O Hóspede - Aristides Rabelo

19-09-2013 01:02

FRAGMENTOS SONOROS DA CIDADE DE DIAMANTINA

SONOROUS FRAGMENTS OF DIAMANTINA’S CITY

Júlio César de Oliveira11

 Doutor em História Social pela PUC/SP. Professor da Universidade de Uberaba. E-mail: juopai@yahoo.com.br

Resumo:

Este artigo interpreta a construção das paisagens

sonoras presentes no romance O Hóspede de Aristides

Rabello como crítica ao projeto de modernização

de Diamantina empreendido no inal do século

XIX e primeiras décadas do século XX. Destaca

a importância das transformações sonoras para a

compreensão das novas sensibilidades constituídas

nas cidades modernas.

Palavras-chave: cidade, paisagens sonoras, literatura.

Abstrat:

This article interprets the construction os

soudscapes present in the Aristides Rabello’s

novel O Hóspede as critical of the modernization

project of Diamantina undertaken in the late

nineteenth and early decades of the twentieth

century. Stresses the importance of sound

processing for understanding the new sensibilities

formed in modern cities.

Keywords: city, soundscapes, literature.Emblemas - Revista do Departamento de História e Ciências Sociais - UFG/CAC

Emblemas, v. 7, n. 1, 49-62, Jan-Jun, 2010 50

A eclosão de pesquisas sobre as novas sensibilidades relacionadas à modernidade construiu uma

pluralidade de olhares que recaíram sobre a cidade,

focalizando-a de diferentes ângulos. No entanto, percebe-se que um número expressivo destes trabalhos

priorizou em suas relexões a importância do olhar,

relegando ao esquecimento, ou a um segundo plano,

a polifonia existente na urbe e, por conseguinte, das

paisagens sonoras que constituem o imaginário social.

Diante das posições que, ao reletirem sobre a cidade, enfatizam a experiência do olhar em detrimento

da audição, há que se indagar: podem as cidades serem “lidas” por intermédio de sua polifonia? Qual a

relação entre os homens e os sons de seu ambiente? O

que acontece quando esses sons se modiicam?

Neste artigo, interpreto o romance O Hóspede,

de Aristides Rabello, como icção que registrou e projetou os efeitos do processo de modernização em curso na cidade de Diamantina no inal do século XIX e

nas primeiras décadas do século XX. Por meio de sua

sensibilidade romântica e da sua exaltação à polifonia

dos sons da natureza e das atividades cotidianas dos

moradores de Diamantina podemos acompanhar as

lutas de representação travadas entre uma modernidade anunciada e desejada, de um lado, e de outro lado

experimentada ou temida como uma força desestabiblizadora e desagregadora.

Ao utilizar a literatura como fonte documental levou-se em consideração que ela não se constitui numa

mera ferramenta com a qual se engendra idéias ou mesmo

fantasias com a inalidade de instruir e deleitar o público.

Mas, antes, como uma linguagem complexa que tem o

poder de construir e modelar simbolicamente o mundo. A

literatura não se refere apenas ao seu tempo vivido, mas

também propõe outras realidades, constrói projetos mantendo uma relação tensa de intercâmbio e de confronta-

ção com os processos sociais (SEVCENKO, 1985).

Na obra O Hóspede, Aristides Rabello2

 narra o

desvario das elites de Diamantina em conduzir a cidade, no limiar da República, à modernidade por meio da

estrada de ferro, da colonização estrangeira e do capital

monopolista na mineração. Quanto ao momento histórico recortado pelo autor, cabe relembrar que ele foi

2

 O romance O Hóspede, Aristides Rabello, foi editado pela primeira vez

em 1921. A edição à qual nos reportamos é possivelmente da década de

1970 (sem data), realizada pelo Conselho Estadual de Minas Gerais, com

apresentação de Aires da Mata Machado Filho. Aristides Rabello (1886-

1941) foi médico, romancista e jornalista; publicou, além de O Hóspede,

Sonata ao luar, O mistério do dominó e diversos trabalhos cientíicos

relacionados à oftalmologia.