mineração em diamantina 2

19-07-2015 11:49

rs por semana na escritura de locação de serviços.36 Também em 1857, no dia 12 de março, Maximiniano Antônio da Costa Pinto alugou seus serviços para Rodrigo de Souza Reis, pelo jornal diário de 2$000 rs., de modo a pagar a quantia de 195$900 rs. que Souza Reis havia pago para quitar as dívidas de Maximiniano com Bernardino da Cunha Ferreira e João Nepomuceno de Aguilar. Pelo contrato, Maximiniano daria a Souza Reis metade de seu salário em pagamento da dívida.37 No dia 20 de setembro de 1880, Luciano Barbosa de Andrade, mineiro, residente em São Gonçalo, engajou os serviços de seu filho Luís a José Jerônimo de Castro Peres (mineiro, residente em Diamantina), pela quantia de 171$000 rs. Luciano Andrade devia a referida quantia a Jerônimo Peres e, para pagá-la, locou os serviços de seu filho de 16 anos pelo jornal de 4$800 rs por mês, que seria integralmente aplicado para o pagamento da dívida. No contrato, Luciano Andrade se obrigava a não tirar sob qualquer motivo ou pretexto o menino do serviço de mineração enquanto não ocorresse a quitação da dívida.38 Que tipos de trabalhos fizeram nas lavras de diamante os escravos e os homens livres no século XIX? Escusado dizer que os labores nas lavras eram manuais, tradicionais, pesados, concentrados na estação seca do ano. Há descrições longas e detalhadas das tarefas que a extração do diamante exigia, bem como das técnicas utilizadas nas catas. Entre os viajantes estrangeiros, Auguste de Saint-Hilaire (1974) deixou pormenorizadas anotações a respeito. Para os garimpos de “massa”, que predominaram na área de São João da Chapada, Aires da Mata Machado Filho (1980a) descreveu as técnicas empregadas até os primeiros decênios do século XX. Aqui, para não cansar os leitores, opta-se por apresentar uma síntese dos trabalhos nas lavras seguindo a narrativa de George Gardner, referente a serviços de mineração nas margens do Rio Jequitinhonha. De início, o viajante inglês assinala os diferentes tipos de solo presentes nas lavras e os processos de decapeamento do terreno em busca do cascalho diamantífero. Diz o viajante: As diferentes espécies de solo que foi mister perfurar antes de alcançar o depósito em que se encontravam os diamantes foram, em primeiro lugar, cerca de vinte pés de um terreno arenoso e avermelhado, que era quebrado por enxada e depois carregado para o rio por uma corrente vinda que servia para mover a roda d’água; abaixo deste encontravam-se cerca de oito pés de uma argila amarela e dura, que era cavada com enxada e carregada na cabeça dos negros, em gamelas de pau, de pé e meio de diâmetro, por falta de carrinho de mão, que é aqui desconhecido; por baixo desta argila aparecia uma camada de areia avermelhada e grossa, com dois pés e meio de espessura, sob a qual estava o solo peculiar 36 BAT. Escritura de locação de serviços, Livro de Notas n. 8, Cartório do 1º Ofício, 1857, maço 44, fls. 45v-46v. 37 BAT. Escritura de contrato, Livro de Notas n. 8, Cartório do 1º Ofício, 1857, maço 44, fls. 57v-58v. 38 BAT. Escritura de locação de serviços, Livro de Notas n. 36, Cartório do 2º Ofício, 1880, maço 161, fls. 131v-132, 18 que contém diamantes. Quando esta formação diamantina consiste de pedregulho solto, chama-se cascalho na linguagem dos mineiros; e, quando encontrada na forma de um conglomerado ferruginoso, dão-lhe o nome de ganga. Esta camada varia de um a quatro pés de espessura e o cascalho de que se compõe consiste de pequenos seixos de rocha primitiva, os quais por sua forma redonda e polida, evidentemente formaram em época remota o leito de uma corrente d’água. Estes seixos são de vários tipos, mas, quando aparece grande quantidade de esmeril preto, variedade de turmalina, o cascalho é considerado rico em diamantes. O cascalho geralmente jaz sobre um substrato de uma espécie de argila dura chamada piçarra, em baixo da qual se encontram as sólidas rochas xistosas que preponderam geralmente em todo o distrito do diamante (GARDNER, 1975, p. 204). O trecho citado possibilita avaliar a quantidade de material estéril que as maiores lavras produziram: terra, areia e cascalho que foram depositados sem maior cuidado ao lado dos cursos d’água, quando não diretamente jogados na corrente. Também dá ideia do trabalho pesado necessário para se alcançar o cascalho ou a ganga. Fornece ainda evidência dos conhecimentos por assim dizer intuitivos que os mineradores usavam para definir onde cavar e se valia a pena ou não insistir em um determinado terreno. Uma vez alcançado o cascalho diamantífero, o material era retirado da cata para ser submetido ao processo de lavagem, meio para realizar a “apuração” do serviço, isto é, separar o diamante e o ouro. Processo meticuloso, que exigia olho treinado e muita atenção, além de hábil utilização da bateia. A primeira fase da lavagem, para a retirada da lama e das maiores rochas, feita no interior dos bacos, foi descrita por Gardner da seguinte forma: Desta maneira se faz a lavagem do cascalho: ao longo de um lado dum tanque d’água coloca-se uma fileira de onze cercados, de três pés quadrados, feitos de estacas fincadas no chão, com o lado perto da água muito mais baixo que os outros; o fundo é feito de argila bem batida: estes cercados são chamados bacos e em cada um deles um escravo, ali estacionado para esse fim, lança uma porção de cascalho; bem em frente de cada baco fica um escravo com água pelos joelhos, munido de um grande prato raso de madeira, a bateia com que atira com toda força água sobre o cascalho: por este modo e remexendo-o a intervalos frequentes com uma pequena enxada, liberta-se o cascalho da terra e areia com que se mistura, retirando-se as partículas maiores de pedregulhos que surgem à tona. É neste processo que se encontram os maiores diamantes. Bem defronte destes bacos, a uns três pés acima do nível do chão, levantam-se assentos separados para dois fiscais, armado cada qual de um grande chicote de correias, em rigorosa vigilância para que não se furte nenhum diamante. O trabalho dura desde a manhã até as quatro horas da tarde, quando o cascalho, assim lavado e purificado, é retirado dos bacos, e levado à beira de pequena corrente de água para ser finalmente lavado (GARDNER, 1975, p. 204). 19 Convém ressaltar que a lavagem do cascalho requeria, nas grandes lavras, uma vigilância constante e intensa sobre os cativos, tarefa que cabia a feitores. Nos serviços de garimpo, nos quais predominavam trabalhadores livres, a vigilância do feitor era substituída pela força da noção de “camaradagem” entre os garimpeiros, assentada nos valores de lealdade e solidariedade que deviam presidir a convivência entre os integrantes da turma de garimpo. A segunda fase da lavagem, que consiste na apuração propriamente dita, permite separar os diamantes menores e o ouro em pó. Eis a descrição dessa etapa elaborada por Gardner: Acompanhando o capitão para presenciar esta operação, que para um estrangeiro é a mais interessante no processo de mineração do diamante, encontrei sete escravos sentados junto a um pequeno canal de quatro pés de largura, com as pernas na água até os joelhos: chama-se esta corrente a lavadeira. Cada um dos escravos tinha um grande prato raso feito de pau, semelhante ao usado na lavagem do cascalho grosso, no qual é lançada uma pá de cascalho purificado por um escravo para esse fim estacionado atrás dos outros. Feito isto, o lavador enchia de água a bateia e, fazendo-a girar de modo peculiar por sobre a superfície da corrente, o cascalho maior vinha à tona e era cuidadosamente examinado. Repetido isto várias vezes, punha então a bateia sobre os joelhos, com o direito muito mais baixo que o esquerdo, e com a mão lançava água no cascalho fino, que era então levado com grande cuidado para dentro do canal, até a bateia ficar inteiramente vazia: é por este último processo que se podem encontrar os diamantes. Uma pequena bateia com um pouco d’água estava posta num baixo suporte entre os dois fiscais e ali se lançavam os diamantes que se iam encontrando, e que nesta ocasião somavam onze, todos eles porém pequenos. No fundo das bateias sempre se encontra pequena quantidade de ouro em pé, que é cuidadosamente guardado (GARDNER, 1975, p. 204-205). Estas técnicas tradicionais de extração do diamante continuaram em uso até bem adiantado o século XX. Como no garimpo do ouro, somente nos anos 1970 as catas de diamante passaram a empregar bombas hidráulicas movidas a motores, seja para sugar o cascalho do leito dos rios, seja para fazer o desmonte de barrancos no garimpo de “massa” (MARTINS, 1997). A comercialização de diamantes: redes mercantis e de poder Tschudi notou que o “negócio de diamantes” era mais do que uma atividade econômica. Em Diamantina, havia se convertido numa “mania dos janotas”, verdadeiro emblema de masculinidade, maturidade e distinção social. É o que se depreende do trecho escrito pelo viajante: Houve um tempo em que todo mundo em Diamantina fazia negócio com diamantes (...). Hoje essa prática decresceu bastante (...). Contudo, ainda hoje é raro encontrar um jovem de boa família que não leve uma porção de diamantes em sua capanga, a fim de negociá- 20 los na primeira oportunidade. O comércio de diamantes é uma paixão entre os jovens abastados de Diamantina (TSCHUDI, 2006, v. 2, p. 154). Em 1858, os preços praticados no comércio de diamante na praça da cidade eram atrativos. Os diamantes puros de uma oitava vendiam-se por 3 contos de réis. As pedras de 2 oitavas custavam 7 ou 8 contos de réis. Já uma oitava de “mercadoria boa” vendia-se por 500 mil réis (TSCHUDI, 2006, v. 2, p. 152). Por isso mesmo, a condição de “diamantário” era bastante cobiçada, ainda que somente poucos conseguissem alcançá-la. Sobre as práticas dos negociantes de diamantes, o relato de Tschudi informa: Em Diamantina, os grandes comerciantes de diamante têm seus compradores, que viajam por todo o distrito e vão até Grão-Mogol e Sincorá [na Chapada Diamantina, Bahia] para comprar diamantes de pequenos proprietários de lavras, garimpeiros e negros. São conhecidos como capangueiros (...). Compram as pedras por conta e risco ou com um adiantamento dos grandes comerciantes e atacadistas. Em geral, esse negócio é muito lucrativo, porque eles compram boas mercadorias por preços relativamente baixos. Contudo, às vezes acontece de o preço baixar depois de uma viagem de alguns meses e, assim, eles perdem parte do capital aplicado (TSCHUDI, 2006, v. 2, p. 154). A passagem acima do relato de Tschudi é esclarecedora: em torno dos diamantários, estendiam-se imensas e capilares redes de “capangueiros”, que vasculhavam as terras diamantinas mineiras e até baianas, no afã de adquirir boas pedras. Redes assentadas em relações pessoais, nas quais a confiança e a lealdade recíprocas eram valores centrais, e os lucros e os riscos eram repartidos de maneira assimétrica. Dessa forma, os negócios de diamante eram fortemente hierarquizados numa ponta como noutra, na extração e na comercialização (MARTINS, 2004). Na cidade de Diamantina e nos seus distritos, diversos negociantes realizavam compras de diamantes levados a eles por garimpeiros e faiscadores. Augusto César Pereira da Silva, negociante de fazendas e “gêneros do país”, dono de cinco escravos, na década de 1850 possuía comércio de diamantes em seu estabelecimento, conforme indica seu inventário. Nele se vê que Augusto César possuía duas balanças de pesar diamantes com os respectivos pesos e dezessete oitavas de diamante bruto, avaliadas em 6:460$000, no momento de sua morte.39 A participação no comércio pedrista também foi o caso da loja de Salustiano Amâncio da Rocha, localizada na Rua da Quitanda, que, em anúncio no jornal Sete de Setembro de 1º de janeiro de 1887, 39 BAT. Inventário de Augusto César Pereira da Silva, Cartório do 2º Ofício, 1860, maço 163, fl. 13. 21 comunicava vender fazendas e objetos chegados recentemente do Rio de Janeiro, bem como comprar diamante e ouro.40 O mesmo fazia a Sociedade Mercantil Libano & Francelino, fundada em 3 de maio de 1894 pelos sócios Serafim Libano Horta e Francelino Alves da Silva.41 A firma objetivava negociar fazendas, armarinho, ferragens, calçados, molhados, ouro e diamantes, com loja instalada no Largo do Conselheiro Mata e capital de 60 contos de réis. O sócio Serafim Libano Horta era o responsável pelas transações relacionadas com o comércio pedrista. Especializada na compra de diamantes, a sociedade formada por José Alexandre de Souza e Licínio de Oliveira Balsamão foi registrada no distrito de Datas, em 30 de agosto de 1896.42 A firma Souza & Balsamão, com capital social de 36 contos, objetivava comprar e vender diamantes, lapidar os mesmos na fábrica de sua propriedade e vender os brilhantes em Diamantina e na praça do Rio de Janeiro. O encarregado de comprar diamantes era o Sr. José A. Souza; a lapidação ficava por conta de Licínio Balsamão e as vendas das pedras sob a responsabilidade dos dois sócios, com divisão igual de lucros e prejuízos. Esta sociedade foi desfeita em 24 de outubro de 1919, por causa da mudança de Licínio de Oliveira Balsamão para a cidade de Curvelo.43 Os maiores compradores locais de diamantes puseram propaganda nos jornais diamantinenses. Em 14 de abril de 1912, o periódico A Idéa Nova trouxe a matéria: José Neves Sobrinho & Irmão avisam aos seus numerosos amigos e fregueses que continuam a comprar diamantes brutos e lapidados pelos maiores preços do mercado, garantindo como sempre a usar de toda lealdade neste importante ramo de negócio. Continuam a mandar lapidar grande quantidade de diamantes nas principais fábricas desta cidade e nas do município. Também continuam a comprar ouro virgem, cristais e outros minérios, pagando pelos maiores preços do mercado. Escritório na sua residência, Rua Dr. Felício dos Santos, 1º andar.44 No mesmo periódico, em 26 de maio de 1912, outro diamantário publicou seu anúncio, no qual se lê: 40 BAT. Sete de Setembro, ano I, n. 17, p.4. 41 BAT. Registro de contrato de sociedade, Livro de Notas n. 22, Cartório do 1º Ofício, 1894, maço 43, fls. 19v-21v. 42 BAT. Registro do contrato de sociedade mercantil, Livro de Notas n. 19, Cartório do 1º Ofício, 1896, maço 42, fls. 86-87. 43 BAT. Registro de distrato de contrato, Livro de Notas n. 36, Cartório do 1º Ofício, 1919, maço 497, fls. 17v-19. 44 BAT. A Idéa Nova, ano VII, n. 314, 14 de abril de 1912, p. 4, maço 69, gaveta 3. 22 Daniel Lima comunica a seus numerosos amigos e fregueses que compra diamantes, carbonatos e brilhantes, pagando ótimos preços. Para sustentar o mercado tem contrato no Rio de Janeiro com uma das melhores casas desse gênero (...). Também chama a atenção dos interessados para as compras de turmalinas e águas marinhas.45 Ressalta-se no anúncio de Daniel Lima a explicitação do vínculo de dependência dos diamantários com firmas cariocas, as quais não só sustentavam esse mercado como constituíam os destinatários finais, em terras brasileiras, dos diamantes e brilhantes produzidos no município de Diamantina. No decorrer dos séculos XIX e XX, mesmo que os pequenos mineradores conseguissem garimpar sossegados, ainda assim acabariam vitimados pela ação dos chamados diamantários, os negociantes locais de diamantes, que, especialmente nas conjunturas de crise, sistematicamente “salgavam” as partidas de gemas que lhes eram oferecidas. Os grandes compradores de diamantes, como Josefino Vieira Machado (Barão de Guaicuí), Antônio Eulálio de Souza e o Comendador Serafim Moreira da Silva, aviltavam de maneira combinada os preços das pedras, prejudicando os garimpeiros. Tal expediente era possível porque, até o ano de 1912, “a compra de diamantes, em Diamantina, constituía quase um privilégio da conhecida casa dos Srs. Luiz de Rezende & Cia. do Rio de Janeiro, representando capitais ingleses, franceses e holandeses”.46 Os diamantários locais eram, na verdade, parceiros menores da poderosa casa carioca. Na década de 1920, a casa de Luiz de Rezende, representante de capitais europeus, começou a enfrentar concorrência agressiva e determinada de empresas norte-americanas, associadas com diamantários locais. Disso dá notícia a matéria publica no Pão de Santo Antônio, em setembro de 1924, transcrita abaixo: Aviso aos garimpeiros e negociantes de diamantes. Participo aos meus amigos e fregueses que acabo de firmar contrato legal com o Sr. José Neves Sobrinho, residente em Diamantina, para a compra de toda a produção de diamantes, se possível, nesse Estado de Minas Gerais. Como os preços da minha nova tabela, fornecida ao Sr. José Neves Sobrinho, são os mais altos possíveis, espero que os meus antigos e novos fregueses possam, de agora em diante, auferir os melhores e inúmeros benefícios que lhes vou proporcionar. Rio de Janeiro, 3 de novembro de 1923. J. Polak. 45 BAT. A Idéa Nova, ano VII, n. 319, 26 de maio de 1912, p. 4, maço 69, gaveta 3. 46 BAT. O Momento, 15 de janeiro de 1922, p. 3, maço 91, gaveta 6. Rastros da atuação de Luiz Rezende em Diamantina são visíveis na documentação cartorária desde 1878, ano em que ele aparece como titular de hipotecas de casas e em escrituras de venda de escravos para mineradores. BAT. Livro de Notas n. 36, Cartório do 2º Ofício, 1878, maço 161, fls. 54-55, 55v-56v e 65v-66v. 23 Eis uma constante da história da comercialização dos diamantes extraídos no nordeste mineiro: salvo curtíssimos períodos de concorrência, predominou a presença quase monopolística de um grande comprador, primeiro os contratadores, depois a Real Extração e, em seguida, nos séculos XIX e XX, os braços cariocas de empresas europeias ou norte-americanas. Não foi à toa, portanto, que a parte do leão da renda gerada pelas lavras diamantinas terminou nas mãos dos agentes do comércio pedrista. Ideia das fortunas acumuladas pelos maiores diamantários tem-se com a figura de Antônio Eulálio de Souza, talvez o homem mais rico de Diamantina na década de 1890. Proprietário de dezenas de imóveis, comerciante e político local muito influente, Antônio Eulálio angariou fortuna comprando e vendendo diamantes a partir dos anos 1860. Ele foi dono de várias concessões para exploração de terrenos diamantinos e soube usá-las para aumentar sua riqueza, aproveitando o interesse das companhias estrangeiras de mineração que chegaram à região a partir da década de 1890. A firma Antônio Eulálio & Cia. atuava no comércio atacadista e varejista, na mineração de ouro e diamantes, lapidação de pedras e na oferta de crédito. Na casa de comércio eram vendidos tecidos, armarinhos, ferragens, manufaturados, etc. Em 1907, segundo o inventário do proprietário da empresa, o saldo existente na casa era de 174:320$580 rs. O valor total dos bens imóveis de Antônio Eulálio na cidade alcançava 89:100$000 rs.; em títulos, ele detinha 12:934$000 rs em ações de empresas. Na Chácara da Palha, subúrbio de Diamantina, havia fábrica de lapidação com terrenos de plantação, pastos, moinhos e casa para operários, tudo avaliado em 10 contos de réis. Antônio Eulálio possuía ainda fazendas e terras no Serro, Teófilo Otoni e Curimataí (hoje Buenópolis), lotes diamantinos em São João da Chapada, Batatal e Angu Duro, lavras de ouro em sociedade na Fazenda da Forquilha e em Riacho das Varas (atual Conselheiro Mata).47 Altos e baixos da mineração diamantífera no século XIX A extração de diamantes nas lavras do Alto Jequitinhonha apresentou, no século XIX, fases bastante distintas que variaram da euforia ao desalento. Se se considera os volumes de produção e os preços do diamante, as mudanças na legislação minerária e os padrões de organização das lavras, pode-se propor a seguinte periodização para a atividade no Oitocentos: a) 1808 a 1832 – Primeira crise do diamante; b) 1832 a 1870 – Boom da atividade garimpeira; c) 47 BAT. Inventário de Antônio Eulálio de Souza, Cartório do 2º Ofício, 1907, maço 83, fls. 8-9. 24 1870 a 1897 – Segunda crise do diamante e; d) 1897 a 1930 – Reanimação da atividade mineradora. O período 1808-1832 corresponde à crise terminal da Real Extração, no qual houve considerável queda nos volumes das partidas oficiais de diamante. As mudanças políticas e econômicas associadas ao processo de independência do Brasil fizeram secar a fonte de recursos orçamentários que alimentava a Real Extração, do que resultou a paralisação dos serviços de lavra tocados por ela.48 Escasseou rapidamente o dinheiro destinado ao aluguel de escravos e ao abastecimento das tropas de escravos remanescentes sob o comando dos feitores da Real Extração (SANTOS, 1978). Mas as terras diamantinas continuaram formalmente vedadas à livre exploração pelos mineradores, garimpeiros e faiscadores. Os dados de produção de diamantes na vigência da Real Extração, compilados pelo Barão de Eschwege e Antônio Olinto dos Santos sintetizam o declínio no decorrer do período 1806- 1828: TABELA 3 – Produção de diamantes pela Real Extração (1772-1828) Período Quilates extraídos Média anual 1772-1776 195.206 39.041 1777-1781 189.616 37.923 1782-1785 198.945 49.736 1786-1795 293.162 29.316 1796-1801 66.794 11.132 1802-1806 115.689 23.138 1808-1813 88.721 14.787 1814-1819 79.058 13.176 1820-1825 43.440 7.240 1826-1828 15.195 5.065 Fonte: ESCHWEGE, 1979, v. 2, p. 116-117. E Antônio Olinto, citado por Domício de Figueiredo Murta (ESCHWEGE, 1979, v. 2, p. 122-123). Para Raimundo José da Cunha Matos (1979, v. 1, p. 298-301), o declínio da mineração aurífera e diamantífera no período explicava-se por um conjunto de fatores: a pobreza da maior parte dos mineradores, o que os impedia de iniciar trabalhos minerais mais dificultosos; a 48 Cunha Matos (1979, v. 1, p. 346) afirmou que a Administração Diamantina no regime de Real Extração recebia, inicialmente, assistência anual de 200 contos de réis; a partir de 1795, os suprimentos pecuniários para as despesas dos trabalhos mineiros caíram para 120 contos. Em seguida, houve nova queda, para 60 contos no período 1824- 1830. A partir de 1830, a assistência reduziu-se para 48 contos. Essa crise financeira da Real Extração teve reflexos óbvios sobre o rendimento de suas tropas mineradoras. 25 elevação do preço dos escravos;49 a desordenada distribuição das terras minerais e a vexação praticada pelos guardas-mores a respeito das pessoas menos poderosas; os processos lentos e dispendiosos em torno das questões sobre terras minerais; a ignorância da teoria e da prática montanística; e a preguiça de muitos milhares de homens que se ocupavam da faiscação. O ilustrado militar e funcionário português pensava que: Este ramo de indústria só poderá ser melhorado se os mineiros, depois de adquirirem conhecimentos científicos em escolas montanísticas que o governo deve estabelecer, formarem sociedades cujos capitais possam sofrer embates e os inevitáveis prejuízos que sempre acompanham o princípio das grandes empresas (...). Para este fim, sirvam de estímulo e exemplo as enormes riquezas que a sociedade de mineração inglesa tem extraído das terras de Gongo-Soco (CUNHA MATOS, 1979, v. 1, p. 301-302). O mineralogista José Vieira Couto, por sua vez, considerou que a principal razão do declínio da mineração na Província de Minas Gerais era a ignorância do mineiro. Conforme suas palavras, “esta preciosa classe de homens é a causa única e ao mesmo tempo mui bastante da decadência atual da mineração” (VIEIRA COUTO, 1994, p. 62). Para o sábio do Tijuco, a animação da mineração dependeria da difusão, pelo Estado, de conhecimentos e técnicas adaptados à situação das minas brasileiras, da criação de fundições de ferro, da abolição do excesso de dias santos e da melhoria dos transportes por meio da abertura de canais navegáveis e estradas carroçáveis. De maneira velada, ambos, Cunha Matos e Vieira Couto, consideravam necessário conceder espaço muito mais amplo para a iniciativa privada no setor mineral, extinguindo-se os monopólios coloniais. Eles nutriram simpatias por reformadores como o Intendente Câmara, mas não pelo regime da Real Extração. Entre 1832 e 1870, ocorreu enorme frenesi na mineração no Alto Jequitinhonha, graças ao desimpedimento das lavras e aos novos descobertos de São João da Chapada e do Caeté-Mirim. Relativamente a esse período, Roberto Borges Martins (2002, p. 109-110) foi direto ao ponto: A partir de 1832, o desmantelamento progressivo do monopólio estatal dos diamantes deflagrou um grande surto de atividade em toda a região diamantina. A produção registrada de pedras deu um salto impressionante, passando da média anual de 14.800 49 Conforme Cunha Matos (1979, v. 1, p. 298), na década de 1830, um bom escravo custava pelo menos 800$000 rs (e a oitava de ouro valia 2$400 rs); no passado, vinte ou trinta anos antes, a oitava de ouro valia 1$500 rs e o escravo custava cerca de 300$000 rs. 26 quilates em 1796-1827 para 208.000 quilates em 1828-1849. O boom não se limitou ao antigo distrito diamantino, atingindo outras áreas, como Abaeté, Indaiá, Itacambira, Rio Pardo e Grão Mogol (e mais tarde a região de Bagagem), e durou mais de três décadas. No centro da agitação, a cidade de Diamantina viveu uma época de muito brilho e prosperidade, e seu mercado polarizava a produção de vasto território. Robert Slenes também apontou o crescimento da extração de diamantes nessa época, ao mesmo tempo em que, no caso do ouro, ocorria a “desnacionalização da mineração”.50 Os dados que o pesquisador apresenta sobre o diamante são os seguintes: a produção entre 1819 e 1854 teria aumentado 334% (SLENES, 1985, p. 67); entre 1854 e 1861, a média anual de exportações de diamantes mineiros pelo porto do Rio de Janeiro teria sido de 107.256 quilates, ao preço médio de 2 libras por quilate (SLENES, 1985, p. 78). Apesar das estatísticas sobre a produção e comercialização de diamantes serem pouco confiáveis, em razão da tradicional clandestinidade de boa parcela das operações, vale apresentar os números compilados por Tschudi para meados do Oitocentos. Eles devem ser lidos muito mais como indicadores do vulto da atividade e de seu dinamismo. As tabelas seguintes trazem os dados compilados pelo viajante suíço: TABELA 4 – Quantidade e valor dos diamantes exportados pelo Rio de Janeiro (1857-1863) Período Oitavas Valor (mil réis) 1857-58 3.162 948:600 1858-59 5.021 1.506:450 1859-60 5.119 1.535:700 1860-61 5.863 2.506:320 1861-62 5.756 2.878:198 1862-63 6.970 2.468:725 Fonte: TSCHUDI, 2006, p. 145-146. TABELA 5 – Receita do Estado nos distritos diamantinos Período Receita ( réis) 1856-57 41:945$000 1857-58 53:084$000 1858-59 58:300$000 1859-60 51:432$000 1860-61 37:523$000 1861-62 42:516$000 Fonte: TSCHUDI, 2006, p. 145-146. 50 Conforme Slenes (1985, p. 68), entre 1820 e 1860, 47,1% do ouro extraído em Minas foi produzido por companhias e faiscadores brasileiros, e o resto por companhias inglesas. Em 1879, os mineradores nacionais produziram só 13, 6%. 27 As cifras da Tabela 4 mostram o estado de aquecimento da mineração diamantífera na região de Diamantina, que era a principal origem das pedras exportadas pelo porto do Rio de Janeiro. Os números da Tabela 5, por sua vez, demonstram que, a despeito da enorme evasão fiscal que historicamente marca a exploração de diamantes no Brasil, a economia do diamante gerava rendas anuais avultadas para o Estado brasileiro.51 Conforme a documentação da Administração Geral dos Terrenos Diamantinos, na região do Serro, no período 1865-69, havia o registro de 174 termos de contrato de arrendamento de lotes. Alguns dos principais mineradores do município estão listados no anexo 1.52 As principais áreas de mineração eram: Rio do Peixe, Capivari, São Gonçalo e Pedra Redonda. As sociedades de mineradores e garimpeiros ocorriam com frequência, assim como era comum uma mesma pessoa ser titular de dois ou mais arrendamentos de lotes. Entretanto, raríssimas eram as concessões em nome de mulheres. No caso do Serro, dos 174 registros do período 1865-1869, encontra-se apenas uma mulher: Dona Francisca Tereza d’Aguiar Souza, que possuía arrendamento no Córrego de São Gonçalo.53 Bem mais animada era a mineração de diamantes no município de Diamantina. No período 1861-67, havia 2.447 matrículas de termos de arrendamento de lavra, sendo que os terrenos minerais variavam de 6000 a 100 mil braças quadradas.54 Joaquim Felício dos Santos (1978, p. 403) asseverava: “Durante o tempo das concessões, talvez se tirassem mais diamantes que a Extração no espaço de setenta anos de sua existência”. Felício dos Santos afirmava ainda: “não existe nesta demarcação córrego algum cujo leito esteja por se lavrar, e uma grande parte da mineração atual consiste em aproveitarem-se os resíduos deixados pelos antigos contratadores e administrações, que minerando em grande, deixaram restingas ainda virgens” 51 A inflexão para baixo da renda do Estado nos dois últimos períodos da Tabela 5 pode ser explicada, pelo menos em parte, pelo comportamento do preço médio da oitava no Rio de Janeiro. Mantendo-se estável em 300$000 ao longo de quase toda década de 1850, o preço da oitava subitamente subiu para 427$000, em 1860-61, e depois para 500$000, em 1861-62, aumentos que devem ter estimulado o descaminho das pedras, de forma a engordar ainda mais os lucros dos comerciantes (TSCHUDI, 2006, v. 2, p. 145-146). 52 O critério utilizado para classificar os mineradores foi o tamanho dos lotes, refletido na cifra de impostos anuais pagos. Em 1868, cada braça quadrada de terra mineral era taxada em cinco réis. Assim, os pequenos mineradores são aqueles que possuíam lotes que pagavam menos de 10$000 (lotes de aproximadamente 29 mil metros quadrados ou 3 hectares); os médios mineradores são aqueles que possuíam lotes taxados entre 10$000 e 20$000 (área entre 5 e 10 ha); os grandes mineradores eram os que possuíam lotes que pagavam mais de 20$000 anuais (área acima de 10ha). 53 APM. TD-08. 54 APM. TD-06. Este dado do número de matrículas de terrenos minerais possibilita fazer estimativa dos trabalhadores diretamente envolvidos nos serviços de lavra. Conforme depoimentos de antigos garimpeiros, os garimpos manuais do início do século XX empregavam não menos do que oito ou dez pessoas. Como as técnicas eram as mesmas do século XIX, pode-se, portanto, calcular que o garimpo não empregava, nos anos 1860, menos que 19,5 mil pessoas. Para depoimentos de antigos garimpeiros, ver Marcos Lobato Martins (1997, Cap. 2). 28 (SANTOS, 1978, p. 396). Conforme sua avaliação, nos anos 1860 o produto anual em impostos de arrendamento das lavras alcançava a cifra de 16 contos de réis (SANTOS, 1978, p. 392). A partir dos registros da Administração Diamantina, as principais áreas de mineração nos anos 1860-1870 eram: Rio Pardo Pequeno, Caldeirões, Jequitinhonha, Córrego do Quilombo, Bambá, Serrinha, Datas, Riacho das Varas, Rio das Pedras e Caeté-Mirim. A localidade de Mendanha, por exemplo, era um dos principais centros de mineração da região. Ali, o Almanak Administrativo, Civil e Industrial da Província de Minas Gerais do ano de 1869 (p. 203), anotou os nomes dos principais envolvidos com a mineração e o beneficiamento de produtos das lavras: a) Mineradores: Antônio de Aguiar Pinto Coelho, Capitão Ezequiel Neto Carneiro Leão, Francisco Gomes Tibães, Capitão José Floriano Quirino, Dona Maria Madalena dos Santos e Modesto Ribeiro de Almeida; b) Capangueiros: Anselmo Pereira de Andrade, Joaquim Antônio de Oliveira e Joaquim Vieira Couto; c) Ourives: Antônio José Ferreira, José Cândido de Figueiredo e Prudêncio Pereira de Andrade. A partir dos cerca de 750 registros de lotes arrendados e dos arrendatários no município de Diamantina, constantes num livro da Fazenda Pública relativo ao período 1875-1890, tomouse uma amostra aleatória de 252 nomes.55 Nessa amostra, pode-se verificar algo a respeito da distribuição dos tipos de lotes e do número de concessões por titulares de direitos minerários. As informações estão contidas nas tabelas seguintes: Os números referentes à citada amostra indicam coisas importantes: a) os conhecidos garimpeiros, isto é, pequenos mineradores, constituíram a maioria dos agentes envolvidos com a economia do diamante no período em tela; b) embora houvesse mineradores titulares de muitas e grandes áreas, eles representaram fatia diminuta dos arrendatários registrados na Administração. O fato é que, embora os garimpeiros respondessem pelo maior número de arrendamentos, eles não produziram a maior quantidade de diamantes. Esta situação perduraria em toda segunda metade do século XIX e na primeira metade do século XX. 55 APM. FP-107, fls. 91-125. Chama-se atenção para o fato de que o documento da Fazenda Pública possui número bem menor de registros de lotes arrendados no município de Diamantina do que os existentes nos livros da Administração Geral dos Terrenos Diamantinos. Uma explicação pode ser a seguinte: ele registra apenas os termos de contratos renovados no período. 29 TABELA 6 – Tipos dos lotes arrendados no município de Diamantina (1875-1890) Tamanho dos Terrenos diamantinos N. de ocorrências % do total da amostra Pequeno 213 59,5 Médio 86 24,0 Grande 59 16,5 Fonte: APM. FP-107, fls. 91-125. TABELA 7 – Distribuição do número de concessões por titular Município de Diamantina (1875-1890) N. de arrendamentos/titular N. de ocorrências % do total da amostra 01 188 74,6 02 ou 03 58 23,0 4 ou mais 06 2,4 Fonte: APM. FP-107, fls. 91-125. A euforia da mineração diamantífera sofreria um violento baque a partir do ano de 1870. Viraria, então, desalento. Tanto os grandes mineradores como as turmas de garimpeiros caíram no pessimismo. Sobreveio uma crise dramática que se estendeu até os anos 1890. A descoberta dos diamantes da África do Sul provocou alteração profunda no mercado mundial de gemas. Verificou-se variação muito negativa nos preços do diamante, de modo que a economia da região de Diamantina foi afetada significativamente. Uma onda de falências de mineradores e negociantes trouxe forte incerteza sobre o futuro da economia regional. Impotente, a região acompanhou a elevada depreciação dos preços do diamante. A partir de 1867, imensos depósitos de diamantes foram descobertos na África do Sul, na região dos rios Orange e Vaal. Em 1870, encontraram-se minas em Kimberley, Jagersfontein e Dutoispan. O produto dessas lavras subterrâneas abarrotou o mercado mundial, forçando a queda dos preços e o deslocamento da produção brasileira para uma posição inframarginal. Em seis anos, os ingleses extraíram 21 milhões de quilates, quantia maior do que se havia retirado das minas da Índia (do século II a. C. ao século XVIII) e de Minas Gerais e Bahia (nos séculos XVIII e XIX) juntos, que perfaziam cerca de 18 milhões de quilates (SANTANA, 2013, p. 75). Entre 1870 e 1876, o preço da oitava de diamante de primeira despencou: caiu de 1:200$000 (54,39 libras esterlinas) em 1870, para 200$000 (7,76 libras esterlinas) em 1874; e, dois anos depois, reduziu-se a 170$000, equivalentes a 6,71 libras esterlinas.56 Uma queda espetacular num curto espaço de tempo. Passado o primeiro impacto, o preço dos diamantes melhorou um pouco, a partir da década de 56 As cifras de preços são tiradas de BAT. Acervo José Teixeira Neves. Livro 1, caixa 3, fls. XXIV e XXV. A conversão para a moeda inglesa, pela taxa de câmbio libra esterlina/mil-réis, foi feita com base em IBGE (1939-40) e ABREU (1990). 30 1880. No entanto, permaneceu bem abaixo do nível que possuía em 1870. Evidência disto é fornecida pelo processo de falência do negociante Jacinto Leite de Faria, ocorrido em 1883. Na avaliação dos bens do negociante, consta uma partida de diamantes com quatorze quilates, avaliada em 450$000 (20,87 libras). Um cálculo simples mostra que, no citado ano, a oitava de diamante estava cotada na casa de 576$450 (26,74 libras esterlinas), praticamente metade do preço alcançado em 1870.57 O efeito de tal movimento de preços sobre a renda dos mineradores foi, evidentemente, muito negativo. Em 1873, conforme José Teixeira Neves,58 muitos faiscadores trocaram a mineração do diamante pela extração de ouro. E alguns diamantários foram atingidos pelo desespero, de que dá mostras o relato seguinte, referente ao ano de 1874: Um honrado negociante de diamantes do Serro investira o seu capital no negócio e seguiu para a Europa a fim de vender sua mercadoria. O preço encontrado nas praças europeias representava para ele um prejuízo de 80%. Regressando ao Brasil, atirou-se no mar nas proximidades de Cabo Frio. Além desse, deram-se outros suicídios pelo mesmo motivo.59 Neste mesmo ano, a Câmara de Diamantina recebeu uma representação do Povo que exigia providências para o enfrentamento da crise no setor minerador. A resposta da administração municipal, assinada pelos camaristas Corrêa Rabello, Vieira Machado e Pedro Brandão foi dada em 9 de maio de 1874, nos seguintes termos: A Comissão Permanente à qual foi presente uma representação assinada por vários cidadãos pedindo que esta Câmara tome providência a fim de atenuar o estado de miséria a que tem chegado sua população do município, em virtude da grande baixa do diamante, é de parecer que esta Câmara com urgência represente à Assembleia Geral Legislativa, chamando sua atenção sobre os seguintes pontos: em que se pede na supracitada representação que sejam relevadas as multas e pagamentos de arrendamentos de lavras nos arrendatários que não os pagaram desde o ano de 1870; em que se pede suspensão da cobrança dos direitos de arrendamento de lavras, até o ano de 1876 e, finalmente, em que se pede que se franqueie a exploração dos terrenos devolutos gratuitamente. A representação desta Câmara deve ser dirigida aos Deputados deste Distrito, e nela se deve apoiar e reforçar tudo que se contém na representação do Povo dirigida a esta Câmara, em relação aos três pontos mencionados. Sala das Comissões, 9 de maio de 1874.60 57 BAT. Jacinto Leite de Faria, processo de falência, Cartório do 1º Ofício, 1883, maço 142, p. 529-530. 58 José Teixeira Neves, arquivista e bibliófilo diamantinense, foi funcionário da Biblioteca Nacional em meados do século XX. Durante dezenas de anos, colheu milhares de informações sobre a história de Diamantina nos acervos do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte, reunindo transcrições, por temas, em dezenas de cadernos. Após sua morte, as caixas contendo esses cadernos foram doadas pela família à BAT. 59 BAT. Acervo José Teixeira Neves. Livro 1, caixa 3, f. XXIII. 60 Câmara Municipal de Diamantina. Livro da Comissão de Alistamento Eleitoral B. Anos diversos. Folha avulsa. 31 Os camaristas, ao endossar as propostas dos cidadãos signatários da representação, anuíram em atender as reivindicações dos grandes mineradores, garimpeiros e faiscadores, que giravam principalmente em torno da redução dos custos e entraves que gravavam a exploração legal dos terrenos diamantinos. Com isso, esperavam recompor, pelo menos parcialmente, as margens obtidas nos serviços de cata antes da crise internacional de preços do diamante. A falência de muitos negociantes de Diamantina trouxe ainda mais turbulência para o cenário regional. Um deles foi Paulo Dias de Oliveira, em cujo processo de falência, datado de 1875, pode-se ler: O valor dado aos bens descritos no inventário, tendo-se em vista a crise monetária por que está passando este município, não produz talvez 20:000$000. É sabido que poucos prédios existem nesta cidade que vendidos em praça produzem 4:000$000, ressaltando que uma das casas hipotecadas foi avaliada em 5:500$000. Além disso, foi igualmente avaliada por 600$000 uma casa sita na povoação do Guinda [área mineradora], lugar que está hoje em completo abandono (...). Na proporção destes valores excessivos estão os mais bens descritos, e ainda mesmo os escravos, cujos preços têm baixado ultimamente por falta de compradores.61 A falência de Paulo Dias de Oliveira foi precipitada pela queda de preço dos ativos que possuía (imóveis, escravos, diamantes) e da capacidade de pagamento de muitos de seus fregueses. Situação similar enfrentou o já referido Jacinto Leite de Faria, negociante de fazendas e armarinhos em 1883. Sua casa comercial em Diamantina possuía vasta clientela, incluindo pessoas das famílias mais importantes da cidade. Amargando dificuldades para receber os débitos de muitos fregueses, o comerciante começou a não quitar compromissos com seus credores, razão pela qual solicitou ao Juiz Municipal declarar a falência de sua loja. Numa peça do processo, o Juiz descreveu como segue os percalços que prejudicaram Jacinto Faria: (...) tendo-se porém nos últimos anos paralisado o comércio nesta cidade, sobrevindo ao suplicante novos prejuízos como seja muitos de seus devedores não terem podido solver os seus débitos, a morte de uma escrava, um furto que lhe fez um seu empregado, a venda de uma partida de brilhantes por muito menos do seu valor, agravou-se a sua situação de maneira a não poder cumprir algumas obrigações já vencidas.62 61 BAT. Paulo Dias de Oliveira, processo de falência, Cartório do 3º Ofício, 1875, maço 286, p. 3-11. 62 BAT. Jacinto Leite de Faria, processo de falência, Cartório do 1º Ofício, 1883, maço 142. Grifos do autor. 32 As agruras vividas pelo Capitão Jacinto Leite de Faria revelam como perduraram durante muitos anos as dificuldades que a economia regional enfrentou, em decorrência da violenta crise de preços internacionais do diamante iniciada em 1870. O desânimo que se abateu sobre Diamantina ficou estampado nas páginas dos jornais locais: A grande baixa no preço dos diamantes que começou no ano de 1870, e sustenta-se até hoje, tem trazido como consequência um tal desânimo para os habitantes das regiões diamantinas, que a maior parte deles pensa seriamente na necessidade da emigração para os lugares onde o trabalho encontra melhor recompensa, e onde a atividade comercial possa desenvolver-se mais proficuamente. As matas do sul da Província, e do Rio de Janeiro, (...) são o ponto para o qual convergem as vistas, e muitos de nossos patrícios, pais de família, ou moços principiantes já para lá se têm dirigido...63 A matéria do Monitor do Norte reconhece que o estado de crise da mineração não apenas afetava o rendimento dos garimpeiros, mas tirava-lhes até mesmo as oportunidades de trabalho, de maneira que a migração de trabalhadores ganhou intensidade na região. Nesse quadro de desalento, houve caso de membro de ilustre família de mineradores diamantinenses que abandonou a exploração de lavras para se dedicar, longe de sua terra natal, a negócio então mais certeiro e rentável: a cafeicultura. Trata-se de Augusto Ferreira Brant, a quem João Pereira cedeu escritura de dívida e locação de serviços, em 30 de março de 1876. Para segurança da quantia de 260$000 rs, a prêmio de 1% ao mês, que lhe havia emprestado Augusto Ferreira Brant, João Pereira obrigou-se a prestar seus serviços na fazenda do credor em São Paulo de Muriaé, pelo jornal de 4$000 rs por semana, durante o prazo de três anos, correndo por conta do próprio João Pereira as despesas de vestuário e enfermidade; por conta do locador, as despesas do sustento do trabalhador.64 Outro indicador do desalento da economia regional aparece no exame das transações de compra e venda de escravos. Ao contrário do que ocorria na década de 1860, passaram a predominar os registros de vendas de cativos para fora da região, na direção do sul, para localidades como o Rio de Janeiro, Leopoldina, São Paulo de Muriaé, Ubá e Oliveira. A tabela 8, construída a partir de pequena amostra dos registros de vendas de escravos na Diamantina de 1872 a 1881, permite visualizar este processo: 63 Monitor do Norte, ano 2, n. 9, p. 1, 13 de fevereiro de 1876. Acervo Soter Couto, gaveta 2, maço 13. FAFIDIA, Diamantina. 64 BAT. Escritura de dívida e locação de serviços, Livro de Notas n. 9, Cartório do 3º Ofício, 1876, maço 162, fls. 78v-80. 33 TABELA 8 – Registros de vendas de escravos – Diamantina (1872-1881) Tipos de transação n. n. escravos % total de escravos Vendas para fora da região 31 43 66,1 Vendas dentro da região 16 22 33,9 Total 47 65 100 Fonte: Livros de Notas 3, 5, 6, 7, 8, 9 e 10, maço 162; 35 e 36, maço 161. BAT. Considerando somente os cativos vendidos para fora da região, há indicações da profissão para 23 deles. Dentre estes, oito eram mineiros (34,8%), sete eram serventes (30,4%), três roceiros (13,0 %), um marceneiro (4,4%) e uma costureira (4,4%). Conforme Roberto Borges Martins (2002, p. 122-123), em 1855 a população escrava da região Jequitinhonha-Mucuri-Doce era de 35.352 cativos, representando 11% do total provincial. Em 1873, o contingente de cativos da região era de 34.838 escravos, equivalendo a 9% do total provincial. No período 1855-1873, este pesquisador calculou que o município de Diamantina teria perdido 1.913 escravos. Contribuíram para essa perda decisões como a do minerador Alexandre Gomes da Silva Chaves, que alugou praticamente toda sua escravaria a proprietários da Zona da Mata Mineira. No testamento do minerador, datado de 6 de novembro de 1877, ele escreveu: Declaro que meus escravos, em número de 16, salvo engano, estão contratados por um ano com o Sr. Capitão Lucas Soares de Souza, fazendeiro, morador no termo de Leopoldina nesta Província, cujo contrato por papel particular existe em meu poder. (...) Em tempo retifico que são 14 e não 16 escravos deste contrato, o qual finda-se no 1º de maio de 1878. (...) Declaro mais que minhas escravas Rita e Joana estão na mata da Leopoldina com o Sr. Antônio Pereira da Silva Negrão, salvo erro, locatário de Joana a 20$000 rs por mês, e Rita com o Sr. José Maria de Muniz para vende-la e pagar 500 réis ao médico que assistiu-a em parto e enfermidade. O excesso de 500 réis será dividido com o dito por seis meses, conforme contratamos e consta de escrito particular. Com meu genro João Coelho Lages tenho a escrava Beatriz, solteira e servente.65 Todavia, a segunda crise do diamante não poderia durar indefinidamente. A reanimação da atividade mineradora tornou-se patente no final dos anos 1890, na esteira da instalação de companhias nacionais e estrangeiras no Rio Jequitinhonha. Houve aumento do volume de diamantes extraídos, expressiva recuperação dos preços (depois de 1905) e os investimentos realizados pelas companhias mineradoras desanuviaram o ambiente regional. Os números oficiais 65 BAT. Testamento de Alexandre Gomes da Silva Chaves, Cartório do 1º Ofício, 1877, maço 92, fls. 2v e 4v