O descobridor dos diamantes
O arraial do Tejuco (hoje cidade de Diamantina) era, no ano de 1728, um dos sitios da Capitania de Minas Gerais onde em maior quantidade se fazia a extração do ouro.
A população do arraial vivia então descuidosa e feliz. Inúmeras catas estavam em exploração, o ouro era tanto nas lavras, e tão á flro dos aluviões, que não havia sinão o trabalho de apanhar. Todos enriqueciam. Era geral a abastança, assim como o contentamento. Raro era o dia em qeu não se descobria um veio novo.
Aconteceu que, de mistura com o cascalho onde estava o minério de ouro, começaram a encontrar uma pedrinhas duras, cristalizadas, transparentes, com forma de octoédros, isto é, de um sólido com oito faces. Os mineradores não sabiam o que fosse aquilo, nem entre eles se encontrava quem ao certo pudesse dizer o que era. Foi crença geral que esses granitos não passavam de pedaços de cristal,s em nenhum valor. A falta de outra utilidade, os mineradores começaram a servir-se deles como tentos no jogo de gamão. De sorte que esses fragmentos de cristal rolavam pelas mesas e consóles de suas salas ou p0elos taboleiros de gamão, sem que ninguém fizesse caso.
Entre os mineradores encontra-se Bernardo da Fonseca Lobo que minerava no córrego do Tejuco e residia num modesto rancho próximo ao arraial.
Suced que chegou ao Tejuco um frade estrangeiro cujo nome até hoje se ignora. Era irmão da Terra Santa e vinha a Minas em comissão de seu superior, para cobrar o que se devia á irmandade e arranjar novos irmãos. Bernardo, hospitaleiro como todo mineiro se preza de ser, ofereceu ao padre agasalho em sua casa, convite que o mesmo aceitou. Bernardo cedeu-lhe o melhor quarto da casa, e dispensou-lhe sempre o trato mais carinhoso.
Um dia foi a atenção do padre atraída para os tentos com que se deu hospedeiro marcava as partidas de gamão.
Examnando-os com cuidado, logo conheceu porque já estiver na Índia, onde tivera ocasião de lidar de perto com aquelas pedras preciosas.
No que estava o padre examinando as pedras, entrou na sala Bernardo. O frade, fingindo-se calmo e indiferente, perguntou-lhe donde eram aquelas pedras, ao que respondeu Bernardo que do córrego onde havia em quantidade. Bernardo indagou do padre si tinham algum valor, ao que aquele respondeu que não tinham nenhum valor, pois não passavam de pedaços de cristal. Bernardo fiou-se no que ele disse, pois não acreditava que um padre pudesse mentir. Este, aparentando sempre não fazer caso das pedras, pediu o Bernardo para levar algumas consigo, como recordação da hospedagem que recebera em sua casa. Bernardo, sempre amavel e cavalerio, não só deu ao padre todas as pedras que tinha em casa, como saiu a arranjar mais em casa dos parentes e vizinhos.
O frade, cheio de ambição de se enriquecer á custa da ignorância de Bernardo e outros tejuquenses, logo premeditou fugir carregango os diamantes, cujo valor era tanto, tanto que o tornaria riquissimo muitas e muitas vezes.
Na noite desse dia o padre fechou-se por dentro em seu quarto e pôs-se a contar e a pesar os diamantes que recebera de Bernardo. Ao mesmo tempo fazia muitos cálculos numa folha de papel para avaliar a colossal fortuna que lhe poderia resultar daquele tesouro. Já era tarde da noite. Vendo luz no quarto de seu hóspede e estranhando aquilo, Bernardo supôs que o frade estivesse doente e necessitasse de alguma coisa; então, como o seu dever era socorrê-lo, para lá se dirigiu. Chegando á porta bateu por três vezes, mas o padre, entretido com o que estava fazendo, nem siquer ouviu. Então Bernardo, supondo sempre que o padre estivesse em perigo, resolveu espiar pela greta da fechadura. Assim fez, pois era com a melhor intenção desse mundo. Qual não foi então a sua surpresa, vendo seu hóspede todo embebido em empilhar as pedras, contá-las, pesá-las, dando com isso mostras de grande alegria?! Sua surpresa aumentou mais ainda, quando ouviu distinctamente o padre dizer: - 280 mil quilates em diamantes de primeira água! É um tesouro que me fa´ra mais rico que o rei!
Ouvindo a palavra diamantes, Bernardo compreendeu quie aquelas pedras não eram, como ele e toda a gente supunham, simples amostras de cristal. Compreendeu mais que o padre, valendo-se de sua ignorância, se tinham valor. Ora, aquele homem (talvez um aventureiro disfarçado em padre) era, pois, uma ladrão, pois lhe mentira descaradamente, pagando com a traição e com o roubo a hospedagem que tão generosamente lhe dera! Então Bernardo resolveu empurrar a porta e entrar de sopetão. Assim fez. Ao vê-lo entrasr tão de repente, o padre empalideceu. Bernardo, indignado, foi-lhe dizendo logo:
- Ouvi distintictamente que o Sr. me afirmou que não tinham valor algum, são diamantes de súbido preço. Estas pedras pertencem-me. "Dê-m'as".
Então o padre, revestindo-se de um ar de falas santidade e fingindo uns modos muito brandos e umas falas muito doces, disse:
- Dividiremos fraternalmente , irmão. O sr. tem direito á metade porque é o dono; eu tenho direito á outra metade, porque fui quem descobriu. Encarrego-me de ir vender e comprometer-me e vir fazer-lhe restituição da metade que lhe pertence.. Fica combinado.
Ainda desta vez o bom do Bernardo acreditou na lábia do padre. Despediu-se dele e foi deitar-se.
No dia seguinte, ao amanhecer. Bernardo veio ao quarto de seu hóspede para saber dele. Já não o encontrou nem aos diamantes. Durante a noite o padre fugira pela janela, montando depois num dos cavalos que estavam na estrebaria. levara consigo todos os diamantes.
Bernardo ficou muito desconsolado, mas não revelou a ninguém o seu segredo.
Arranjou com os amigos e vizinhos outros diamantes, encheu com eles um picuá e resolveu ir a Lisboa revelar ao rei de Portugal a existência de diamantes na Capitania de Minas.
- De certo (pensava Bernardo) o rei, para me recompensar, me fará nomear Vice Rei do Brasil, ou, pelo menos Governardo da Capitania e Capitão General. "Darme-á" o título de Marquez; "far-me-á" nobre. "cumular-me-á" de honras e distinções . Serei o primeiro homem da Colônia! Em troca do meu segredo, Portugal será então o reino mais rico do mundo! Os diamantes do Tejuco, e mais os que se vierem a extrair noutros lugares, darão para comprar mil esquadras com que Portugal será o Rei do Mundo. Mas eu, Bernardo da Fonseca Lobo, serei o Vice Rei do Brasil !
Era a ambição que lhe estava incutindo esses desejs de grandeza louca e desmedida.
Resolvido a realizar o seu sonho de grandeza, Bernardo, um dia, sem prevenir a ninguém, desapareceu do Tejuco. Depois de andar por caminhos ocultos, com receio de ser visto e descoberto, chegou afinal ao Rio de Janeiro onde tomou um navio que o levou a Portugal.
Era rei nessa ocasião o senhor Dom João V, monarqua esbanjador, dissoluto e arbitrário.
Introduzido na sala de audiência. Bernardo apresentou-lhe os diamantes no picua e revelou o segredo da existência de diamantes no Brasil, coisa que até então se ignorava completamente.
Os olhos do rei cintilaram de ambição. Suas mãos mergulharam no picuá e por muito tempo estiveram apalpando as pedras, a "miral-as", "contal-as", enquanto Bernardo lhe ia encarecendo as dificuldades por que passara para arranca-las do solo e vir trazê-las ali a Sua Majestade. O rei nem o ouvia, todo embebido nas pedras. Depois de meia hora de audiência e sem lhe ter dado a menor atenção, D. João V fez sair da sala Bernardo, como importuno.
Muitos dias esteve o ingênuo Bernardo em Lisboa á espera de que o rei nomeasse Vice Rei do Brasil.
D. João V riu-se de sua pretenção e por muito favor o nomeou tabelião e capitão mor da Vila do Príncipe (Conceição do Serro), cargo que Bernardo exerceu por pouco tempo e depois abandonou, pois não lhe dava para viver.
Bernardo, tendo ido revelar ao rei a existência de diamantes no Brasil, veio apressar a tirania que desde logo começou a oprimir os Mineiros. De então por diante não houve mais sossego no Tejuco, Começaram as rivalidades e as brigas, entre mineradores, começaram as violências e as exigências por parte da Metrópole, representada pelos agentes da Real Fazenda.
Pobre, desamparado e obscuro acabou seus dias Bernardo da Fonseca Lobo, o visionário que sonhara vir a ser Vice Rei do Brasil !
Assim foi punido de sua desmedida ambição. História da Terra Mineira, pág 48 a 58.