Mais sobre o carnaval antigo

16-03-2011 08:21

Lembram-se os nossos patrícios antigos que nos visitam, agora, daquele bolo de arroz, tão apreciado e procurado antes e depois da missa da madrugada, aos domingos, na velha e saudosa Sé?

Quem o fornecia, quentinho, apetitoso, com café, era, a princípio, a Alexandrina, depois a Herculana, e nos últimos tempos, as saudosas Maria Georgínia, Julinha, Cosfa e outras.

E as festas religiosas? Havia os tradicionais mastros arrojados, com fogueiras da nossa canela, excelente combustível dos nossos campos, onde nascem também as modestas sempre-vivas, hoje fidalgas, pelo apreço que têm no estrangeiro.

Ruidoso rufo de caixas tocavam dois ou três pretos, desde a madrugada, pelas ruasda cidade, ao mesmo tempo, que uma banda de música, em alvorada,, depois do bolo com café, percorria as ruas da cidade. A pirotequinia era exagerada, com filas e filas de fogos trancafiados, parecendo extensas grades de ferro, sobressaindo os castelos de fogo multicorese morteiros.

No gênero de danças tradicionais, imperavam os caboclinhos, marujada, catopês (esta só na festa do Rosário), e o grotesco boi pintado, feito de jacá, coberto com uma colcha de chitão.

A original dança de velhos era mui rara.

Coisa que comovia! Quando saía o Santo Viático, para um enfermo, em perigo de morte, que solenidade!

A porta do doente, se destacava, aos olhos dos transeuntes, pela cortina vermelha que a guarnecia, e pela clarinha areia-pérola das praias do Rio Grande, espalhadas em montículas pelo chão, com folhas de café. O bendito, cantada pelos fiéis que acompanhavam o Santíssimo, á noite, enternecia, emocionava mesmo as almas! As janelas das casas das ruas, por onde passava o Viático, todos, sem exceção, todos os moradores traziam a luz que tinham em casa: fossem velas, lampiões ou lamparinas.

Outras festas simpáticas e atraentes dos saudosos tempos era a dos Cruzeiros, em maio e junho. Erguiam-se arcadas de bambús, guarnecidas de guarda-momo, e enfeitadas com as flores vermelhas do papagaio indígena. Usavam-se lanternas multicores pelas arcadas, e também candeias de azeite fumarento ao pé da cruz, feitas de argila vermelha ou mesmo de cascas de laranja azeda, seca.

A folia do Divino, que saia, no Sábado de Aleluia, da igreja do Amparo (naquele tempo Capela Imperial), compunha-se de um bando precatório, de moças com a bandeira deo Divino, acompanhada por alguns músicos, que tocavam uma composição original, sem compasso, introduzida no Tijuco desde tempos coloniais, e cujo uso até hoje, é conservado, por ocasião da tradicional festa.

Essa música esquisita dava um que de solenidade aos atos diversos da festa, principalmente no imponente império!

Os trajes eram a rigor, para que se pudesse tomara parte no cortejo imperial. Não tomariam parte nele os cavalheiros que não envergassem casaca, luvas brancas, botinas de polimento e a clássica cartola.

E os casamentos então?

De ordinário realizavam na igreja, e observava-se, á risca aquela formalidade de antecederem aos noivos, no cortejo nupcial, as damas e cavalheiros de braços dados, até a igreja, á cuja porta os aguardava uma das bandas sociais. Era também costume espalharem areia, desde a porta da residência da noiva, á porta da igreja, onde se realizava a cerimônia. Os convidados levavam o noivo á casa da noiva.

Diamantina antiga se celebrizava pelos castelos (serenatas). Estas era a delícia dos namorados apaixonados, em noite de luar de prata. Os trovadores das horas mortas da noite eram consagrados, e as modinhas, “A ti flores do céu”, “Acorda minha beleza” e outras eram apreciadíssimas pela população.

Antigamente Diamantina tinha duas bandas de música: Corão e Corinho, Houve depois também a Banda Comercial.

As tardes dos domingos, realizavam-as ensaiadas retrêtas no alto do Gupiara, alternadamente, e onde se reunião muitos apreciadores da boa música.

Nesse tempo, impunham-se os cigarros de fumo de corda, desfiado, do João Quati; as almôndegas e a pinga no casebre da tia Plasta, no Beco da Tecla; os biscoitos de goma da Chiquinha  Chicoteira, como os biscoitinhos do Caetaninho do Palácio, companheiro de casa do João da Rita (João Henrique Costa, músico e autor das Efemerides Diamantinenses). Tempos depois, fizeram época os caragés da Frutuosa Pau de Sebo e da Maria Celestina.

Na Praça Barão de Guaicuí, realizavam-se, de vez em quando, as célebres Cavalhadas, em belos cavalos enfeitados.

O pau de sebo era a delícia do povo, á custa do fracassos dos pobres moleques que tentavam galgar ao extremo do poste ensebado, para apanhar as notas. Também o Judas, no Sábado de Aleluia, era e ainda é uma diversão sui géneris, na terra.

Era costume, sobre certo sigilo, colocar-se na barriga do boneco judas, feito de pano e capim, uma caixa de maribondos, para afugentar os garotos, quando estes se investiam de pau contra o Judas, ao ser despedaçado pelas bombas. As moedas de cobre antigas (caianos, como as chamavam), eram atiradas, aquecidas, aos moleques, que aguardavam, em infernal algazarra, o suplício do Judas.

            Devo agora falar do entrudo e do Carnaval daqueles tempos, entre nós. O entrudo era grosseiro, incômodo, incivil e perigoso á saúde. Jogava-se água, havia banhos em coxos d’água, caiação no rosto e as tais seringas de folha  ou de bambú, com que maltratavam os pobres transeuntes. O Carnaval em Diamantina, era, porém, divertido, pelo número de máscaras interessantes, críticas que faziam, e pelas entusiásticas passeatas, que se realizavam, ás tardes, partindo do teatro velho de S. Isabel. Os bailes familiares no mesmo teatro, embora, públicos, eram respeitados, mas, em compensação, havia o salão do povo cachorro, se bem que, naqueles tempos, não se conhecia o imoral e depravado maxixe. Pouco depois, inventaram o cinzeiro livre, onde dançavam as meretrizes fantasiadas. Era todo velado, mais debaixo do mesmo teto do teatro, onde dançavam famílias. Que contraste!...

(do livro inédito do prof. J. Augusto Neves), Voz de Dtna, 1949.