Luz de Diamantina

16-03-2011 23:00

Eram poetas repentistas do mesmo tempo: amigos a principio, tornaram-se inimigos para o fim da vida.

Carlos Barbosa estava um dia, em um salão, quando surgiu Bocage, que sempre era ferida na ausência pelo competidor; e, nessa ocasião, uma dama, para observar a veia satirica dos dois poetas, deu a seguinte glosa:

Eu vi nos braços da aurora

O sol tremendo com frio.

Carlos levantou-se e glosou de improviso:

Tenho visto até agora

Mil coisas que são portentos:

Trinta velhas rabugentas

Eu vi nos braços da aurora.

Vi desandar uma nora,

Voltar para trás um rio,

Velas arder sem pavio

Vi um defunto a correr

Só me fala agora ver

O sol tremendo com frio!

Toma a palavra Bocage:

Se isto vai de fóz em fora

Também com luz diamantina

Vi surgindo a matutina

Eu vi nos braços da aurora.

Só me falta ver agora

O caranguejo de um rio,

Lobos passear no Rocio,

Cantar modas um macaco,

A lua a tomar tabaco,

O sol tremendo com frio.

ZN., Voz de Dtna, 1952