O Hóspede - Aristides Rabelo
FRAGMENTOS SONOROS DA CIDADE DE DIAMANTINA
SONOROUS FRAGMENTS OF DIAMANTINA’S CITY
Júlio César de Oliveira11
Doutor em História Social pela PUC/SP. Professor da Universidade de Uberaba. E-mail: juopai@yahoo.com.br
Resumo:
Este artigo interpreta a construção das paisagens
sonoras presentes no romance O Hóspede de Aristides
Rabello como crítica ao projeto de modernização
de Diamantina empreendido no inal do século
XIX e primeiras décadas do século XX. Destaca
a importância das transformações sonoras para a
compreensão das novas sensibilidades constituídas
nas cidades modernas.
Palavras-chave: cidade, paisagens sonoras, literatura.
Abstrat:
This article interprets the construction os
soudscapes present in the Aristides Rabello’s
novel O Hóspede as critical of the modernization
project of Diamantina undertaken in the late
nineteenth and early decades of the twentieth
century. Stresses the importance of sound
processing for understanding the new sensibilities
formed in modern cities.
Keywords: city, soundscapes, literature.Emblemas - Revista do Departamento de História e Ciências Sociais - UFG/CAC
Emblemas, v. 7, n. 1, 49-62, Jan-Jun, 2010 50
A eclosão de pesquisas sobre as novas sensibilidades relacionadas à modernidade construiu uma
pluralidade de olhares que recaíram sobre a cidade,
focalizando-a de diferentes ângulos. No entanto, percebe-se que um número expressivo destes trabalhos
priorizou em suas relexões a importância do olhar,
relegando ao esquecimento, ou a um segundo plano,
a polifonia existente na urbe e, por conseguinte, das
paisagens sonoras que constituem o imaginário social.
Diante das posições que, ao reletirem sobre a cidade, enfatizam a experiência do olhar em detrimento
da audição, há que se indagar: podem as cidades serem “lidas” por intermédio de sua polifonia? Qual a
relação entre os homens e os sons de seu ambiente? O
que acontece quando esses sons se modiicam?
Neste artigo, interpreto o romance O Hóspede,
de Aristides Rabello, como icção que registrou e projetou os efeitos do processo de modernização em curso na cidade de Diamantina no inal do século XIX e
nas primeiras décadas do século XX. Por meio de sua
sensibilidade romântica e da sua exaltação à polifonia
dos sons da natureza e das atividades cotidianas dos
moradores de Diamantina podemos acompanhar as
lutas de representação travadas entre uma modernidade anunciada e desejada, de um lado, e de outro lado
experimentada ou temida como uma força desestabiblizadora e desagregadora.
Ao utilizar a literatura como fonte documental levou-se em consideração que ela não se constitui numa
mera ferramenta com a qual se engendra idéias ou mesmo
fantasias com a inalidade de instruir e deleitar o público.
Mas, antes, como uma linguagem complexa que tem o
poder de construir e modelar simbolicamente o mundo. A
literatura não se refere apenas ao seu tempo vivido, mas
também propõe outras realidades, constrói projetos mantendo uma relação tensa de intercâmbio e de confronta-
ção com os processos sociais (SEVCENKO, 1985).
Na obra O Hóspede, Aristides Rabello2
narra o
desvario das elites de Diamantina em conduzir a cidade, no limiar da República, à modernidade por meio da
estrada de ferro, da colonização estrangeira e do capital
monopolista na mineração. Quanto ao momento histórico recortado pelo autor, cabe relembrar que ele foi
2
O romance O Hóspede, Aristides Rabello, foi editado pela primeira vez
em 1921. A edição à qual nos reportamos é possivelmente da década de
1970 (sem data), realizada pelo Conselho Estadual de Minas Gerais, com
apresentação de Aires da Mata Machado Filho. Aristides Rabello (1886-
1941) foi médico, romancista e jornalista; publicou, além de O Hóspede,
Sonata ao luar, O mistério do dominó e diversos trabalhos cientíicos
relacionados à oftalmologia.