Os contratos dos diamantes

06-04-2017 08:09
3-  OS CONTRATOS DIAMANTINOS 
 Os outros dois documentos inseridos por Caetano Costa Matoso, em seu famoso Códice, referem-se ao período dos contratos (1739-1771). Foram celebrados seis contratos, alguns deles tendo sido renovados, estendendo, assim, o período de quatro anos originalmente estabelecido. Foram contratadores dos diamantes: 1º Contrato (1740-1743) : Sargento-Mor João Fernandes de Oliveira, em sociedade com Francisco Ferreira da Silva; 2º Contrato (1744-1748): João Fernandes de Oliveira; 3º Contrato (1749-1753): Felisberto Caldeira Brant, em sociedade com Alberto Luís Pereira e Conrado Caldeira Brant; 4º Contrato (1753-1758): João Fernandes de Oliveira, em sociedade com Antônio dos Santos Pinto e Domingos de Basto Viana, administrado por seu filho homônimo, o Desembargador João Fernandes de Oliveira; 5º Contrato (1759-61): João Fernandes de Oliveira, em sociedade com Antônio dos Santos Pinto e Domingos de Basto Viana, administrado pelo 
                                                          
 26 Id., Livro de Batismos do Arraial do Tejuco; 1745 - 1765. Caixa 297, f. 35v. 27 FURTADO, Júnia Ferreira. O livro da capa verde; o regimento diamantino de 1771 e a vida no distrito diamantino no período da Real Extração. São Paulo: Anna Blume, 1996. p. 99-100. 
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Desembargador João Fernandes de Oliveira; 6º Contrato (1762-1771): João Fernandes de Oliveira e seu filho, Desembargador João Fernandes de Oliveira. 
 O primeiro documento transcrito (documento 85) refere-se às condições estabelecidas entre a Coroa e o Sargento-Mor João Fernandes de Oliveira para a exploração das lavras diamantinas durante o segundo contrato arrematado por ele, entre 1744 - 1748. Trata-se de documento bem conhecido e de fácil acesso ao pesquisador. Entre outros, encontra-se, em Portugal, copiado nos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, na Seção Manuscritos do Brasil, vol. 31; e, no Brasil, foi publicado nos Anais da Biblioteca Nacional, vol. 8, 1960.28 
 O Sargento-Mor João Fernandes de Oliveira, português de nascimento, natural de Barcelos, estabelecera-se em Mariana e se tornara próspero comerciante. Para arrematar o primeiro contrato, associara-se ao cristão-novo Francisco Ferreira da Silva, aventurando-se sozinho no segundo. Uma memória anônima atribuiu a escolha de João Fernandes a um artifício equivocado concebido pelo Governador Gomes Freire de Andrade. Ao residir no Tejuco no primeiro semestre de 1739, o Governador tentou negociar o contrato localmente. Foi acompanhado de João Fernandes, que propôs um lance em hasta pública, apenas para convencer os homens de negócio do Tejuco das condições estipuladas pela Coroa. Apesar de não possuir as condições financeiras necessárias, como ninguém mais se habilitou, foi forçado a honrar o contrato e passou a ter todo o apoio do Governador para garantir o sucesso da empreitada.29As condições estabelecidas para o 2º contrato foram, com pouquíssimas modificações, as mesmas que valeram para os demais. Seus principais artigos visavam o controle da produção, para que a oferta permanecesse controlada e os preços estáveis; e também reprimir a produção ilegal e o contrabando. Até o fim do terceiro contrato, os arrematantes tinham o monopólio da produção e da comercialização, pagando, anualmente, à Coroa uma quantia proporcional ao produto da venda dos diamantes no mercado mundial.  
                                                          
 28 LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo. Manuscritos do Brasil. v. 31; Anais da Biblioteca Nacional. Do descobrimento dos diamantes e diferences métodos que se tem praticado na sua extração. Rio de Janeiro, v. 8, p. 145- 152, 1960. LISBOA. Biblioteca Nacional. Notícias das Minas dos Diamantes.  Seção dos Reservados. Avulsos. Cod., 7167. 29 LISBOA. Biblioteca Nacional. Notícias das Minas dos Diamantes.  Seção dos Reservados. Avulsos. Cod., 7167. 
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 Para a exploração, haviam sido estabelecidas duas condições principais. A primeira era a limitação da área explorada que pretendia, além de restringir a oferta, manter áreas não exploradas para os contratos vindouros. Com isso, visava-se atingir um custo médio de produção, garantindo a lucratividade dos contratos ao longo do tempo, já que o custo da extração do diamante de aluvião era inferior aos das margens (grupiaras) e cascalhos (2ª lavagem). A segunda referia-se à limitação do número de escravos empregados nas lavras. Até o terceiro contrato, estipulava-se 600 escravos, além daqueles empregados nos serviços domésticos dos feitores e administradores. 
 Outra cláusula importante era de interesse dos contratadores. Como os escravos adoeciam, fugiam ou morriam facilmente, prejudicando a produção, podia-se repor no mês seguinte a mão-de-obra faltosa no mês anterior. Eram as chamadas falhas do contrato, que deveriam ser reportadas mensalmente ao Intendente para que este fizesse um controle rigoroso, tanto da falta, quanto da reposição dos escravos. 
 As demais condições visavam à repressão ao garimpo e ao contrabando das pedras. Por exemplo, previa punição para os escravos fugidos e extraviadores; proibia a residência nos limites da Demarcação Diamantina de pessoas sem cargos ou ocupação definida; estimulava as denúncias recompensando os denunciantes; impunha a pena de despejo aos suspeitos; etc. 
 Os diamantes eram enviados anualmente à Lisboa em caixas pequenas e depositados na Casa de Moeda de Lisboa, sendo que as pedras acima de 20 quilates eram de propriedade régia. Ali, as demais eram vendidas pelos procuradores do contratador mediante dois sistemas: ou depositavam a parte da Coroa (fiança) e podiam retirar as pedras, ou fazia-se, diretamente, a venda na presença de um funcionário régio. Como o acerto das contas era feito anualmente, os contratadores podiam emitir letras de crédito nas praças de Lisboa e Rio de Janeiro e, dessa forma, capitalizavam-se para pagar as enormes despesas que a produção acarretava.  
 O segundo contrato acabou mergulhado em dívidas. Gomes Freire de Andrade teve que vir em socorro do amigo fiel, João Fernandes, para que ele pudesse honrar as letras que emitira em Lisboa. A solução foi encontrar uma esposa rica para o contratador viúvo e 
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endividado. Casamento de interesses, os nubentes estabeleceram um pacto pré-nupcial. A noiva Isabel Pires Monteiro era viúva do Capitão-mor Luís de Siqueira Brandão e seu patrimônio era constituído de seis fazendas, com seus escravos, cavalos e cabeças de gado, importando mais de 37 contos de réis. Seus bens foram avaliados e seu rico patrimônio incorporado ao do novo marido. Em troca, quando da morte desse, caso não houvesse filhos do matrimônio, ela retiraria da herança o montante correspondente à avaliação.30 
 Para o autor da Memória já mencionada, a ruína do contrato era certa já que as condições eram totalmente desfavoráveis. Ao limitar o número de escravos em seiscentos, inviabilizava os lucros, pois os custos de produção eram elevados. Por sua vez, os tejucanos, mais experientes, acostumados ao trato da exploração das lavras diamantinas, sabiam que tais condições só podiam terminar em prejuízo, “porque como as terras melhores e mais fáceis se acabam era preciso aumentar-se o número dos escravos alugados para trabalhá-las.”31  
A baixa lucratividade do contrato também forçava os contratadores ao garimpo clandestino das preciosas gemas, pois  
 
“daqui nasceu excogitar a necessidade muitos meios e subterfúgios que lhe servissem de véu para meter a laborar toda a multidão de escravos, que lhe fosse possível, encobertos com vários pretextos, como o de retirar madeiras, serrar taboados, fazer regos, tirar aguadas, edificar caminhos, conduzir carros, povoar as oficinas e roças, extranumerários para pagar falhas dos doentes, ou fugidos.”32 
 
 A riqueza que brotava dos ribeiros diamantinos também atraía os moradores, pois estes só podiam minerar lavras exclusivamente auríferas. Apesar de todas as medidas repressivas, cada vez mais severas contidas nas legislações editadas para a região, era quase impossível impedir os extravios sempre contrários aos interesses da Coroa e dos contratadores. João Fernandes acabou inventando um estratagema para diminuir seus prejuízos que consistia em mandar os negros de sua facção comprar os próprios diamantes que lhe furtavam. 
 
                                                          
 30 LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo. Desembargo do Paço. Ilhas. Maço 1342, doc. 7. 31 LISBOA. Biblioteca Nacional, op. cit., nota 30. 32 Ibid. 
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“Daqui nascia o negro fazer mais diligência para furtar o seu senhor de dia o que havia de lhe vender à noite, sem risco de ser castigado, e o branco julgar impunível o delito de contrabando, pois via o contratador ocupado no seu mesmo exercício, fazendo por essa causa o tráfico comum, nos mais por vício e, no contrato por necessidade.”33 
 
4-  O CONTRATO DE FELISBERTO CALDEIRA BRANT34 
 
Após a ruína do segundo contrato, João Fernandes de Oliveira não se dispôs a arrematar o terceiro e, em janeiro de 1748, Felisberto Caldeira Brant, seu irmão Conrado e seu sócio Alberto Luís Pereira se habilitaram para tanto. O prazo inicialmente estabelecido de quatro anos, a vigorar a partir de 1º de janeiro de 1749, foi prorrogado e se estendeu até agosto de 1753.  Caldeira Brant nasceu em São João Del Rei. Era o filho mais velho de Abrósio Caldeira, português, que emigrara para as Minas, e de Mariana de Sousa Coutinho. Casou-se com Branca de Almeida Lara, de família paulista, e tinha três irmãos: Conrado, Sebastião e Joaquim, que foram seus sócios em vários negócios. Brant e seus irmãos já estavam acostumados com as lides da exploração diamantina, pois se enriqueceram explorando a região dos Pilões e Rio Claro em Goiás, incorporadas ao contrato então estabelecido com a Coroa, acrescentando-lhe regiões dentro da Demarcação.35  Na segunda metade do século XIX, Joaquim Felício dos Santos escreveu suas famosas “Memórias do distrito Diamantino”36, primeiramente publicadas na forma de crônicas jornalísticas e, finalmente, reunidas em um volume em 1868. A construção que fez da história do Distrito Diamantino imortalizou-se para muito além das páginas de seu livro. Recheada de heróis e de vilões, aprisionados no eterno jogo da dominação metropolitana e da resistência colonial, a história do Distrito tornou-se o símbolo da opressão portuguesa no Brasil, tendo sido Felisberto Caldeira Brant sua maior vítima. 
                                                          
 33 Ibid.  34 Foi apresentado como parte da Mesa Redonda “O direito das gentes; conflitos entre o público e o privado no Império Português Setecentista”, durante o XX Simpósio Nacional de História, promovido pela ANPUH, Florianópolis, 25 a 30 de julho de 1999. Será publicado na íntegra nos Anais. (No prelo). 35 FURTADO, Júnia Ferreira. O labirinto da fortuna; o contrato de João Felisberto Caldeira Brant no Tejuco. Belo Horizonte: CNPq, 1998. s. p. (Texto avulso). 36SANTOS, Joaquim Felício dos, op. cit., nota 19.  
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 Em 1739, a Coroa instituiu o sistema de contratos para explorar a riqueza diamantina, que eram arrematados em leilões públicos de quatro em quatro anos, ou mais arrematantes. Adquirido o direito de exploração, assinava-se um contrato com a Coroa, onde eram determinados os direitos e deveres das partes. A difícil tarefa de fiscalização desses homens ricos e poderosos, já que tal sistema trazia para dentro da esfera pública interesses particulares, cabia ao principal administrador local, o Intendente dos Diamantes. 
 Felisberto Caldeira Brant assinou o terceiro contrato dos diamantes, que se estendeu entre 1749 e 1753. Para contar sua história, Felício dos Santos se baseou em um antigo manuscrito, atribuído, segundo ele, a Plácido de Oliveira Rolim, e às informações dadas pelo neto de Brant, o então Visconde de Barbacena.37 Segundo eles, o jovem Felisberto havia acumulado uma das maiores fortunas da colônia, o que teria causado inveja e criado muitos inimigos que se articularam para destruí-lo. 
 Entre eles estavam duas novas autoridades metropolitanas na região, o Intendente dos Diamantes, Sancho de Andrade Lanções e o Ouvidor do Serro do Frio, José Pinto de Morais Bacellar. O Intendente, fiel cumpridor das vontades do Rei, tentava evitar o contrabando e os descaminhos, e teria começado a perseguir o contratador. Por sua vez, Caldeira ganhara a antipatia do Ouvidor porque este ousadamente atirara uma flor no colo de uma de suas parentas durante a missa. O contratador teria considerado um ato indigno e desafiou o Ouvidor para um duelo, mas providencialmente este foi salvo por um botão. Interesses públicos e privados chocavam-se e armava-se o pano de fundo para um desfecho trágico. 
 A sorte de Felisberto começou a mudar com o espetacular roubo do cofre da Intendência, onde era guardada a produção anual dos diamantes, ocorrido em 1752, pouco antes de terminar o contrato. O contratador atribuiu o roubo aos seus inimigos, pois deixou-o sem caixa para pagar as dívidas que se avolumavam. Tudo conspirava contra ele, pois a partir daí, a Coroa determinou o sequestro de seus bens e sua prisão. 
                                                          
 37 O manuscrito a que se refere Felício dos Santos não foi localizado, no entanto na Biblioteca Nacional existe uma genealogia da família escrita por um descendente: RIO DE JANEIRO. Biblioteca Nacional. Cód. 17,1,16; BRANT, Pedro Caldeira. Memórias genealógicas e históricas da família Brant e outras...  
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 Transferido para Lisboa, foi surpreendido pelo terremoto de 1755. Encontrava-se preso no Limoeiro, ainda aguardando o julgamento de sua causa. Vendo-se livre, “no meio dos horrores, da desolação e do incêndio geral, bradava como se fosse o gênio da maldição: Ladrões, restituí o dinheiro que me roubastes!”38 Honradamente, apresentou-se, espontaneamente, ao Marquês de Pombal, que comovido permitiu que se retirasse para Caldas da Rainha e aguardasse o fim do processo em liberdade. Porém, quase três anos de prisão minaram suas forças e faleceu em Caldas sem que a justiça fosse feita. Perdera seu filho mais velho no terremoto, toda a sua fortuna consumira-se no sequestro, do qual nunca seus herdeiros foram indenizados. 
 A partir desta sucessão de acontecimentos funestos, Felício dos Santos alçou o Contratador ao panteão dos heróis nacionais.39 Como Davi e Golias, Felisberto ousou desafiar o impiedoso sistema metropolitano, que o destroçou. Sem freios ao seu poder, a esfera pública esmagava os interesses privados, colocando tudo e todos sob seu arbítrio. Caldeira Brant, sintoma precoce do espírito nativista nascente, foi vingado por Deus: como em Sodoma, o terremoto de 1755, sobre Lisboa, era a expressão de sua cólera. 
 A partir da trajetória de Felisberto Caldeira Brant, podemos compreender os paradoxais significados da palavra fortuna, pois se pode ser sorte ou riqueza, quer também dizer fado ou destino. 
 No entanto, consulta às fontes primárias da época revelaram uma história radicalmente diferente da construída por Felício dos Santos. No Império Português, a distância entre o centro do poder e a periferia interpunha diversos agentes intermediários. Muitos deles faziam parte da própria estrutura administrativa do Estado, mas a maioria era cooptada de forma indireta. Tal era o caso dos diversos contratadores e de muitos cargos da justiça e do fisco, que eram providos pela compra. Se por um lado, era forma de estender o poder a regiões cada vez mais longínquas, por outro lado, esses régulos traziam para dentro da esfera pública seus interesses privados. A trajetória de vida de Felisberto Caldeira Brant, como 
                                                          
 38 SANTOS, Joaquim Felício dos, op. cit., nota 19, p. 97. 
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veremos a seguir, foi marcada por esse paradoxo que caracterizava a relação entre os potentados locais e o Estado. 
 Felisberto era o filho mais velho de Ambrósio Caldeira Brant, português que lutara na Guerra dos Emboabas. Nasceu em São João Del Rei, onde se casou com a paulista Branca de Almeida Lara e estabeleceu-se com vários negócios em sociedade com os irmãos Conrado, Sebastião e Joaquim. Como era o costume, as relações econômicas e familiares entrelaçavamse, as primeiras em benefício das últimas. Ali começou sua conflituosa relação com as autoridades metropolitanas. Em 1730, participou com o irmão Joaquim, de uma emboscada ao Ouvidor do Rio das Mortes, Antônio da Cunha Silveira, a quem acusava de atrapalhar seus negócios. Ambos foram presos, mas acabaram sendo soltos por não se conseguir provar sua culpa.40  
 Uma vez livres, os irmãos se retiraram para a região de Paracatu e Goiás, onde se faziam descobertos. Ali se enriqueceram explorando diamantes, principalmente na região de Rio Claro, e estabeleceram relações com outros potentados locais: Joaquim se casou com a filha de José Rodrigues Froes, Guarda-mor da região a partir de 1744. Procuraram também as benesses do poder metropolitano para alcançar as honras necessárias à sua afirmação social. Em 1747, Dom João V concedeu a Felisberto a mercê de Capitão dos Cavalos do arraial de São Luís e Santa Ana do Paracatu.41 
 Em 1748, terminou o segundo contrato dos diamantes do Tejuco, arrematado pelo Sargento-Mor João Fernandes de Oliveira que, tendo se arruinado, não se interessou em renová-lo. Felisberto Caldeira Brant, rico e experiente nas lides diamantíferas, prontificou-se a arrematar o contrato, tendo como sócio um advogado português estabelecido em Sabará, Alberto Luís Pereira, que ali fora Juiz dos Órfãos e Ausentes.42 Gomes Freire deslocou-se para 
                                                                                                                                                                               39 SANTOS, Joaquim Felício dos, op. cit., nota 19,. p. 83-97; OCTÁVIO, Rodrigo. Felisberto Caldeira. Crônica dos tempos coloniais. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1921. s. p. 40 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino. Manuscritos Avulsos de Minas Gerais. Caixa 17, doc. 35 e Caixa 20, doc. 5. 41 LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo. Registro Geral de Mercês. Livro 37, f. 90; LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Caixa 76, doc. 45. 42 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino. Ministério do Reino. Decretos. Maço 15, doc. 40. 
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o Tejuco, onde foi celebrado o contrato,43 logo depois foram até Rio Claro, pois, também, as minas diamantíferas ali situadas, no Rio Pilões, foram incorporadas.44 
 O período incial foi de prosperidade e aumento do poder do potentado, que contava com a complacência das autoridades, principalmente o Intendente dos Diamantes, Plácido de Almeida Moutoso, que já velho e cansado, morreria no Tejuco em 1747. Também complexa relação se teceu entre o contratador e a população local: vários membros da elite faziam parte da Companhia formada para fornecer escravos para o contrato45 e muitos outros viviam do aluguel dos seus escravos para as extrações ilegais realizadas.46 
 O poderio do contratador, que servia também para acobertar suas atividades ilegais, dependia das boas relações com as autoridades da Capitania, especialmente o Governador. Felisberto e seu sócio Alberto Luís não olvidaram esforços para estabelecer relações com Gomes Freire de Andrade, inclusive de compadrio. Por procuração, o Governador foi padrinho de duas filhas de Alberto e para o batizado de Thereza, filha de Felisberto, foi pessoalmente ao Tejuco47. Interesses públicos e privados entrelaçavam-se, num complicado jogo de interesses.  
 Essa situação começou a se reverter com a chegada do novo Intendente Sancho de Andrade Castro e Lanções, em 1751. Diferentemente da administração anterior, Lanções estava disposto a devassar os procedimentos de Caldeira Brant e começou a pressioná-lo e surgiram diversos pontos de atrito. Um dos grandes problemas enfrentados pelos contratadores, para manter estável a produção dos diamantes, eram as faltas dos escravos ao serviço, provocadas por mortes, fugas, ou doenças. Assim, os contratos previam que estas falhas pudessem ser respostas no mês seguinte, cabendo ao Intendente verificar tanto as falhas quanto as reposições. O direito de repor as falhas tornou-se um dos principais mecanismos de aumento do número de escravos envolvidos na extração, bastando para isto 
                                                          
 43 Id., Manuscritos do Brasil. v. 31. 44 ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Memórias históricas do Rio de Janeiro. Imprensa Nacional: 1946. v. 9, nota 110, p. 446. 45 LISBOA. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, op. cit., nota 44, v. 31. 46 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Caixa 65, doc. 55. 47 DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 27, Caixa 297, f. 23 e 30. 
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que o Intendente não cumprisse seu papel de vigilância. Além do mais, Brant conseguira do Governador o direito de que as falhas ocorridas em Goiás fossem repostas no Tejuco, dificultando ainda mais o controle. Assim que chegou ao Distrito Diamantino, percebendo que a situação estava completamente fora dos limites, Sancho de Andrade começou a exigir que as falhas dos contratos fossem averiguadas, principalmente as de Goiás.48  
 O ano de 1752 foi de extrema tensão, o Intendente exigia o controle das falhas, o contratador recusava-se a apresentá-las e se esforçava por colocar o Governador contra o primeiro, acusando-o de persegui-lo e causar instabilidade no mais importante negócio da Coroa Portuguesa. Nessa época, Gomes Freire se retirou para o Sul e deixou seu irmão José Antônio Freire de Andrade como interino. Em suas Instruções, advertiu o irmão que no Tejuco a situação era delicada, pois o contratador e o Intendente eram inimigos. Na disputa, tomou o partido de Caldeira, pois afirmou que o último era “um ministro muito mal conceituado no ministério.”49. Certamente, por trás de palavras tão ambíguas, revelavam-se os conflitos entre as redes clientelares que dominavam a administração portuguesa, do Reino até as terras distantes além mar. Lanções certamente não vinha apadrinhado pelo grupo favorável ao governador e certamente era um espinho em sua jurisdição. 
 O cerco fechava-se e Brant não podia mais contar com a presença protetora de Gomes Freire, era pois necessário tomar medidas drásticas, já que, no primeiro semestre daquele ano Lanções, dera seu ultimato sobre a apresentação das falhas, ameaçando o contratador com a prisão. 
 Num lance arriscado, o contratador denunciou à Coroa um espetacular roubo do cofre da Intendência, onde estava guardada a produção anual de diamantes e acusou o Intendente de executá-lo. Na verdade, o montante roubado era quase insignificante, apenas 22 oitavas, quando a produção anual era cerca de 9.000 oitavas por ano. O grande escândalo residia na suspeita sobre o principal representante da Coroa, o Intendente, que Felisberto pretendia 
                                                          
 48 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Caixa 60, doc. 29. 49 INSTRUÇÕES que o Governador Gomes Freire de Andrade....R. do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v. 4, p. 374, 1899. 
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neutralizar e até mesmo ameaçar seu posto, já que não conseguira sua conivência.50 A acusação: o Intendente aproveitara-se de sua posição pública e, de forma escandalosa e imprópria para seu cargo, cometera um crime para auferir lucros privados e instabilizar um dos principais negócios de Sua Majestade. 
 Na denúncia apresentada, Felisberto narrou com minúcias o sistema de entrada dos diamantes no cofre, os seus mecanismos de segurança e de conferência de peso, além dos estratagemas inventados por ele para descobrir que estava sendo roubado.  O cofre ficava na Casa do Contrato, onde residia o Intendente, guardado sob o sistema de três chaves, uma sob o poder do Contratador, outra do Intendente e a última do tesoureiro. Este, por sua vez, ficava no interior de um cofre maior, fechado por uma chave, esta com o Intendente. Semanalmente, os três se reuniam, pesavam o montante a entrar no cofre com a balança de Felisberto e anotavam as oitavas em um livro. Alegou que, em fins de abril de 1752, começou a desconfiar que estava sendo roubado e, semanalmente, deixava algum indício para verificar se o saco tinha sido mexido, como o jeito de amarrar a fita, até a colocação de um alfinete. Finalmente, em 7 de junho de 1752, exigiu que os diamantes fossem repesados.51 
 A partir daí, os diversos testemunhos apresentados à Coroa traçaram argumentos diferentes, mas alinhavaram mais ou menos os mesmos fatos. No dia 8, os diamantes foram pesados e verificou-se a falta. Felisberto, alegando que “...o Intendente tinha má fama e ruim procedimento do que fizera em Portugal” e de que “poderia abrir de novo o cofre e fugir com tudo”,52 exigiu que fossem colocados sentinelas junto ao prédio e ao cofre, inclusive sugeriu que um grande barulho ouvido à noite seria o Intendente tentando arrombar o cofre para fugir com o restante. 
 Nas descrições de Sancho Castro e Lanções, o mesmo procedimento teria sido uma forma de intimidá-lo e, dessa forma, desafiar a própria autoridade real de que este estava investido. O comportamento de Felisberto era de um régulo, vivia cercado de escravos, agregados e parentes, todos armados de baionetas e espadachins. Segundo ele, o roubo era 
                                                          
 50 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Caixa 63, doc. 01. 51 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Caixa 63, doc. 01. 
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mais uma das muitas maquinações que “iluminaram contra mim, tantas [invertinas] quanto são os vícios que neles há, e formando entre si uma desordenada conjuração destinada a me arruinarem com a maior difamação do meu crédito e dos [araltos] soberano que representa este meu cargo.”53  
 Utilizando-se da retórica, os dois grupos passaram todo o ano seguinte tentando mover as complexas teias de apadrinhamento e amizade que sentenciam do Tejuco até o Reino. As relações públicas, fundadas sob o reino do privado, funcionavam segundo os critérios da amizade e do clientelismo. Por um lado, era este o mecanismo que fundava as hierarquias e submetia os homens às vontades reais; por outro, paradoxalmente, era o que dificultava a efetivação deste mesmo poder, pois os interesses particulares imiscuíam-se nos públicos, pervertendo sua ordem e significado.  
 Finalmente, no dia 9 de junho, um incidente modificou o rumo dos acontecimentos. O Intendente convocou o Escrivão da Intendência para que este lavrasse uma certidão de que nem sempre estava presente quando o Contratador abria o cofre, com quem muitas vezes deixava sua chave e que os diamantes eram pesados com a balança trazida por este. Pretendia com este procedimento provar que o roubo poderia ter sido preparado pelo contratador.54 No entanto, Felisberto contava com o apoio do escrivão, a quem privilegiava alugando seus escravos, e que sabia que estaria também se incriminando assinando tal declaração. Saiu então gritando para a rua que estava sendo ameaçado com uma faca pelo Intendente.55 Lá se encontravam Felisberto e Conrado Caldeira Brant, Alberto Luís Pereira e todos os seus escravos, parentes e agregados, armados de baionetas e com as espadas desembainhadas. O Intendente deu voz de prisão ao Contratador, a Alberto Luís e ao seu procurador José Pinheiro e ordenou que seguissem para a cadeia. Sem saber ao certo quem lhe obedecia ou não, começaram a caminhar. O contratador e vários partidários, ainda armados, chamavamlhe de ladrão e, sem o respeito devido, continuavam com o chapéu na cabeça. Finalmente, no adro da Igreja Matriz de Santo Antônio, Alberto Luís apontou a espada para o Intendente e 
                                                                                                                                                                               52 Ibid. 53Ibid., Caixa 60, doc. 29. 54 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Caixa 60, doc. 29. 
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esse, desarmado, lembrou-lhe do lugar sagrado onde estavam e do crime de lesa-magestade que cometia. Imediatamente, os insurretos homiziaram-se dentro da Igreja.56 
 Os acontecimentos precipitaram-se e obrigaram os dois lados a um jogo de força. De dentro da Igreja, Felisberto tratou de escrever ao Governador e ao Rei contando sua versão. O Intendente fez o mesmo, nomeou novos subordinados e começou a fazer uma devassa sobre o caso e os descaminhos do Contratador.57 A situação era tão grave que o Governador José Antônio Freire de Andrade foi para o Tejuco, onde chegou no dia 26 de junho. Dali mandou chamar imediatamente o Ouvidor Do Serro do Frio, José Pinto de Morais Bacellar, para tirar uma devassa sobre o furto e o procedimento do Intendente, colocando-se dessa forma, do lado dos Caldeira.  
 As conclusões do Ouvidor começaram a mudar o rumo dos acontecimentos. Ao contrário do que esperava, o Governador tomou o partido de Lanções e concluiu que era “o furto dos diamantes suposto e falso.”58 Durante todo o ano seguinte, os dois partidos tentaram influenciar as autoridades superiores. Brant escrevia continuamente a Gomes Freire pedindo sua intermediação e levantando novas suspeitas sobre Lanções, inclusive como contrabandista de diamantes. Lanções tentava sensibilizar diretamente ao Rei, já que não podia contar com a ajuda das autoridades da Colônia. 
 Gomes Freire de Andrade tentou de todas as formas pender a balança a favor de seu protegido. Do Sul, escrevia para as duas maiores autoridades do Reino, Diogo de Mendonça Corte Real e Sebastião José de Carvalho e Mello, atestando a incompetência de Lanções, do prejuízo que trazia aos negócios reais, da devassa que mandara tirar e da provável prisão do Intendente, assim que tudo estivesse apurado.59 
 Porém, a sorte de Felisberto começou a mudar quando, em março de 1753, descobriuse, em Lisboa, uma partida de 3.000 quilates de diamantes que vinha na frota dirigida ao 
                                                                                                                                                                               55 Ibid., Caixa 63, doc. 01. 56 Ibid., Caixa 63. doc. 01. e Caixa 60, doc. 29. 57 Ibid., Caixa 60, doc. 29. 58 Ibid., Caixa 60, doc. 37. 
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Desembargador da Alfândega Dionísio José Collaço.60 Tal quantidade de diamantes não poderia estar sendo extraída da Demarcação sem a participação ou conivência do contratador e as denúncias de Lanções pararam de cair no vazio. A frota que chegou ao Brasil em agosto de 1753, trazia as ordens secretas de prisão do contratador a ser realizada por José Antônio Freire de Andrade que devia passar imediatamente ao Tejuco. Lá deveria se encontrar com o Ouvidor Bacellar para prender Felisberto e seus sócios, seqüestrar seus bens e iniciar imediatamente uma devassa.61 
 A prisão do contratador e seus protegidos provocou comoção no Tejuco, obrigando as autoridades a mantê-lo em local secreto, e enviá-lo imediatamente ao Rio de Janeiro. Ali, foi recolhido, junto com Alberto à Ilha das Cobras. Bacellar iniciou o acerto das contas do contrato: informou que os bens eram insuficientes para cobrir os empréstimos em letras de câmbio emitidas e, de posse do livro dos escravos alugados no Tejuco, que a sonegação atingira o montante de cerca de trinta vezes do total explorado.62 Devassas no Tejuco e em Vila Rica, estabeleceram a conexão entre as pedras encontradas na frota e o contratador.63 
 Na luta travada entre os representantes das esferas públicas e privadas, todos saíram perdedores. Em setembro de 1753, Lanções voltou para o Reino desacreditado. Suspenso, por inépcia administrativa, sua permanência tornara-se impossível e, no mês seguinte, tomou posse o novo Intendente dos Diamantes.64 Os interesses do contratador e suas ligações na Corte arruinaram a carreira de um magistrado, que tentara fazer valer os do Rei No fim do ano, Bacellar apresentou seu relatório, onde afirmou que o furto lhe parecera “fantástico e fingido”; no entanto, considerou Lanções um magistrado ignorante e incapaz, pois cuidara apenas das “diferenças que se moveram entre ele e o contratador” e “não de andar no serviço de Sua Magestade.”65 Os interesses públicos, segundo afirmava o Ouvidor, não eram contrários, ou podiam ser movidos por razões particulares, o que só traria instabilidades. 
                                                                                                                                                                               59 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino. Manuscritos avulsos do Rio de Janeiro. Caixa 64, doc. 16887- 16888. e Caixa 60, doc. 16075 e 16086. 60 Id., op. cit., nota 41, Caixa 63, doc. 36. 61 Ibid., Caixa 58, doc. 110 e Caixa. 63, doc. 28 e 36. 62 Ibid., Caixa 63, doc. 29. 63 Ibid., doc. 36. 64 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41,  Caixa 63, doc. 38. 
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Arguto observador, percebia que interesses públicos e privados, paradoxalmente, deveriam estar sempre fundidos, um agindo em benefício do outro.  
 Decretada a falência do contrato, o mercado financeiro do Império pôs-se em polvorosa. O Rei viu-se obrigado a garantir que o pagamento das letras emitidas pelo contrato fosse feito diretamente pelo Erário Régio.66 Sabiamente, Dom José percebeu que, se a Fazenda Real e o cabedal dos particulares ficavam perdidos, antes de mais nada, era seu próprio poder que ficara ameaçado “pelo público escândalo.”67 Também o novo Intendente mostrou os limites do poder real, ao cooptar agentes privados para se fazer efetivo, pois os funcionários régios tinham se tornado “administradores e assalariados de Felisberto” e “todos os moradores deste continente [do Distrito Diamantino] são dependentes do contratador, porque na sua bondade ou maldade reside seu aumento ou perdição.”68  
 Felisberto foi transferido para a Ilha das Cobras e de lá para a Cadeia do Limoeiro em Lisboa. Ali, sobreviveu trancafiado ao terremoto de Lisboa. O seqüestro de seus bens só terminou em 1768 e ressarciu o tesouro régio de parte dos prejuízos.69 Em 1769, quase totalmente paralisado e com dificuldades de fala devido a um ataque apopléctico, morria no Limoeiro, apesar de autorizado a se retirar para Caldas da Rainha.70 
 Interesses públicos e privados estavam irremediavelmente imbricados no Império Português. Se a esfera pública dependia de tornar privado o poder para atingir regiões cada vez mais distantes, nos confins dos sertões estes homens tomavam para si a voz do Rei e impunham limites a sua atuação, pervertendo o sentido de quem lhes investira tal poder, pois seus “conhecimentos [só poderiam ser] purificados com a verdadeira presença de Vossa 
                                                                                                                                                                               65 Ibid., Caixa 63, doc. 28. 66 RIO DE JANEIRO. Biblioteca Nacional. Do Descobrimento dos diamantes e diferentes métodos que se tem praticado na sua extração. Anais. Rio de Janeiro, v.. 8, p.163-172, 1960. 67 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Caixa 63, doc. 28. 68 Ibid., Caixa 67, doc. 37. 69 RIO DE JANEIRO. Biblioteca Nacional. Op. cit., nota 67, v. 8. p.163-172; e LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino. Manuscritos da Bahia. Doc. 2723. 70 LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo. Ministério do Reino. Decretos Régios. Pasta 17, n. 74; Id. op. cit., nota 31, Maço 1342, doc. 7. 
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Magestade.”71 Por outro lado, um não existia sem outro, o poder reproduzindo-se em esferas cada vez menores, hierarquizando os homens, colocando-os sob domínio real. Mas, paradoxalmente, os interesses públicos, ao assumirem no Império português natureza privada, eram a razão e o limite do alcance do próprio poder.  
 Na data inicial do contrato era Governador das Minas o Conde de Bobadela, (Gomes Freire de Andrade) e Intendente Interino dos diamantes, Francisco Moreira de Matos. Como era o costume, Caldeira Brant procurou estreitar as relações com essas autoridades, inclusive estabelecendo laços de compadrio, pretexto sempre utilizado para se unir a importantes figuras da Capitania. Ana e Thereza, filhas de Alberto, foram batizadas em 1750, 1752, respectivamente, tendo como padrinho o Governador Gomes Freire de Andrade.72 Nesses batizados, Gomes Freire mandou procurações, não indo pessoalmente ao Tejuco. Já no batizado de uma das filhas de Felisberto, Thereza, o Governador não só foi o padrinho, como esteve pessoalmente na cerimônia. Posteriormente, Gomes Freire foi aliado fiel, retribuindo a amizade do contratador. 
 A atuação de Felisberto Caldeira Brant baseou-se no completo desrespeito às três normas centrais do contrato. Inicialmente, foi-lhe permitido minerar com trezentos escravos, posteriormente, aumentados para seiscentos. Na verdade, seus apontamentos revelaram a utilização de cerca de dois mil escravos. Também estendeu a exploração a áreas vedadas na demarcação, principalmente as rentáveis águas do Rio Caeté-mirim, onde ele conseguiu a concessão de uma sesmaria. Por fim, recusou-se a proceder a averiguação das falhas pelos giros dos destacamentos e continuou a exigir, mensalmente, seu pagamento pelo Intendente. 
 O período inicial do contrato foi de prosperidade e aumento do poder do potentado, com a complacência das autoridades e da população locais, que teciam um complexo jogo de interesses e podiam viver folgadamente do aluguel ilegal dos seus escravos para o contrato. Essa situação começou a se reverter com a chegada do novo Intendente Sancho de Andrade Castro e Lanções, em 1751. Diferentemente da administração anterior, Lanções estava 
                                                          
 71 LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo. Ministério do Reino. Decretos Régios. Pasta 17, n. 74; Id. op. cit., nota 31, Maço 1342, doc. 7. 
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disposto a devassar os procedimentos de Caldeira Brant e começou a pressioná-lo. Surgiram diversos pontos de atrito, mas o principal foi a exigência de que as falhas dos contratos fossem averiguadas.73  
 Em 1752, quando Gomes Freire se retirou para o sul e deixou seu irmão José Antônio Freire de Andrade como interino, advertiu-o em suas Instruções que tomasse cuidado com o Intendente, pois o mesmo era “um ministro muito mal conceituado no ministério,”74 tomando o partido de Caldeira Brant e retribuindo-lhe as demonstrações de amizade explicitadas nas relações de compadrio.  
 As disputas sobre a verificação das falhas do contrato chegaram ao seu ponto máximo no primeiro semestre de 1752. Em junho, Brant acusou o Intendente de roubar o cofre dos diamantes para prejudicá-lo.75 Era uma quantia irrisória, mas lançava dúvidas sobre a idoneidade do principal representante da Coroa. O clima no Tejuco obrigou o governador interino a se deslocar para lá diversas vezes. Lanções lançou, então, um ultimato sobre a verificação das falhas, determinando em uma sentença (documento 86), que só fossem pagas as verificadas pelos guardas. 
  O destino do Contrato foi trágico. Da devassa resultante da denúncia do roubo do cofre, Lanções acabou inocentado, mas foi suspenso por inépcia administrativa.76 Os caprichos do contratador e suas ligações na Corte arruinaram a carreira de um magistrado que tentava fazer valer os interesses do Rei.77 Já as desordens de Caldeira Brant foram descobertas, inclusive o número gigantesco de pedras que extraíra ilegalmente e suas redes de contrabando para o Reino. O Ouvidor do Serro do Frio, José Pinto de Morais Bacelar, encarregado da Devassa dos crimes de extravio, encontrou o livro de registro de aluguel dos escravos que trabalhavam ilegalmente.78 A partir desses dados, estimou a produção real e chegou à 
                                                                                                                                                                               72 DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivos Eclesiásticos, op. cit., nota 27, Caixa 297, f. 23 e 30. 73 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Caixa 63, doc. 1. 74 INSTRUÇÕES que o Governador Gomes Freire de Andrade... R. do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v. 4, p. 374, 1899. 75 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Caixa 63, doc. 1 76 Id., op. cit., nota 60, n. 15.587 e 15.591. 77 Ibid., n. 16.078. 78 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Caixa 65, doc. 55. 
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conclusão que Caldeira deveria ter pago à Coroa cerca de trinta vezes o montante de 1:655Ø276 milhões de réis que fizera entrar nos cofres régios. 
 Ele foi preso junto com o sócio, posteriormente transferidos para a Ilha das Cobras no Rio de Janeiro e para o Reino.79 Felisberto morreu na cadeia do Limoeiro80 e Alberto Luís Pereira ficou preso na Torre de Belém, mas conseguiu, por fim, a liberdade sem que lhe pesasse nenhuma culpa. Na década de 70, recebeu o hábito da Ordem de Cristo, arrematou o contrato do peixe no Algarve e viveu o resto de seus dias na nobreza, tendo conseguido apagar seu passado.81 
 A prisão de Felisberto colocou em perigo o pagamento das letras que venciam em Lisboa e no Rio de Janeiro no final do ano de 1753. Dom José I, para evitar um colapso do sistema de contratos diamantinos, honrou seu pagamento e determinou o seqüestro integral dos bens do contratador, que só terminou em 1768, para ressarcir o tesouro régio dos prejuízos.
Fonte: JULIA FERREIRA FURTADO