Um bate Papo
Certa vez, Dr. Carranca fez um passeio á Palha, em companhia de ilustre político, filho de Diamantina. Na volta, quando passavam perto do cemitério, o proceder situacionista, rememorando com orgulho suas benemerencias partidárias, apontou para o casario poético da cidade e disse: - Ali está a Diamantina dos meus amores, onde se acham tantos amigos a quem dei empregos e de quem espero votos!
Dr. Carranca, completamente distraído, apontou para o cemitério, e exclamou, em tom de “blaque”: - Ali está a cidade dos meus amores, onde se acham tantos amigos a quem dei a morte e de quem não espero protestos... Tinha razão P. Veron de dizer: “A Matemática pretende que somente a divisão possa ter um resto. Entretanto, o cemitério é o resto da multiplicação.” Eu acrescentaria:
“O cemitério é o resto da multiplicação... dos médicos e dos remédios...”
O político, absorto no pensamento de suas ações partidárias, não ouviu as brincadeiras do seu interlocutor e prosseguiu, apontando novamente para a cidade: - Ali dentro há muita gente que deve a mim a própria posição!
Dr. Carranca, também distraído, tornou a apontar para o cemitério, e disse, sorrindo comicamente: - Ali dentro quanta gente existe que deve a nós médicos a própria posição!...
(Deixo continuar a história, porque alguns desconfiados e futriqueiros podem descobrir alusões políticos nas minhas despretenciosas anotações biográficas!...
A porta de certa residência \, reunia-se, toda noite, um grupo de senhoras faladeiras, e ali a vida de toda a gente passava por uma verdadeira devassa. Uma ocasião, Dr. Carranca ia atravessando a rua, quando uma do bando se dirigiu a ele:
- Dr., estamos aqui falando da vida alheia; o senhor, não quer também dar algum palpite? Pelo nosso regulamento aqui, cada uma toma a palavra e expõe todos os defeitos que notou em alguém.
- Pois então eu tenho alguma coisa a lhe dizer: “Quando quiseres conhecer os pontos fracos de uma pessoa, observa quais são os defeitos que ela nota nos outros com mais presteza”. Isso é de A Hare e esse escritor tinha um defeito: - o de dizer coisas muito certas...
- Mas o que ele disse se aplica mais aos homens.
- Aos homens, vírgula: a alguns homens... Quando a certas mulheres de hoje, pode-se dizer que elas habitualmente só tem três coisas na boca...
- Quais essas três coisas?
- Dentadura postiça, maledicência e batom...
Disseram a Dr. Carranca que o presidente Vargas ia extinguir o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda).
- A supressão do DIP pode ser feita com uma só letra.
- Como assim?
- Basta mudar o D em R e o DIP virará RIP ( Requiescat in pace)...
Estavam as rádios emissoras do Brasil noticiando a rendição incondicional da Alemanha, na histórica tarde de 7 de maio de 1945, quando alguém pediu o Dr. Carranca as suas impressões sobre o fim da guerra.
- Minha alma se enche de alegria nesta gloriosa data em que uma aurora de paz e de concordia inunda os horizontes da terra. A vitória das armas aliadas sobre o grande povo alemão, vem despertar em nossas consciências a crença na Democracia e na Liberdade pelas quais tanto trabalham e por cuja defesa tanto sangue foi derramado. Rendo graças ao Todo-Poderoso pelo triunfo das Nações Unidas, e desejo que as mesmas bênçãos que fecundaram a nossa luta fecundem a nosso vitória e os entendimentos para a reorganização da paz. Que sobre a Pátria brasileira também regressem os raios luminosos do sol da Democracia e da verdadeira e da verdadeira liberdade com ordem, disciplina e fraternidade cristã.
Demófilo, Voz de Dtna, 1945.