Luz de Diamantina
Eram poetas repentistas do mesmo tempo: amigos a principio, tornaram-se inimigos para o fim da vida.
Carlos Barbosa estava um dia, em um salão, quando surgiu Bocage, que sempre era ferida na ausência pelo competidor; e, nessa ocasião, uma dama, para observar a veia satirica dos dois poetas, deu a seguinte glosa:
Eu vi nos braços da aurora
O sol tremendo com frio.
Carlos levantou-se e glosou de improviso:
Tenho visto até agora
Mil coisas que são portentos:
Trinta velhas rabugentas
Eu vi nos braços da aurora.
Vi desandar uma nora,
Voltar para trás um rio,
Velas arder sem pavio
Vi um defunto a correr
Só me fala agora ver
O sol tremendo com frio!
Toma a palavra Bocage:
Se isto vai de fóz em fora
Também com luz diamantina
Vi surgindo a matutina
Eu vi nos braços da aurora.
Só me falta ver agora
O caranguejo de um rio,
Lobos passear no Rocio,
Cantar modas um macaco,
A lua a tomar tabaco,
O sol tremendo com frio.
ZN., Voz de Dtna, 1952