se referem a prazo, o que constitui um defeito da lei brasileira; segundo Pontes de Miranda.
 
No capítulo de "Tutela", os arts. 422 e 429 foram inspirados no art. 852 e 861 do Projeto de Felício dos Santos, com emenda do Senado Federal: "menores" em vez de "órfãos".
 
Do Projeto "Apontamentos" de Felício dos Santos provém os arts. 132, 235 (em parte), 261, 275, 288, 461, 497 (1ª parte), 1210 (Code Civil, art. 1758), 1220, 1227, 1228 (involução, se o compararmos com as Ordenações do séc. XVII, de acordo com Pontes de Miranda), 1229, 1231, 1232, 1234, 1334 (1ª parte), 1404, 1422, 1567 e 1617 do Código Civil.
 
Embora Felício dos Santos tenha se recolhido na sua chácara de Bicas, durante três anos, afastado do convívio social, para realização do Projeto de Código Civil (Apontamentos), mostrando bastante entusiasmo e dedicação a tal tarefa, pois acreditava na integridade da lei e na dignidade da pessoa humana, seu trabalho, ao longo do tempo, não recebeu grandes elogios jurídicos, não reconheceram nele manifestação de excepcional qualidade jurídica ou de originalidade, tendo influenciado a concepção de artigos esparsos no Código Civil de 1916 (Projeto Bevilaqua), sendo que a contribuição de maior peso para a codificação de 1916, dentre os projetos nacionais anteriormente elaborados foi, sem dúvida, o Esboço de Teixeira de Freitas.
 
Bibliografia
 
CÂMARA, José Gomes B. Subsídios para a História do Direito Pátrio. Tomo III (1822 - 1889). Livraria Brasiliana Editora. Rio de Janeiro, 1966.
 
ROBERTO, Giordano Bruno Soares; FIUZA, César PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS. Direito civil: análise da adequação do novo código ao momento atual do direito brasileiro. 2003 160 f., enc. Dissertação (mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Faculdade Mineira de Direito.
 
MARTINS, Marcos Lobato. Um arauto da modernização republicana nas Minas Gerais: o pensamento político de Joaquim Felício dos Santos. Publicado em LOPES, Marcos Antônio (org.). Grandes nomes da história intelectual. Editora Contexto. São paulo, 2003. (p. 465-480). Disponível em www.minasdehistoria.blog.br. Acessado em 11/10/2010.
 
PONTES DE MIRANDA. Fontes e Evolução do Direito Civil Brasileiro. 2ª edição. Editora Forense. Rio de Janeiro, 1981.
 
SANTOS, Joaquim Felício dos. Memórias do Distrito Diamantino da Comarca de Sêrro Frio (Província de Minas Gerais). Coleção Brasílica, vol. Nº 1, 3ª edição, Edições O Cruzeiro, 1956. Estudo Biográfico de José Teixeira Neves (p. 19-30).